Por quê?

Especialistas da plataforma Por Quê?, iniciativa da BEĨ Editora, traduzem o economês do nosso dia a dia, mostrando que a economia pode ser simples e divertida.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Por quê?
Descrição de chapéu Argentina América Latina

Dolarizar é remédio amargo que deve ser evitado

Há grande diferença entre o pensar dito liberal e o tal pensamento libertário de Milei

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Javier Milei, o polêmico libertário, foi democraticamente eleito presidente da Argentina. Na sua plataforma de campanha, defendeu –entre otras cositas más– fechar o Banco Central para derrotar a inflação galopante. Se vai levar a cabo essa e outras propostas apresentadas nos últimos meses, é difícil saber. O que não nos impede, obviamente, de discuti-las no plano das ideias.

Antes, um esclarecimento. Há uma grande diferença entre o modo de pensar dito liberal e o tal pensamento libertário de Milei. O pensamento liberal moderno é na verdade menos um pensamento do que um método de análise. Não há um conjunto estabelecido de verdades. Já os libertários são bem mais doutrinários, menos científicos. "Todo imposto é roubo", dizem eles. Ou "os mercados são soberanos". Essas são afirmações ideológicas, não técnicas.

Javier Milei no domingo em que foi eleito - Agustin Marcarian/Reuters

Milei está correto ao afirmar que não existe inflação galopante sem um Banco Central que aceita monetizar os gastos excessivos do governo. A questão é: como resolver esse problema? A dolarização é uma solução ultraeficiente para debelar a inflação pelo simples motivo de que, de um momento para o outro, o Banco Central deixa de vir em socorro de um governo excessivamente gastador. É como amputar um membro doente. O problema imediato desaparece.

Nos episódios de hiperinflação na Europa dos pós-guerras e na América Latina dos anos 1980, essa foi a arma empregada para conter o crescimento desenfreado de todos os preços. E funcionou. Mas é uma solução, na maioria dos casos, temporária e com efeitos colaterais bem conhecidos, que só deve ser empregada em caso de absoluta necessidade. É a situação da Argentina? Para muitos economistas não libertários, a resposta é um "infelizmente, sim". Desde que abandonou o sistema de câmbio de fixo na virada do século, a Argentina luta contra o problema da inflação, sem sucesso. Mais: antes da implementação do câmbio fixo no início dos anos 1990, a Argentina também lutou décadas por estabilidade monetária, igualmente com pouco sucesso.

Quando se dolariza, na prática o que ocorre é que a política monetária da Argentina passa a ser a política monetária dos Estados Unidos. Mas isso tem um lado péssimo, pois o presidente do Banco Central dos Estados Unidos não leva em conta o estado da economia argentina em suas decisões. Se a economia norte-americana enfraquece, o Federal Reserve acaba cortando os juros. – e, se nesse momento a economia argentina estiver aquecida, isso vai prejudicá-la, já que ela precisa justamente do remédio oposto. O mesmo vale para quando a economia norte-americana estiver aquecida e a argentina não. Nesse cenário, Banco Central dos Estados Unidos vai subir juro, quando o melhor para a economia argentina seria justo o oposto. Em resumo, o país perde um instrumento para combater os ciclos econômicos, o que aumenta a volatilidade da sua economia. Mas exatamente neste momento, uma Argentina que não aguenta mais viver sob hiperinflação poderá considerar que todo risco para debelá-la vale a pena.

Na literatura econômica esse debate é, não por acaso, apelidado de "regras versus discricionariedade". A regra engessa, o que pode ser bom se você não consegue evitar fazer mal a si mesmo. Em casa de diabético, melhor nem entrar doces. De outro lado, para os que conseguem se controlar e evitar excessos, é melhor ter a opção de comer um bombom quando a necessidade de calorias é maior. A flexibilidade (discricionariedade) diminui as oscilações de energia: comeu muito, evita o bombom e queima o que já está no sangue; se está correndo uma maratona, come uns quatro para chegar à reta final! O problema é não conseguir parar de comer alfajores, em todas as refeições, com ou sem maratona.

Dolarizar é um remédio amargo, que deve ser evitado. Mas não a qualquer custo. A ver as próximas cenas da novela argentina.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.