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Governo de Milei deve ser quarta experiência liberal em 50 anos na Argentina

Estudo compara propostas do novo presidente com programas da ditadura militar e dos governos de Menem, De La Rúa e Macri

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São Paulo

O anúncio de que Luis Caputo será o ministro da Economia no futuro governo do presidente eleito da Argentina, Javier Milei, gerou uma série de críticas por parte de apoiadores do ultraliberal, que não queriam ver no comando da pasta o ex-ministro de Mauricio Macri.

Mas as coincidências entre o que parece ser o futuro governo Milei e gestões anteriores vão além, de acordo com um estudo recente do Celag (Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica).

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, sua irmã Karina Milei e membros de sua delegação, incluindo Santiago Caputo, Gerardo Werthein, Luis Caputo e Nicolas Posse, fazem uma pausa para uma foto ao deixarem o Eisenhower Executive Office Building, no complexo da Casa Branca, após reuniões com a administração Biden. funcionários em Washington
Javier Milei vai com comitiva a Washington após eleição - Kevin Lamarque - 28.nov.23/Reuters

No texto, o economista Guillermo Oglietti aponta que a maior parte das propostas do anarcocapitalista, desde a campanha, não têm nada de novas. Ele defende que elas coincidem com outras experiências liberais que governaram a Argentina em quase 50 anos.

"Não há nada de original no modelo econômico proposto por Milei. É um ‘copia e cola’ de um passado que se mostrou muito custoso para a Argentina, por causa dos danos sociais que gerou e da dívida que deixou para as gerações e os governos seguintes", descreve o pesquisador no estudo.

Segundo ele, apesar de Milei se definir como um "filho da Escola Austríaca" ou anarcocapitalista, seu plano é 90% semelhante aos programas aplicados em três experiências recentes no país: as dos ministros José Martinez de Hoz (da ditadura militar), Domingo Cavallo (dos governos de Carlos Menem e Fernando de la Rúa) e daqueles que passaram pelo governo Mauricio Macri (Alfonso Prat-Gay, Nicolás Dujovne, Hernán Lacunza e o próprio Luis Caputo).

O economista considera que 70% dos projetos coincidem com a política econômica promovida por Cavallo, 68% são semelhantes ao que foi posto em prática por Martínez de Hoz durante a ditadura e 63% se parecem com as medidas do governo de Macri.

Para chegar a esse percentual, ele comparou as 64 propostas econômicas apresentadas pela força política do futuro mandatário, A Liberdade Avança, à Justiça Eleitoral e eliminou itens considerados "triviais" (generalidades presentes em qualquer outro programa político, como "não sufocar o investimento privado").

Também foram descartados pontos que tratavam de problemas já resolvidos, como a obrigação de comprovação de formação específica para os profissionais de saúde, por exemplo.

O pesquisador agrupou as coincidências mais claras entre os quatro períodos —como corte de gastos públicos e de impostos, redução do Estado, privatizações e incentivo à aposentadoria de funcionários públicos.

Em seu estudo, Oglietti lembra que Milei promete colocar em prática seu plano econômico em três etapas, que demandariam cerca de 35 anos para sua implementação integral —sem especificar como faria para executar um programa que levaria quase nove mandatos.

O pesquisador defende que somente três propostas do ultraliberal são totalmente originais, não tendo sido tentadas em nenhum dos três governos anteriores: eliminar o Banco Central, implantar um sistema de vouchers para a educação e acabar com as coparticipações (sistema de distribuição da arrecadação entre o governo nacional, as províncias e a Cidade Autônoma de Buenos Aires —que tem status provincial).

Após a vitória de Milei, Oglietti disse à Folha que o novo governo deve mesmo fazer de seu programa uma mistura das experiências de Menem e Macri.

"Antes, pensava que a estratégia seria recorrer ao mecanismo menemista de venda de ativos do Estado para se financiar, e isso era uma diferença em relação ao que Macri fez, que foi endividar-se. Agora, com Caputo, parece que fará as duas coisas, combinando dívida e venda de ativos, com uma participação maior do primeiro do que tínhamos antecipado", diz.

O pesquisador avalia que o novo governo deve vender a participação do Estado em empresas pertencentes à Anses (seguridade social), o campo de Vaca Morta, a Arsat (satélites geoestacionários) e os gasodutos. "Isso é de interesse para a casta que o acompanha no governo."

RESULTADOS DA ECONOMIA SERÃO VITRINE OU CALCANHAR DE NOVO GOVERNO

Economista de formação e famoso por seus comentários polêmicos em programas da TV argentina, Milei tem na questão econômica a sua principal bandeira —e também o seu principal desafio.

O primeiro deles será convencer a população de que o novo governo será mais hábil em terminar com a inflação, que passa dos 140% em 12 meses, ao contrário do governo atual, do peronista Alberto Fernández, e do candidato à Presidência derrotado no último dia 19 de novembro, o ministro da Economia, Sergio Massa.

