Resultado fiscal não depende do desejo do presidente, é trabalho de parceria, diz Haddad

Ministro defende harmonia entre os três Poderes para a organização das contas públicas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), disse nesta segunda-feira (6) que o resultado fiscal "não depende do desejo do presidente da República" ou da equipe econômica, mas afirmou que se trata de "um trabalho de parceria".

Haddad defendeu, em evento organizado pelo banco BTG Pactual, em São Paulo, que haja harmonia entre os Poderes para que seja cumprido o objetivo de zerar o déficit fiscal no próximo ano.

"Eu não falo isso para provocar ninguém. Eu falo isso porque resultado fiscal não é da cabeça do ministro da Fazenda nem do desejo do presidente da República. Resultado fiscal é um trabalho de parceria. O Judiciário tem que entender a repercussão de suas decisões, o Legislativo tem que entender a repercussão de suas decisões e o Executivo tem que entender a repercussão de suas decisões", afirmou.

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante coletiva sobre indicação de Paulo Picchetti e Rodrigo Teixeira para diretorias do Banco Central.
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante coletiva sobre indicação de Paulo Picchetti e Rodrigo Teixeira para diretorias do Banco Central. - Gabriela Biló /Folhapress

A fala acontece em meio a negociações do governo com o Congresso Nacional e o STF (Supremo Tribunal Federal) para aprovar medidas de aumento da arrecadação, com o objetivo de tornar viável a meta de zerar o déficit fiscal no próximo ano.

Uma delas é a MP (Medida Provisória) 1.185, que tramita no Congresso e trata dos créditos fiscais de subvenção para investimento, concedidos no âmbito estadual, e que afetam a arrecadação de tributos federais.

"Nada contra um incentivo regional, desde que seja transparente", afirmou o ministro, que falou em uma erosão fiscal.

Haddad também citou outro problema, considerado por ele como um "meteoro" na base da arrecadação federal, herdada de uma decisão do STF sobre a compensação da arrecadação de PIS/Cofins sobre o ICMS, que causou uma dívida para o governo.

Somando esses dois problemas, o ministro afirmou que, "estamos falando de um estoque acumulado que beira R$ 1 trilhão [de dívida]".

Segundo Haddad, essas questões têm relação com a meta fiscal, por se tratar de fluxo de receita. "Quando em julho acendeu-se o sinal amarelo na Fazenda de que a receita não ia performar como nós pretendíamos para este ano, porque o PIB [Produto Interno Bruto] vai crescer 3% e a receita não vai crescer talvez nem 1%, eu falei: está acontecendo alguma coisa e nós precisamos identificar o problema", disse.

Sem ligar diretamente esses dados à declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a dificuldade do governo de atingir déficit zero em 2024, Haddad afirmou que foram essas as informações que foram levadas a Lula recentemente. Haddad disse que, diferentemente dos precatórios, essas dívidas acumuladas e herdadas pelo governo atual são "esqueletos" sem transparência.

A declaração de Lula no fim do mês passado, de que o déficit de 2024 não precisa ser zero, causou turbulência no mercado brasileiro. Mesmo duvidando da capacidade do governo de entregar a meta fiscal prevista, os investidores viam com bons olhos o compromisso da equipe econômica em resistir para organizar as contas públicas.

Como a Folha mostrou, ciente de que está perdendo o debate, Haddad agora defende com Lula o prazo de março como limite para avaliar a situação fiscal e, só então, tomar uma decisão sobre a mudança da meta do próximo ano.

No evento desta segunda-feira, Haddad disse que o problema atual nas contas públicas não é de "déficit primário clássico", mas é fruto de um acúmulo no estoque de dívida causado por distorções tributárias.

"Estamos fazendo o certo do ponto de vista fiscal", afirmou o ministro, argumentando que a queda da inflação neste ano não é fruto de medidas tomadas para reduzir preços artificialmente, como o corte de impostos sobre os combustíveis no passado, mas que é consequência de um trabalho técnico.

Segundo Haddad, as distorções tributárias dos últimos anos, e que corroeram a arrecadação federal, não teriam ocorrido se a Reforma Tributária tivesse sido aprovada antes. O ministro defendeu a medida para trazer previsibilidade, evitando regras no meio do caminho que aumentem ou diminuam a arrecadação sem transparência.

De acordo com o petista, a reforma terá impacto positivo nos juros, no câmbio, na inflação e na produtividade.

Haddad citou um ranking do Banco Mundial que analisa 190 sistemas tributários no mundo, e no qual o Brasil ocupa a 184ª posição. "Só tem seis sistemas piores do que o nosso".

Segundo o ministro, mesmo com a extensa lista de exceções da Reforma Tributária que agora tramita no Senado, com as mudanças propostas o país passará por uma melhora substancial.

"Nosso sistema é ingovernável, é caótico. Então, se você olhar a Reforma Tributária pela lente do ideal, ela é nota 7,0, nota 7,5. Mas nós estamos saindo de 2,0, de 1,0", afirmou. "Nós estamos saindo de um patamar, à luz da situação atual, muito elevada", completou.

Haddad voltou a dizer ainda que é preciso "recalibrar impostos sobre renda e sobre consumo" para torná-los mais justos, transparentes e progressivos.

"Brisa fresca nas terras áridas de Brasília"

Em um ambiente completamente favorável no evento, Haddad recebeu apoio do economista-chefe do BTG, Mansueto Almeida, para a perseguição de suas políticas econômicas de aumento da arrecadação. E ouviu elogios do presidente do conselho de administração do banco, André Esteves.

"O ministro tem sido uma brisa fresca nas terras áridas de Brasília", afirmou Esteves. Segundo o executivo do BTG, Haddad tem sido bem-sucedido na interlocução com o Congresso e outros atores políticos e "é um poço de bom senso", que "vende credibilidade do Brasil por aí".

O tom de Masueto e Esteves no apoio às políticas econômicas do Haddad destoa de declarações públicas recentes do economista-chefe do BTG, e indicam uma mudança de estratégia do banco, de apoiar a equipe econômica a perseguir a meta de déficit zero para 2024, mesmo com as dúvidas sobre a viabilidade para seu cumprimento.

Em agosto, durante evento com investidores em São Paulo, Mansueto alertou o mercado de que o governo poderia ser forçado a bloquear aproximadamente R$ 60 bilhões no Orçamento do próximo ano caso não conseguisse aprovar as receitas extras previstas na proposta para 2024.

"Quando você vai desenhar o Orçamento, você pode colocar na receita coisas que você pretende fazer. Quando começa o ano, se não conseguir aprovar, vai ter que tirar da receita. O risco é a gente chegar em março sem o governo ter conseguido aprovar o que ele quer de receita nova, e aí ele vai ter que retirar do Orçamento", disse Mansueto na época.

Segundo o economista, para conseguir aumentar a arrecadação e cumprir suas promessas, o governo tem tentado mexer no regime tributário especial de empresas, algo que ele afirmou à época achar difícil de ser modificado.

Além das empresas, Mansueto Almeida indicou que pode haver uma reação negativa da população brasileira, já que o governo aumentou alguns gastos permanentes, deixando para resolver a questão da receita depois, o que necessariamente retira espaço para uma redução da carga tributária nos próximos cinco anos.

Nesta segunda-feira, contudo, o economista-chefe do BTG Pactual foi enfático ao defender que não haverá acréscimo da carga tributária com as medidas para aumento de receita do governo federal. Segundo Mansueto, trata-se apenas da solução de problemas herdados pelo atual governo, e que precisam ser corrigidos.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.