Isenções fiscais beneficiaram 1.112 empresas multadas pelo Ibama

Companhias receberam ao menos R$ 84,2 bi de isenções em 2021; Petrobras e Vale lideram ranking

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Brasília

Incentivos tributários concedidos pelo governo federal beneficiaram 1.112 empresas que foram multadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais e Renováveis) ao longo de dez anos.

Cruzamento feito pela Folha com dados da Receita Federal e do instituto ambiental mostra que essas empresas receberam pelo menos R$ 84,2 bilhões em isenção de diversos tributos em 2021 —informações mais recentes disponíveis. Desde 2012, esse grupo foi autuado em pelo menos R$ 2 bilhões pelo Ibama.

Dentre as empresas multadas pelo Ibama e que receberam incentivos fiscais do governo federal, as mais beneficiadas são Petrobras e Vale.

Vista aérea mostra região desmatada por grileiros em terra indígena, com polígono de destruição cercado pela floresta em pé
Área de floresta amazônica desmatada ilegalmente por grileiros dentro da Terra Indígena Trincheira Bacajá, em Altamira (PA) - Lalo de Almeida - 26.ago.2019/Folhapress

Os incentivos incluem programas como Prouni, Sudam e Pronac, por exemplo, além de benefícios em dispositivos que poderão ser extintos pela Reforma Tributária em discussão no Congresso —IPI, PIS e Cofins.

Embora os dados dos incentivos fiscais se refiram a um único ano, esses benefícios são renováveis, e as empresas podem recebê-los por mais tempo. Eles são concedidos com base em ao menos 11 programas do governo federal.

Boa parte dos benefícios é dada no Imposto de Renda. Entre eles estão iniciativas para que as empresas concedam seis meses de licença-maternidade (dois meses adicionais), deem vale-alimentação, contribuam para fundos de idosos e crianças e invistam em projetos de desenvolvimento e profissionalização do esporte.

As empresas foram beneficiadas com isenção de PIS e Cofins porque importaram bens favorecidos por regimes especiais ou diferentes leis que desoneram itens específicos, como sementes, adubos, peças para embarcações, entre outras isenções previstas.

Também há isenções referentes ao Reidi (Regime Especial de Incentivo para Projetos de Desenvolvimento da Infraestrutura). A empresa que adere ao programa fica isenta de pagar impostos que incidem sobre importação, venda, locação e serviços de projetos no setor de portos, saneamento básico, irrigação e energia.

No levantamento realizado pela Folha, o valor das multas considera os montantes indicados em autos de infração. Fazem parte do cruzamento as punições que foram pagas e casos em que a empresa autuada apresentou recurso. Ficaram de fora penas que foram anuladas ou nas quais o suposto infrator venceu a causa na Justiça, por exemplo.

O número de empresas autuadas pode ser ainda maior, uma vez que parte dos dados não está disponível para consulta. Procurado, o Ibama não explicou por que há informações que não aparecem no portal do instituto.

A análise dos dados mostra que 383 empresas receberam pelo menos R$ 383 milhões em multas do Ibama e tiveram deduções de R$ 12 bilhões só no pagamento de PIS e Cofins.

Se a Reforma Tributária, que já passou pela Câmara, for promulgada pelo Congresso, esses impostos serão transformados na CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) a partir de 2027.

Já o IPI, cuja isenção também beneficiou empresas multadas pelo Ibama, se tornará um imposto seletivo. A PEC da reforma prevê que ele incidirá sobre empresas que poluírem o meio ambiente, mas não define que elas não poderão receber isenções.

O ICMS e o ISS, nos quais as empresas também têm benefícios, deverão virar o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que será gerido pelos estados.

O novo sistema tributário em tramitação no Congresso inclui entre os seus princípios o impacto ambiental, mas não detalha de que forma os impostos vão incidir ou deixar de incidir sobre empresas que desmatam e poluem.

Alguns órgãos governamentais já aplicam mecanismos que vetam ou reduzem benefícios para empresas que, por exemplo, respondam a processos por desmatamento ilegal.

Nos últimos meses, bancos como o BNDES vêm criando mecanismos de impedimento de benefícios, como créditos, para empresas que respondam a processos por desmatamento ilegal.

O banco já bloqueou 182 pedidos de créditos a imóveis rurais com suspeita de desmatamento de fevereiro a junho deste ano.

No caso da Petrobras, que está entre as mais beneficiadas, foram R$ 29,5 bilhões em isenções apenas em 2021. A petroleira lidera o ranking das mais autuadas, com R$ 415 milhões em multas.

