Sob Milei, combustíveis sobem 60% na Argentina e preços das fraldas dobram

O novo presidente do país advertiu que as coisas piorariam antes de melhorar; agora, argentinos vivenciam essa realidade

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Daniel Politi Lucía Cholakian Herrera
The New York Times

Nas últimas duas semanas, o proprietário de um bar de vinhos moderno em Buenos Aires viu o preço da carne subir 73%, enquanto a abobrinha que ele coloca nas saladas aumentou 140%. Uma motorista do Uber pagou 60% a mais para encher o tanque de seu carro. E um pai disse que gastou o dobro com fraldas para seu bebê do que gastou no mês passado.

Na Argentina, um país sinônimo de inflação galopante, as pessoas estão acostumadas a pagar mais por praticamente tudo. Mas sob o novo presidente do país, a vida está se tornando rapidamente ainda mais dolorosa.

Quando Javier Milei foi eleito presidente em 19 de novembro, o país já estava sofrendo com a terceira maior taxa de inflação do mundo, com os preços subindo 160% em relação ao ano anterior.

Presidente da Argentina, Javier Milei, na varanda da Casa Rosada após a cerimônia de posse presidencial, na cidade de Buenos Aires, em 10 de dezembro de 2023
Presidente da Argentina, Javier Milei, na varanda da Casa Rosada após a cerimônia de posse presidencial, na cidade de Buenos Aires, em 10 de dezembro de 2023 - Xinhua/Germán García Adrasti

Mas desde que Milei assumiu o cargo em 10 de dezembro e desvalorizou rapidamente a moeda argentina, os preços dispararam a uma velocidade tão vertiginosa que muitos dos 46 milhões de habitantes do país sul-americano estão fazendo novos cálculos sobre como suas empresas ou famílias podem sobreviver à crise econômica muito mais profunda que o país já está enfrentando.

"Desde que Milei venceu, estamos preocupados o tempo todo", diz Fernando González Galli, 36 anos, professor de filosofia do ensino médio em Buenos Aires.

Galli tem tentado economizar sem piorar a vida de suas duas filhas, de 6 anos e 18 meses, incluindo a mudança para uma marca mais barata de fraldas e a correria para gastar seus pesos argentinos antes que seu valor se desintegre ainda mais. "Assim que recebo meu salário, saio para comprar tudo o que posso", conta ele.

Nahuel Carbajo, 37 anos, proprietário do Naranjo Bar, um bar de vinhos moderno em Buenos Aires, diz que, como a maioria dos argentinos, havia se acostumado a aumentos regulares de preços, mas a semana passada foi muito além do que ele estava acostumado.

Desde que Milei venceu, o preço do bife premium que Carbajo serve subiu 73%, para 14.580 pesos, ou cerca de US$ 18 (R$ 87,48), por quilograma; uma caixa de cinco quilogramas de abobrinhas subiu de 6.500 pesos para 15.600 pesos; e os abacates custam 51% mais do que no início deste mês.

"Não há como os salários ou a renda das pessoas se adaptarem a essa velocidade", diz Carbajo.

Porta-voz de Milei, Manuel Adorni afirmou que a aceleração da inflação era a consequência inevitável de finalmente corrigir a economia distorcida da Argentina. Ele disse: "Ficamos com uma série de problemas e questões não resolvidas que precisamos começar a abordar. Inevitavelmente, passaremos por meses de alta inflação".

Milei advertiu os argentinos que seus planos para reduzir o governo e reformar a economia causariam dor no início. "Prefiro contar a vocês a verdade desconfortável do que uma mentira confortável", disse em seu discurso de posse, acrescentando na semana passada que desejava acabar com o "modelo de declínio" do país.

A economia argentina está em crise há anos, com inflação crônica, aumento da pobreza e uma moeda que desvalorizou significativamente. A turbulência econômica abriu caminho para a presidência de Milei, um outsider político que passou anos como economista e comentarista de televisão criticando o que chamava de políticos corruptos que haviam destruído a economia, muitas vezes por ganho pessoal.

Durante a campanha, ele prometeu reduzir os gastos públicos e regulamentações, chegando até a empunhar uma serra elétrica em comícios.

Após a vitória de Milei, os aumentos de preços começaram a acelerar em antecipação às suas novas políticas.

O governo anterior de esquerda utilizou controles cambiais complicados, subsídios ao consumidor e outras medidas para inflar o valor oficial do peso e manter vários preços-chave artificialmente baixos, incluindo gás, transporte e eletricidade.

Milei prometeu desfazer tudo isso e não perdeu tempo.

Dois dias depois de assumir o cargo, Milei começou a cortar os gastos do governo, incluindo subsídios ao consumidor. Ele também desvalorizou o peso em 54%, aproximando a taxa de câmbio do governo da avaliação do mercado do peso.

