Descrição de chapéu Financial Times Argentina América Latina

Argentinos ricos migram para o Uruguai para pagar menos impostos

Refúgio uruguaio com maior segurança, serviços públicos e estabilidade econômica está a apenas uma hora de Buenos Aires

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Michael Stott
Buenos Aires | Financial Times

Um dos beneficiários menos óbvios da incerteza em torno das imprevisíveis eleições presidenciais da Argentina este ano foi um promotor imobiliário no estuário do Rio da Prata, no Uruguai.

"Vendemos um monte de unidades", diz Eduardo Bastitta. "Sempre que há um choque na Argentina, nossas vendas aumentam."

Bastitta está construindo um projeto audacioso para atrair argentinos cansados dos elevados impostos e da instabilidade econômica crônica para um país que costuma ser chamado de "Suíça da América Latina".

Seu projeto MásColonia pretende duplicar a população de 26 mil habitantes da histórica cidade uruguaia Colônia do Sacramento, que fica a 40 km de Buenos Aires, oferecendo aos argentinos a opção de "sair sem sair", como ele mesmo diz: quem quiser estabelecer sua residência fiscal no Uruguai, pode voltar para a capital argentina em um trajeto de barco que dura menos de uma hora.

Vista aérea de monumento arredondado
A Plaza de Toros Real de San Carlos, em Colônia do Sacramento, no Uruguai, declarada Monumento Histórico Nacional. - Xinhua/Nicolás Celaya

Fundador do Meli e bilionário do petróleo já se mudaram para país vizinho

Os argentinos ultrarricos, como o fundador da plataforma de comércio eletrônico Mercado Livre (Meli), Marcos Galperín, ou o bilionário do petróleo Alejandro Bulgheroni, há muito tempo são donos de casas no Uruguai, atraídos pela sua estabilidade, segurança e incentivos fiscais para os ricos.

Já existe uma colônia estabelecida de argentinos abastados no distrito de Carrasco, em Montevidéu, na zona rural de Colônia e no balneário de Punta del Este, às vezes apelidado de "Miami do Uruguai", onde há uma maior variedade de escolas.

Mas ao longo dos últimos três anos, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, favorável aos negócios, expandiu enormemente os incentivos fiscais oferecidos, abrindo o seu país pela primeira vez como uma opção para os ricos. Antes de assumir o cargo em 2020, Lacalle Pou já falava dos seus planos para atrair investidores estrangeiros e suas famílias, visando até 100 mil novos residentes somente da Argentina.

"Primeiro vou buscar as famílias e, quando as famílias estiverem aqui, vão trazer o seu dinheiro", disse ele à imprensa local. "Este país vai se tornar um destino para [a região do] Cone Sul e para o mundo."

Em seus primeiros meses no governo, Lacalle Pou cumpriu sua palavra. Ele reduziu em três quartos o investimento mínimo no Uruguai necessário para se qualificar para residência fiscal, para US$ 380 mil, e reduziu a estadia mínima por ano exigida no país de 180 para 60 dias.

Atração por um litoral de areia branca e baixos impostos

Para residentes qualificados, o Uruguai isenta de impostos todos os rendimentos estrangeiros por até 11 anos. Após esse período, os rendimentos de juros e dividendos são tributados a uma taxa fixa de 12%. Nenhum imposto sobre ganhos de capital ou taxa sobre a riqueza é cobrado sobre ativos estrangeiros.

As vantagens da pequena nação sul-americana vão muito além da tributação, da boa segurança e de serviços públicos decentes. Um longo litoral de praias de areia branca aguarda aqueles que se instalam, bem como um florescente cenário artístico e gastronômico, que atrai o jet-set internacional durante o inverno do hemisfério norte para um conjunto de resorts boho-chic selecionados que são frequentemente comparados à francesa Saint Tropez.

O hoteleiro bilionário norueguês Alex Vik, cuja mãe é uruguaia, tem três retiros de luxo no Uruguai, agrupados dentro e ao redor da vila de pescadores de José Ignacio, amada por celebridades internacionais e às vezes comparada aos Hamptons da década de 1960, o grupo de vilas de luxo de Nova York.

"Até agora, os argentinos que foram morar no Uruguai eram geralmente os muito ricos", diz Bastitta. "Mas este projeto foi concebido para ser muito acessível a qualquer pessoa da região que queira vir morar aqui."

As menores propriedades no projeto inicial de 500 apartamentos da MásColonia têm 35 metros quadrados e são vendidas por apenas US$ 70 mil (R$ 342 mil). Com um depósito de US$ 20 mil (R$ 98 mil), os compradores podem contrair uma hipoteca de 22 anos a uma taxa fixa de 4,5% —impensável na Argentina, onde as taxas de juros são as mais elevadas do mundo, de 133%, e as hipotecas em moeda local são uma impossibilidade.

Unidades maiores na primeira fase do projeto, orçado em US$ 100 milhões (R$ 488,6 milhões), variam até US$ 400 mil (R$ 1,95 milhão), o suficiente para qualificar o comprador para a residência fiscal no Uruguai. Mais de três quartos das propriedades já foram vendidas e mais de 60% dos compradores são argentinos, diz Bastitta.

A construção está prestes a começar, com conclusão prevista para 2025. Bastitta já planeja novos projetos depois disso, desde que a procura se mantenha, até um investimento total que pode chegar a US$ 2 bilhões (R$ 9,77 bilhões). "O projeto prevê trazer mais 30 mil moradores para Colônia, ou seja, duplicar a população da cidade e duplicar sua área", afirma. "É um projeto adorável."