São mais de 2.000 autuações nos últimos dez anos, quase todas por problemas relacionados à costa brasileira —por exemplo, pequenos vazamentos de petróleo ou descarte de água em desacordo com a legislação, segundo documentos do Ibama.

Os dados consideram apenas a matriz da estatal. Os valores podem ser ainda maiores se levadas em consideração as subsidiárias.

Já a Vale, responsável pelas barragens de Brumadinho e Mariana, que se romperam em Minas Gerais, recebeu R$ 19,2 bilhões em incentivos fiscais no ano de 2021 e, desde 2012, acumula R$ 1,5 milhão em multas. No sistema do Ibama não constam as multas pelas tragédias das duas barragens.

Aparece, no entanto, uma autuação por danos ambientais na região da floresta de Carajás (PA).

No cruzamento, também há empresas de energia, de veículos automotivos, de eletrônicos e do agronegócio. Entre elas está a Syngenta, que atua no ramo de sementes e agrotóxicos.

Em maio, o UOL revelou que a companhia havia criado um sistema interno para burlar a fiscalização do Ibama e também da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

A empresa recebeu R$ 1,3 bilhão em incentivos fiscais no ano de 2021, aproximadamente o mesmo valor que acumulou de multas do Ibama nos últimos dez anos —quase todas por falta de apresentação de relatórios ambientais sobre suas atividades.

Constam ainda na lista as montadoras Volvo e Mercedes-Benz do Brasil, que fabricam caminhões e chassis de ônibus; a Caterpillar, que atua no ramo de tratores; e a LG, fabricante de eletrônicos.

Também estão no topo duas subsidiárias da Eletrobras: a Eletronorte, que atua na região do Amazonas, e a Hidrelétrica do Rio São Francisco, que explora um dos principais rios do Nordeste.

Somadas, as duas receberam mais de R$ 2 bilhões em benefícios fiscais em 2021 e mais de R$ 40 milhões em multas do Ibama.

Procurada pela Folha, a Syngenta afirmou que está comprometida "em conduzir negócios de acordo com os mais altos padrões de integridade e responsabilidade".

A empresa informou que a inspeção realizada pelo Ibama ocorreu na fábrica de Paulínia (SP) e apontou falha no processo de produção de lotes específicos de três produtos.

"Após o procedimento regular de conciliação proposto e aprovado pelo próprio Ibama, de acordo com a legislação pertinente, a empresa pagou os valores acordados em 2022."

Alega ainda que desconhece o valor referente a isenções fiscais e reforça que o tema não tem qualquer relação com o pagamento de multas, pois não existem dispositivos na legislação que permitem contribuintes a recuperarem impostos sobre pagamento de multas.

Já a Mercedes-Benz do Brasil afirma que "sempre conduziu adequadamente seus temas ambientais junto ao Ibama".

A Volvo disse que pagou todas as multas que tem no Ibama. "O respeito ao meio ambiente é um dos valores fundamentais da nossa marca, ao lado da segurança e da qualidade. Sobre benefícios fiscais, a Volvo só se utiliza daqueles previstos em lei e disponíveis para quaisquer contribuintes, atendida às condicionantes estabelecidas na legislação", disse a companhia, em nota.

A Vale afirmou que os incentivos fiscais recebidos em 2022 são de R$ 1,4 bilhão, bem menor que o informado pela Receita para o ano de 2021, e listou uma série de ações feitas em prol do meio ambiente.

"A Vale tem como premissa contribuir para o desenvolvimento socioeconômico e estabelecer relações de respeito e confiança dos territórios nos quais está presente", disse, em nota. "[A empresa] reafirma o seu compromisso com a transparência e a mineração sustentável, promovendo o desenvolvimento socioeconômico e a conservação das áreas em que atua."

A Petrobras não comentou e as demais empresas citadas foram procuradas pela reportagem, mas não se manifestaram.


BENEFÍCIOS X MULTAS

R$ 84,2 bi
É o valor de benefícios fiscais recebidos pelas empresas autuadas em 2021

1.112
Empresas beneficiadas por incentivos fiscais foram autuadas pelo Ibama desde 2012

R$ 2 bi
É o valor total das multas a essas empresas

Petrobras e Vale
Lideram o ranking de benefícios a empresas multadas

R$ 29,5 bi
Foi o que recebeu a petroleira em incentivos durante 2021

R$ 19,2 bi
É o total com o qual a mineradora foi contemplada

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