Com a derrota da candidata macrista Patricia Bullrich no primeiro turno, o ex-presidente Macri passou a apoiá-lo contra Massa. Mas a proximidade nos discursos era anterior.

O agora presidente eleito já descreveu Carlos Menem como o "melhor presidente da história da Argentina", recebeu o apoio do ex-ministro Cavallo durante a campanha e voltou atrás das críticas que fez à gestão econômica de Macri.

Já os ex-ministros que inspiraram o novo presidente em suas propostas contribuíram em diferentes momentos políticos da Argentina: do governo antidemocrático dos militares, ao peronismo liberal de Menem, do mandato de De la Rúa que chegou ao fim prematuramente ao do antiperonista Mauricio Macri.

Homem forte da economia na última ditadura, Martínez de Hoz impulsionou medidas de desregulamentação dos mercados, a dívida externa aumentou e a indústria argentina foi afetada. Seu programa gerou uma transferência de capitais ao exterior e uma deterioração do poder aquisitivo.

"O povo nunca teve mais dinheiro do que agora", disse o ministro, que exerceu a função de 1976 a 1981. Em 1980, a inflação anual superou os 100%, os depósitos bancários caíram 25% e houve uma quebra de bancos, conforme registro da imprensa argentina.

"O peso, que a partir de 1º de janeiro de 1992 vai valer o mesmo que o dólar, é uma moeda destinada a permanecer com esse valor por muitos anos", disse o então ministro Domingo Cavallo ao explicar seu Plano de Conversibilidade. A paridade durou mais de uma década e acabou no "corralito" e no "corralón", de 2001 e 2002, com restrições a saques, morte de manifestantes e desvalorização da moeda.

"Os percentuais são assustadores quando você diz o quanto eles vão subir. Mas uma conta de 150 pesos vai subir para 350 pesos. Isso é uma diferença de 200 pesos, o mesmo que duas pizzas. Acho que essa é a discussão a se ter", disse o ministro Alfonso Prat-Gay (de Macri), ao defender um aumento de tarifas de energia e gás.

Conforme a influência da força política de Macri no novo governo foi se tornando mais clara, Milei deixou de falar em dolarização e passou a defender a educação pública em lugar dos vouchers, embora mantenha o fim do Banco Central como um ponto inegociável.

A configuração do futuro gabinete, a articulação no Congresso e o comportamento da inflação nos próximos meses devem ajudar a definir o ritmo e a viabilidade das demais propostas.

Em entrevistas recentes a programas de rádio locais, o presidente eleito tem reforçado que os próximos seis meses serão de ajustes e chegou a prever uma "estagflação" (estagnação com inflação) no início do governo, por conta das medidas de "reorganização fiscal", que tendem a impactar a atividade econômica negativamente.

"A inflação não vai parar da noite para o dia, pelo contrário, vai acelerar devido aos reajustes tarifários e à eliminação das retenções nas exportações agrícolas, com uma recessão que será provocada pela política do governo", diz Oglietti. Caso Massa tivesse sido eleito, ele avalia que algum grau de ajuste seria inevitável, embora a tendência é que as correções fossem mais suaves.


Semelhanças entre propostas de Milei e governos anteriores

Ditadura militar, com Martínez de Hoz (1976-1983) Menem e De la Rúa, com Domingo Cavallo (1991 a 1996 e 2001) Macri, com Dujovne, Prat-Gay, Caputo e Lacunza (2016-2019)
Primeira etapa:
Corte de gastos públicos SIM SIM SIM
Corte de impostos SIM SIM SIM
Corte de rendimentos brutos SIM SIM SIM
Eliminação de imposto imobiliário rural SIM SIM X
Liberdade financeira SIM SIM SIM
Flexibilização das leis trabalhistas SIM SIM SIM
Limite de mandato para líderes sindicais SIM X X
Eliminação de contribuição patronal SIM SIM SIM
Restrição de contribuição sindical SIM X X
Eliminação de indenizações X X SIM
Abertura comercial unilateral SIM SIM SIM
Segunda etapa:
Corte de gastos com aposentadorias, com reforma e capitalização X SIM SIM
Eliminação de programas sociais X X X
Incentivo à aposentadoria de funcionários públicos SIM SIM SIM
Redução do Estado SIM SIM SIM
Fim do Banco Central X X X
Abrir mão da política monetária (por meio do dólar) X SIM X
Terceira etapa:
Reforma do sistema de saúde (com privatização) SIM SIM SIM
Reforma do sistema de educação SIM SIM SIM
Ampliação do sistema de segurança (com privatização) X SIM X
Fim da coparticipação (recursos para as províncias) X X X
Sem etapa definida:
Privatização de empresas SIM SIM SIM
Eliminação de 'retenciones' (tarifas de comércio exterior) SIM SIM SIM
Unificação dos tipos de câmbio e fim do limite para compra de dólares SIM SIM SIM
Fim das limitações de compra de terras por estrangeiros X SIM SIM
Vouchers para educação X X X
Lei de aluguéis mais flexível SIM X X

Fonte: Celag, a partir de dados da Justiça Eleitoral

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