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Paralisação do auxílio emergencial puxou salto da pobreza na pandemia, diz estudo

Interrupção e posterior redução do benefício pioraram crise nas regiões metropolitanas em 2021, apontam pesquisadores

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Rio de Janeiro

A paralisação do auxílio emergencial no início de 2021 e a posterior retomada do benefício de forma reduzida explicam a maior parte do salto da pobreza e do aumento da desigualdade no segundo ano da pandemia nas regiões metropolitanas do Brasil.

A conclusão é de um estudo dos pesquisadores André Salata, do laboratório PUCRS Data Social, e Marcelo Ribeiro, do Observatório das Metrópoles e do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

O trabalho, publicado recentemente na Revista Brasileira de Ciências Sociais, aponta que a taxa de pobreza nas regiões metropolitanas teve salto de 4,6 pontos percentuais na passagem de 2020, ano inicial da pandemia, para 2021. O indicador aumentou de 26,8% para 31,4% no período.

Do avanço de 4,6 pontos percentuais, a parcela de 3,4 pontos percentuais pode ser atribuída aos efeitos das variações em políticas de auxílio, especialmente o auxílio emergencial, no segundo ano da pandemia (2021), estimam os pesquisadores.

Agência da Caixa em São Paulo registra fila em dia de pagamento do auxílio emergencial - Zanone Fraissat - 16.abr.2021/Folhapress

No início de 2021, o benefício ficou paralisado por três meses durante o governo Jair Bolsonaro (PL). O pagamento do auxílio foi retomado a partir de abril daquele ano, mas com redução nos valores e na cobertura do público-alvo.

Já o índice de Gini, que mede a mede a desigualdade de renda, subiu 1,8% nas regiões metropolitanas na passagem de 2020 (0,555) para 2021 (0,565), diz o estudo. O indicador varia de 0 a 1. Quanto maior o número, mais intensa é a desigualdade entre pobres e ricos.

"O auxílio emergencial teve vários problemas de implementação e focalização, mas, ainda assim, cumpriu um papel importante", diz Salata. "A decisão de interrompê-lo foi fundamental para o aumento da pobreza e da desigualdade em 2021."

O estudo analisa microdados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A metodologia utiliza técnicas de decomposição estatística, o que possibilitaria estimar o impacto de diferentes fontes de renda para o aumento ou a queda da pobreza e da desigualdade em determinado período.

Os pesquisadores afirmam que o objetivo foi avaliar mais detalhadamente as causas das variações dos indicadores no intervalo mais agudo da pandemia.

Segundo eles, o auxílio emergencial, inicialmente de R$ 600, ajudou a reduzir a desigualdade e atenuou a alta da pobreza em 2020. Na prática, o benefício teria funcionado como uma espécie de contrapeso à piora do mercado de trabalho no começo da crise sanitária.

De acordo com o estudo, o índice de Gini recuou 1,28% na passagem de 2019 (pré-pandemia) para 2020. O indicador caiu de 0,563 para 0,555 à época. Já a taxa de pobreza passou de 26,5% em 2019 para 26,8% em 2020.

A piora do quadro em 2021, aponta Ribeiro, ocorreu em meio a um cenário de pressão inflacionária. A carestia reduziu o poder de compra das famílias, principalmente das mais pobres.

Em 2021, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) fechou o ano com alta acumulada de 10,06% –a maior desde 2015. "A condição de vida da população mais pobre foi muito sacrificada nesse período", afirma Ribeiro.

Cenário de 2022 e 2023

O estudo foca no período pré-pandemia até 2021, mas outro levantamento dos pesquisadores, divulgado no último mês de junho, já indicou que a taxa de pobreza nas regiões metropolitanas caiu para a faixa de 27% em 2022. A desigualdade também recuou na ocasião.

Além de registrar melhora do mercado de trabalho, o ano passado foi impactado pela ampliação do Auxílio Brasil (atual Bolsa Família) para R$ 600 às vésperas das eleições, nas quais Bolsonaro foi derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em 2023, um dos fatores que beneficiam os mais pobres, diz Ribeiro, é a trégua da inflação. Ao longo deste ano, os preços dos alimentos caíram sob impacto da oferta maior no campo.

"Vemos uma redução do nível inflacionário, daqueles produtos adquiridos pelos mais pobres. Tem também o Bolsa Família, apesar de os R$ 600 de hoje não valerem o mesmo que os R$ 600 de 2020", aponta o pesquisador.

A redução dos preços dos alimentos, contudo, dá sinais de esgotamento na reta final de 2023 com a pressão da demanda sazonal desse período do ano e a ameaça de eventos climáticos extremos, incluindo ondas de calor no Sudeste, fortes chuvas no Sul e seca no Norte.

Na visão de Salata, o atual Bolsa Família trouxe uma estabilidade maior para os beneficiários em 2023, e a reação do mercado de trabalho após a pandemia também beneficia as camadas mais pobres.

"São indicadores que levam a crer em uma recuperação, mas ainda gradual, lenta", pondera. "Não vejo uma recuperação acelerada para os mais pobres, mas há espaço para uma recuperação ainda."

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