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Risco sacado era contabilizado errado pela Americanas; entenda forma mais apropriada

CVM orienta que empresas reportem risco sacado como dívida, mas maioria ainda registra na parte operacional dos balanços

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São Paulo

O escândalo da Americanas ganhou um novo capítulo na última terça (13), com a companhia revelando investigações preliminares sobre fraude contábil na companhia, até então chamada de "inconsistências contábeis".

Em janeiro deste ano, o então diretor-presidente da Americanas, Sergio Rial, anunciou um rombo de aproximadamente R$ 20 bilhões pela forma inadequada como a varejista estava reportando suas operações de financiamento de compras de fornecedores, chamadas de risco sacado (também conhecidas como forfait ou confirming).

Segundo fato relevante divulgado pela Americanas ao mercado nesta quarta (14), um total de R$ 18,4 bilhões de risco sacado foi "inadequadamente" contabilizado pela companhia ao longo de anos.

Foto da fachada da loja Americanas Express em São Paulo (SP). - Edi Sousa/Ato Press/Agência O Globo

Risco sacado é um tipo de operação na qual a varejista consegue antecipar o pagamento a fornecedores por meio de empréstimo junto aos bancos. A instituição financeira, portanto, adianta o pagamento direto para o fornecedor e quem paga ao banco é a varejista. O juro do empréstimo pode ser cobrado tanto do fornecedor como da varejista, dependendo de como a operação é estruturada.

Valores referentes a essa operação foram discriminados na parte de "Fornecedores" dos balanços da Americanas. Acontece que, ao reportar risco sacado como despesa com fornecedor, portanto, uma despesa operacional, a empresa tira esse valor da parte financeira do balanço e consegue reduzir o seu endividamento. Mas a operação de risco sacado envolve a triangulação com bancos, por isso há juros e o risco é maior.

A diretoria anterior da Americanas não apenas fez uma manobra contábil para esconder o risco sacado de seus balanços, mas utilizou de fraudes para reduzir a conta com fornecedores e camuflar essa operação. Uma dessas fraudes foi o registro de bônus por propagandas recebidos de fornecedores, que, na verdade, nunca existiram.

Na terça-feira, durante a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga a fraude da varejista no Congresso, o atual diretor-presidente da Americanas, Leonardo Coelho Pereira, afirmou que auditorias colaboraram com uma comunicação que camuflasse a existência de operações com risco sacado nos balanços da Americanas.

Também apresentou emails de funcionários da varejista com uma suposta colaboração de bancos nessas manobras.

EMPRESAS ALTERAM FORMA DE REPORTAR RISCO SACADO APÓS CASO AMERICANAS

Segundo levantamento da consultoria empresarial americana FTI Consulting obtido com exclusividade pela Folha, das 10 empresas do varejo com capital aberto na Bolsa de Valores de São Paulo que têm perfil semelhante ao da Americanas, 7 aprimoraram a maneira de informar suas despesas com o risco sacado depois do escândalo.

As 3 empresas que não fizeram mudanças nessa parte do balanço é porque já possuíam formas mais transparentes de apresentação do dado.

O estudo comparou os resultados financeiros do terceiro trimestre de 2022, ou seja, divulgados antes do estouro da crise da Americanas, com os balanços do primeiro trimestre deste ano, portanto, depois do escândalo, das seguintes empresas: Magazine Luiza, Via, Natura, Lojas Renner, C&A, Guararapes, Marisa Lojas, Grupo Soma, Arezzo e Alpargatas.

Dessas, Guararapes, Arezzo e Alpargatas foram as que não modificaram a forma de reportar o risco sacado em seus balanços.

A Americanas ficou de fora do levantamento porque não tem reportado seus resultados financeiros desde a crise.

O estudo também mostrou que, embora as empresas tenham feito melhorias para ser mais transparentes com relação ao risco sacado, essa despesa ainda é reportada na parte operacional dos balanços, e não na financeira, dentro das dívidas.

Segundo o diretor executivo sênior da FTI Consulting, Luciano Lindemann, a orientação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) é para que as companhias insiram o risco sacado como uma dívida, dentro dos dados financeiros.

Mas na visão de André Pimentel, sócio da consultoria Performa Partners, mesmo que as empresas não reportem o risco sacado dentro da parte financeira do balanço, só de criarem uma forma diferenciada de registrar a operação, isso já é suficiente para que os investidores e analistas entendam que se trata de uma dívida.

MUDANÇAS NO MERCADO

Com a crise da Americanas, houve uma redução nos saldos das operações de risco sacado reportados por algumas empresas, conforme destaca o especialista em contabilidade Ítalo Borges, da BHub.

Segundo Borges, isso aconteceu porque, com o estouro do escândalo, houve um encarecimento dessa linha de crédito, com os bancos reduzindo drasticamente a exposição ao produto, o que gerou um efeito em cadeia em outras empresas do setor.

"Como destaques, a Ultrapar, controladora da rede dos postos Ipiranga, informou em seu release de resultados do primeiro trimestre de 2023 uma redução de quase R$ 1 bilhão nos saldos de risco sacados. Seguindo essa tendência, a Via, dona das Casas Bahia, também reportou uma redução de R$ 1,1 bilhão no mesmo período", cita o especialista.

A expectativa é que, aos poucos, o mercado volte ao normal. Ainda assim, o analista de investimentos Fernando Ferrer, da Empiricus Research, vê uma mudança no médio e longo prazo, com os analistas e investidores agora mais atentos a esse dado, cobrando das empresas mais informações relacionadas ao risco sacado.

Além disso, Ferrer chama a atenção para o fato de que os bancos que estavam na lista de credores da Americanas foram prejudicados depois que a varejista entrou em recuperação judicial por conta da crise. Segundo o analista, agora as instituições financeiras estão menos complacentes com dados nebulosos sobre o risco sacado.

"Certeza de que uma crise dessa nunca mais vai acontecer é uma palavra forte. É difícil ter certeza. Mas, olhando pelo lado positivo, as pessoas passaram a ficar mais atentas. Então, há uma dificuldade maior para que se repita esse tipo de escândalo", diz Ferrer.

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