Mais de 30 mil argentinos se mudaram desde a saída de Macri do poder

Facundo Garretón, um empresário argentino e ex-legislador que agora vive no Uruguai, diz que para ele a gota d’água foi quando os peronistas venceram as eleições de 2019, preterindo o presidente Mauricio Macri, amigo dos negócios, e devolvendo ao poder a ex-líder da esquerda radical Cristina Fernández de Kirchner como a vice-presidente, altamente influente.

"Eu disse: 'Não quero viver num país onde as pessoas elegem governos assim'", disse ele. "Estava pensando que aconteceria um desastre como o que a Argentina vive hoje. Esse foi o meu principal motivo. Fui para o Uruguai e fiz toda a papelada para me tornar residente."

Milhares de argentinos seguiram seus passos. Depois de diminuir durante os anos Macri para 1.482 em 2018, o número de argentinos que procuram residência no Uruguai disparou após a mudança de poder.

Em 2020, o primeiro ano completo do governo peronista, mais do que triplicou, para 6.816, e quase dobrou novamente no ano seguinte, para um recorde de 12.489, embora os números tenham caído em 2022. Durante o mandato de quatro anos dos peronistas, que terminou no mês passado, estima-se que mais de 30 mil argentinos tenham se mudado para o Uruguai.

Alberto Iribarne, embaixador da Argentina no Uruguai, estima que cerca de 60 mil dos seus concidadãos vivam atualmente lá. "Há uma enorme afinidade cultural", diz ele, ressaltando que os uruguaios gostam do chá de erva-mate e das sobremesas de doce de leite tanto quanto seus vizinhos do outro lado do estuário, e falam espanhol com sotaque semelhante. Ambos amam futebol. "Mas os maiores incentivos, sobretudo para os mais ricos, são os incentivos fiscais."

Gustavo Grobocopatel, barão do agronegócio argentino que vive há anos no Uruguai, observa que existe uma tradição de políticos e intelectuais argentinos buscando exílio no país que remonta ao século 19.

"Escolhi o Uruguai porque, de certa forma, é como a Argentina. O lado cultural, as amizades, as crenças, os valores são muito parecidos", afirma. Grobocopatel instalou-se em Colônia, que descreve como "um subúrbio de Buenos Aires".

Imposto sobre riqueza levou à debandada nos últimos anos

A maioria dos argentinos ultrarricos que vivem no Uruguai não está disposto a falar publicamente sobre as razões para procurarem vidas com impostos baixos, do outro lado do estuário da sua terra natal. No entanto, privadamente, eles confirmam o seu descontentamento com a fixação do seu país na política de esquerda e nos impostos elevados.

"O imposto sobre a riqueza instituído pelos peronistas [em 2020] foi realmente um castigo terrível", disse um deles. "Num ano, impuseram uma sobretaxa que totalizava 5% dos ativos e havia sempre o risco de novos impostos. Depois houve a pandemia."

A Argentina impôs um dos confinamentos mais longos do mundo, uma quarentena ignorada pelo presidente Alberto Fernández quando este deu uma festa na sua residência oficial, com convidados, incluindo o seu cabeleireiro, provocando indignação.

No enfrentamento da pandemia, o Uruguai investiu em um sistema de saúde pública forte, em elevados níveis de educação e em tecnologia de rastreio de contatos, evitando ao mesmo tempo os confinamentos. "Poderíamos passear na praia durante a pandemia e aproveitar os restaurantes enquanto a Argentina estava fechada", diz um oligarca, que pediu anonimato. "Isso também influenciou a decisão de ficar aqui."

'Peronistas são jihadistas da política'

Os membros da comunidade argentina expatriada no Uruguai que esperavam um regresso a um governo moderado de centro-direita nas eleições deste ano para regressar ao seu país tiveram as suas esperanças frustradas. Patricia Bullrich, a principal candidata conservadora, foi derrotada ainda no primeiro turno das eleições de outubro e o segundo turno de 19 de novembro foi vencido por Javier Milei, um extravagante economista de TV que se descreve como um "anarcocapitalista" e prometeu encerrar o banco central e dolarizar a economia.

A vitória convincente de Milei levou a Argentina a águas desconhecidas, com o novo presidente determinado a embarcar num programa de reforma econômica radical, embora não tenha maioria no Congresso e enfrente uma oposição poderosa dos peronistas, que dominaram a política argentina desde que o país regressou à democracia em 1983.

"Os eleitores peronistas não estão interessados na inflação, na pobreza, na miséria e muito menos na corrupção", lamentou Agustín Antonetti, um influenciador de direita das redes sociais, no X. "Eles são os jihadistas da política, é um voto religioso."

Os peronistas controlam os poderosos sindicatos do país e têm a capacidade de mobilizar apoiantes para protestos em massa que podem paralisar a capital e a área circundante. Isso, juntamente com a personalidade volátil e excêntrica de Milei, provavelmente tornará os próximos anos turbulentos.

"Com o que aconteceu agora, mais argentinos se mudarão para o Uruguai", diz Garretón, lembrando que um amigo que dirige uma das principais escolas internacionais em Punta del Este relatou uma grande alta nas solicitações de vagas após o resultado do primeiro turno.

"O problema é que não são mais apenas as pessoas com muita riqueza. Agora vai todo o conhecimento também, todas as pessoas com conhecimento para desenvolverem negócios. Os negócios mais valiosos e inovadores foram fundados por argentinos que hoje vivem no Uruguai."

Ou, como disse um líder empresarial argentino: "Que venham ao Uruguai todos os argentinos que quiserem. Só não deixe que eles tragam consigo seus hábitos de voto." 

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