Economistas disseram que essas medidas eram necessárias para resolver os problemas financeiros de longo prazo da Argentina. No entanto, também causaram dor no curto prazo com uma inflação que cresce ainda mais rápida. Alguns analistas questionaram a falta de redes de segurança adequadas para os argentinos mais pobres.

Em novembro, os preços subiram 13% em relação a outubro, de acordo com dados do governo. Os analistas preveem que os preços aumentarão mais 25% a 30% neste mês. E, de agora até fevereiro, alguns economistas preveem um aumento de 80%, segundo Santiago Manoukian, economista-chefe da Ecolatina, uma consultoria econômica.

As previsões são em parte causadas pelo aumento dos preços do gás, que subiram 60% de 7 de dezembro a 13 de dezembro, e têm um efeito cascata na economia.

A desvalorização da moeda tornou os produtos importados como café, dispositivos eletrônicos e gás imediatamente mais caros porque são cotados em dólares americanos. Por exemplo, uma assinatura mensal da Netflix na Argentina aumentou 60% para 6.676 pesos, ou US$ 8,30 (R$ 40,34), no dia seguinte à desvalorização. Também levou alguns produtores locais, incluindo agricultores e pecuaristas, a aumentar os preços para alinhá-los com seus próprios custos crescentes.

Com a inflação crônica, os sindicatos frequentemente negociam aumentos salariais significativos para tentar acompanhar os preços, mas esses aumentos são rapidamente absorvidos por novas subidas de preços. Além disso, trabalhadores informais, que compõem quase metade da economia, não recebem tais aumentos.

Na quarta-feira (20), Milei lançou seus próximos passos para remodelar o governo e a economia com um decreto de emergência que reduz significativamente o papel do Estado na economia e elimina uma série de regulamentações.

A medida proíbe o Estado de regular o mercado de aluguel de imóveis e de estabelecer limites para as taxas que os bancos e seguradoras de saúde podem cobrar dos clientes; altera as leis trabalhistas para facilitar as demissões, ao mesmo tempo em que impõe limites às greves; e transforma empresas estatais em corporações para que possam ser privatizadas.

Muitos analistas legais imediatamente questionaram a constitucionalidade do decreto, alegando que Milei estava tentando subverter o Congresso.

Após o discurso, pessoas em toda Buenos Aires, como Jesusa Orfelia Peralta, 73 anos, aposentada, foram às ruas batendo em panelas para mostrar seu descontentamento.

Ela temia que os aumentos de preços tornassem o atendimento médico adequado muito caro para ela e seu marido. Apesar de problemas graves na coluna, ela disse que não hesitou em sair, usando um andador, e expressar sua indignação em público. "Onde mais eu estaria?", questiona ela.

Milei procurou desencorajar protestos ameaçando cancelar planos de assistência social e multar qualquer pessoa envolvida em manifestações que bloqueiem estradas. Grupos de direitos humanos amplamente criticaram tais políticas por restringirem o direito de protestar pacificamente.

Por enquanto, a maioria dos argentinos está tentando descobrir como equilibrar as contas em um cenário que muitas vezes parece ser tanto um curso complicado de economia quanto uma corrida frenética para comprar antes que os preços subam novamente.

"Eu sempre digo que estamos na universidade e, todos os dias, fazemos um exame difícil, a cada cinco minutos", diz Roberto Nicolás Ormeño, proprietário de El Gauchito, uma pequena loja de empanadas no centro de Buenos Aires.

Ormeño afirma que vem vasculhando o mercado em busca de ingredientes e trocando de fornecedores quase toda semana, seja porque aumentam demais os preços ou fornecem produtos de qualidade inferior.

Ele está tentando evitar repassar muitos de seus aumentos de preços para os clientes, embora não saiba por quanto tempo conseguirá sustentar isso. "Vejo meus fregueses comprando uma dúzia em vez de duas", diz.

Marisol del Valle Cardozo, que tem uma filha de 3 anos, está cortando despesas para equilibrar as contas, recorrendo a marcas mais baratas e saindo menos. "Não ligamos o ar-condicionado com tanta frequência", diz ela. "Diminuímos nossos planos nos fins de semana de quatro vezes por mês para apenas uma vez", completa

Cardozo, que trabalha em um departamento de polícia fora de Buenos Aires, diz que teve um aumento salarial este ano, mas que já não é suficiente. Ela também dirige um Uber, mas afirma que os aumentos de tarifas não acompanharam os crescentes preços da gasolina.

Apesar dos desafios, Cardozo diz que ainda apoia Milei e espera que suas políticas funcionem.

"Estávamos vivendo em uma fantasia", diz, referindo-se aos preços da gasolina antes do recente aumento. "Se esses ajustes são necessários para prosperar no final, eles valem a pena".

Com contribuição de Jack Nicas, do Rio de Janeiro

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