Concorrência chinesa muda perfil de fluxo na fronteira com o Paraguai

Sacoleiros perdem espaço para gigantes estrangeiros e até Correios; cigarros lideram apreensões

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Ciudad del Este (Paraguai)

A possibilidade de compras diretas com vendedores internacionais, especialmente chineses, e até mesmo o envio interno de produtos pelos Correios alteraram o perfil do público comprador do Paraguai.

Em vez de um grande volume de sacoleiros viajando em centenas de ônibus rumo a Foz do Iguaçu (PR) e Ciudad del Este —cena tradicional nas últimas décadas—, o movimento na região da fronteira do Brasil com o país vizinho agora é formado mais por turistas que gastam valores próximos à cota permitida (US$ 500, ou cerca de R$ 2.500) e por um tipo de comprador invisível: o contrabandista profissional, integrante de quadrilhas internacionais que atuam na região da fronteira com o Paraguai.

Cigarros paraguaios apreendidos na região da fronteira são destruídos em máquina da Receita Federal em Foz do Iguaçu
Cigarros paraguaios apreendidos na região da fronteira são destruídos em máquina da Receita Federal em Foz do Iguaçu - Bruno Santos/Folhapress

Ciudad del Este, principalmente, e também Salto del Guairá, cidade paraguaia vizinha de Guaíra (PR), seguem muito movimentadas por grandes quadrilhas de contrabandistas por causa dos preços atrativos para o comércio ilegal em larga escala.

O dólar na casa dos R$ 5, o risco de roubos dos produtos nas rodovias por "piratas do asfalto" e o aperto na fiscalização adotado por órgãos de repressão brasileiros têm assustado compradores convencionais e consolidado a modificação do perfil do consumidor da fronteira nos últimos anos.

A conta é simples: por mais que os preços sejam bons no país vizinho, dependendo da compra, fica mais barato para o consumidor encomendar o produto a ter de ir buscá-lo, gastando tempo e correndo riscos.

Números das autoridades brasileiras ajudam a explicar a queda no movimento. No pátio da Receita Federal, em Foz do Iguaçu, por exemplo, havia cerca de 30 ônibus apreendidos à espera de serem abertos para conferência quando a Folha esteve no local —número que, no passado, chegou a ser o dobro.

Foram apreendidos neste ano 147 ônibus até outubro. Há uma década, esse volume era mais do que o triplo.

O cerco da fiscalização é crescente. De janeiro a setembro, as apreensões na região de Foz do Iguaçu somaram R$ 450,5 milhões, segundo a Receita, ante R$ 328,4 milhões em igual período de 2022, que hoje dariam R$ 344,4 milhões corrigidos pela inflação.

Cigarro é o principal produto apreendido na fronteira, com um total de R$ 176 milhões neste ano, patamar semelhante aos R$ 174,2 milhões de 2022 (R$ 182,7 milhões, atualizados), o que indica uma atividade constante do contrabando, na avaliação dos órgãos de repressão ouvidos pela Folha.

Também foram apreendidos neste ano na fronteira R$ 107 milhões em eletroeletrônicos, R$ 60 milhões em veículos, R$ 16,8 milhões em produtos de informática e R$ 6,5 milhões em bebidas alcoólicas.

No caso dos veículos, o valor elevado se deve ao fato de eles também serem levados quando há apreensão de contrabando em seu interior, principalmente em casos de fundos falsos nos carros e camionetes.

"O sacoleiro comum, que nós identificávamos lá atrás, já não tem a mesma expressão. Não precisa ir para o Paraguai, você pega os produtos aqui na [rua] 25 de Março, direto da China ou pela internet", afirmou Edson Vismona, presidente do FNCP (Fórum Nacional de Combate à Pirataria) e do Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial).

"Não há mais necessidade de ir para o Paraguai, assumir o risco, já pega o produto aqui dentro, ou viabiliza via marketplaces a compra desses produtos, que chegam [da China]. E é um grande desafio conseguir conter a entrada desses produtos nos Correios", disse.

O perfil de compra também mudou. CDs e DVDs —outrora figurantes do topo do ranking das apreensões e das preocupações das ações de combate à pirataria— somaram apenas R$ 44 mil em apreensões neste ano (R$ 47 mil, em 2022), com tendência ao desaparecimento.

Vismona afirmou que o país saiu de uma "visão inocente", com os sacoleiros, para uma atividade com anteparo de organizações criminosas. "Por isso que cresce o [contrabando] de cigarros."

Ele apontou ainda preocupação com a isenção de imposto de importação para compras de até US$ 50 (cerca de R$ 244,62 hoje), que, em sua avaliação, vai na contramão de combater mercadorias ilícitas. "Ao contrário, facilita a sua penetração no mercado brasileiro."

Metade das apreensões na fronteira é feita pela Receita Federal, que é quem atua na aduana na ponte da Amizade e na fronteira entre Guaíra e Salto del Guairá, enquanto o restante é dividido entre os outros órgãos de repressão.

Na sede da Receita em Foz do Iguaçu, há uma máquina para a destruição de cigarros com capacidade de retirar de circulação 1.200 caixas por dia, carga de uma carreta.

"O cigarro é um problema sério, porque ele é volumoso [e ocupa muito espaço no depósito]. Muitas unidades próximas trazem cigarros para que a gente destrua aqui; a máquina destrói e separa os resíduos de acordo com seu tipo, possibilitando reciclagem e compostagem do fumo", disse o auditor fiscal Hipólito Caplan, delegado-adjunto da Receita Federal em Foz do Iguaçu.

O combate a essa forte atuação do contrabando profissional tem sido feito por meio de operações conjuntas, cada vez mais comuns, segundo o superintendente da PRF (Polícia Rodoviária Federal) no Paraná, Fernando César Oliveira.

"O que a gente tem feito é procurado realizar operações temáticas e eventos, inclusive, não apenas com outras forças de segurança, no caso a Polícia Federal e as polícias estaduais, mas também com órgãos públicos que podem colaborar com o nosso trabalho, como a Receita Federal, Ministério da Agricultura, órgãos estaduais ligados à agropecuária e participação do setor privado do mercado legal, que geralmente tem boas condições de nos fornecer informações para aperfeiçoar o nosso trabalho", disse.

A Receita está utilizando drones na região de fronteira para monitorar a movimentação de barcos no rio Paraná, enquanto a PRF recebeu um veículo blindado para suas operações.

Nas rodovias paranaenses, a maioria das apreensões ocorre na BR-277, ainda próximo a Foz do Iguaçu, e também em cidades como Guaíra, Cascavel, Londrina e Maringá, segundo a PRF.

Com as obras da nova ponte entre o Brasil e o Paraguai —que ligará Foz do Iguaçu a Presidente Franco, na fronteira com o Paraguai—, a área está muito aberta e contrabandistas aproveitaram para passar produtos vindos do Paraguai por ali nos últimos meses.

"Servidores estavam sendo ameaçados, apareceram pessoas armadas, estava ficando bem perigoso. Então, a gente montou operação com prazo indefinido. Exército, PRF, Polícia Federal, Receita Federal, Guarda Municipal, Itaipu e Ministério da Agricultura estão participando", afirmou Caplan.

A Folha procurou a embaixada do Paraguai e questionou o governo do país vizinho sobre medidas tomadas para enfrentar o contrabando e quais foram os efeitos alcançados, mas não houve resposta até a conclusão desta reportagem.

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