Endividamento da Via, dona da Casas Bahia, desperta temor no mercado

Ação da varejista cai por 12 pregões seguidos e acumula 30% de queda no período; empresa disse não poder comentar

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São Paulo

As ações da Via (antiga Via Varejo) —dona da Casas Bahia, do Ponto e do Extra.com— fecharam em forte queda no pregão desta terça-feira (5), e acumulam recuo de 30% em 12 pregões, enquanto o mercado monitora de perto a saúde financeira da empresa, segundo analistas.

O papel fechou a sessão em queda de 7,14%, valendo R$ 1,17. No ano, a ação se desvaloriza 51,25%. Procurada, a Via afirmou que não pode se pronunciar, por estar em período de silêncio.

A empresa anunciou na manhã desta terça uma oferta pública de ações, conhecida no mercado como follow-on, para levantar cerca de R$ 1 bilhão. A finalidade, segundo a companhia é melhorar a estrutura de capital da empresa, incluindo o investimento em operação de crediário dos clientes.

No balanço do segundo trimestre da Via, a companhia reporta R$ 3,7 bilhões de endividamento bruto, além de R$ 1,5 bilhão com risco sacado, que é uma operação que antecipa os recebíveis dos fornecedores com a intermediação de instituições financeiras.

Casas Bahia, uma das subsidiárias da Via. - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Mas, nas notas explicativas do balanço, a empresa reporta R$ 8,7 bilhões de empréstimos e financiamentos, sendo R$ 5 bilhões de repasse para instituições financeiras referentes a operações com crediário —um dos motivos da oferta pública de ações divulgada neste terça para o mercado.

Crediário é uma opção que a empresa oferece de parcelamento de compra sem a necessidade de a empresa utilizar cartão de crédito. Para sustentar a operação, a companhia toma empréstimo junto a instituições financeiras. Segundo o balanço da Via, esse financiamento aconteceu no segundo trimestre com uma taxa média de 17,56% ao ano.

Segundo o analista Fernando Ferrer, da Empiricus Research, o follow-on anunciado é positivo, mas insuficiente para resolver os problemas financeiros da empresa. O analista argumenta que, em 2020, quando os juros estavam muito baixos, a empresa anunciou uma oferta pública de ações no valor de R$ 4 bilhões.

"Esse dinheiro sumiu. A empresa conseguiu queimar R$ 4 bilhões, então, a operação está ineficiente", diz. "Acho que este follow-on de agora mascara o problema, mas não resolve", completa.

Para Ferrer, os problemas da Via remontam a 2014, quando a empresa adotou uma estratégia ruim de separar as operações online das lojas físicas, e passou a criar concorrência de preço entre as próprias marcas da companhia. Nessa época, o controle da empresa era da rede Pão de Açúcar.

Desde então a empresa vem tentando um "turnaround", ou uma retomada dos negócios, com mudanças no nome da empresa e do código negociado na Bolsa de Valores, mas sem sucesso, segundo Ferrer.

O analista especializado em varejo Lucas Rietjens, da Guide Investimentos, diz que o mercado de certa forma já estava esperando a oferta pública de ações anunciada nesta terça. Isso explica, em parte, as sucessivas quedas da ação na Bolsa, segundo ele.

Rietjens diz que o indicador de cobertura de juros da dona da Casas Bahia mostra que o lucro operacional da empresa não é suficiente para pagar os juros de sua dívida, algo que estava no radar dos investidores.

Os resultados ruins da empresa no segundo trimestre, com prejuízo de R$ 492 milhões, além da situação macroeconômica desafiadora, com endividamento alto das famílias, também têm pressionado as ações da companhia, segundo o analista.

Lucas Rietjens diz que a Via está em uma situação complexa, com concorrência acirrada no mercado, sem um diferencial e nem condições de oferecer preços competitivos. "A empresa não tem caixa para conseguir colocar preços mais baixos e seu serviço não é muito melhor", afirma.

Eugênio Foganholo, sócio da Mixxer, consultoria especializada em bens de consumo e varejo, chama atenção para o fato de a Via ter feito um investimento agressivo durante o início da pandemia, quando o setor se beneficiou dos juros baixos e do isolamento, o que impulsionou as compras na internet.

Mas, como o forte das marcas da Via é o segmento de eletrodomésticos, que é muito sensível às mudanças macroeconômicas e vive uma "montanha-russa" nas vendas, a empresa logo viu uma virada nos seus resultados.

Um especialista do setor que preferiu não se identificar questiona se esse boom de investimento da Via tem relação com a política de bonificação dos diretores da empresa ligada a uma alta das ações.

Segundo essa pessoa, no curto prazo, esse tipo de bonificação pode até alavancar a empresa, mas é um tipo de governança irresponsável no longo prazo, já que gera um crescimento que não se sustenta no tempo.

Segundo um levantamento da Folha junto ao Trademap, neste ano, cada um dos cinco diretores estatutários da varejista receberia, em média, R$ 19 milhões se a empresa batesse suas metas para 2022.

Mas a empresa apresentou números negativos —prejuízo de R$ 342 milhões no ano passado, uma piora de 15% em relação às perdas de 2021— e a participação nos resultados, no valor de R$ 36,6 milhões, não foi paga.

A Via tem seu capital distribuído em cerca de 1,6 bilhão de ações. Segundo o departamento de relações com investidores da empresa, a maior fatia está com o fundo de investimento de ações Goldentree, e 2,51% dos papeis são de propriedade do empresário Michael Klein, filho do fundador das Casas Bahia, Samuel Klein.

Goldentree Fundo de Investimento em Ações 125.209.742 7,83%
TWINSF 120.100.449 7,51%
EK-VV Limited 81.964.708 5,12%
Michael Klein 40.076.592 2,51%
BlackRock 82.107.441 5,14%
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