Que imposto é esse

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Que imposto é esse - Eduardo Cucolo
Eduardo Cucolo
Descrição de chapéu
Bruno Rodrigues Teixeira

A modulação e a eficácia da coisa julgada

Fazenda Nacional tem buscado reverter sentenças transitadas em julgado a favor de contribuintes para restituir ou compensar pagamentos indevidos de PIS/Cofins sobre ICMS

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Bruno Rodrigues Teixeira

advogado tributarista e sócio de TozziniFreire Advogados

Ao menos desde o ano passado, a Fazenda Nacional tem buscado o Poder Judiciário para reverter algumas sentenças transitadas em julgado a favor de contribuintes, por meio das quais restou garantido o direito de repetir (restituir ou compensar) pagamentos indevidos de PIS e de Cofins sobre a parcela do ICMS destacada nas notas fiscais de venda de mercadorias ou produtos (tese do século). A Fazenda lançou mão de ações rescisórias contra sentenças proferidas em ações ajuizadas pelos contribuintes que versaram sobre essa matéria, protocoladas após 15/03/2017.

O STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu o julgamento da tese do século em 15/03/2017. Na época, alguns contribuintes que não estavam discutindo o tema no Poder Judiciário ingressaram com ações, a fim de ter reconhecido o direito de recuperação de valores pagos indevidamente. Após o julgamento do caso paradigmático, a Fazenda Nacional opôs embargos de declaração requerendo a modulação dos efeitos do julgado, além de ter formulado outros pedidos.

Homem com óculos, barba e bigode
Bruno Rodrigues Teixeira, advogado tributarista e sócio de TozziniFreire Advogados - Divulgação

Os embargos de declaração foram julgados somente em 13/05/2021, isto é, mais de três anos após a análise de mérito da matéria. Estabeleceu-se como marco temporal de eficácia dos efeitos do julgado a data de 15/03/2017. Isso significa que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade do STF valem a partir daquela data, ressalvadas as ações ajuizadas anteriormente. Quem ajuizou ação antes de 15/03/2017, poderia recuperar pagamentos indevidos pretéritos; aqueles que ajuizaram depois daquela data só poderiam recuperar os valores pagos posteriormente.

No curso dos três anos de espera para julgamento dos embargos de declaração pelo STF, diversos casos particulares foram julgados favoravelmente aos contribuintes, mesmo aqueles ajuizados após 15/03/2017. Sentenças transitaram em julgado e contribuintes habilitaram o respectivo crédito e passaram a compensá-lo com débitos administrados pela Receita Federal.

Com o escopo de reduzir o prejuízo da União, a Procuradoria da Fazenda Nacional ajuizou ações rescisórias em casos como esses, ou seja, contra sentenças transitadas em julgado decorrentes de ações judiciais relacionadas à tese do século e propostas em data posterior a 15/03/2017. Sustenta a Procuradoria que essas decisões judiciais não haviam reconhecido a baliza temporal determinada pelo STF, aplicável a tais casos considerando a data do ajuizamento da ação originária. As demandas estão fundamentadas no artigo 535, §§5º e 8º do Código de Processo Civil (CPC), pois essas sentenças contrariariam a tese firmada pelo STF, que admitiria a exclusão do ICMS somente após 15/03/2017.

Um primeiro aspecto que deve ser levado em consideração é a previsão contida no artigo 535, §§5º e 8º do CPC, utilizado pela Fazenda para justificar o ajuizamento das ações rescisórias. Versam os dispositivos legais que se considera inexigível a obrigação reconhecida em título judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo STF.

Ocorre que as sentenças que reconheceram a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins estão alinhadas com a tese firmada Supremo, isto é, não há incompatibilidade. Por outro lado, não é possível afirmar que a modulação dos efeitos do julgado compõe a tese estabelecida pela Corte, senão apenas estabelece um marco temporal de sua aplicação.

Deste modo, a ação rescisória fundada naqueles dispositivos é descabida, pois limitada às situações em que a sentença rescindenda (que a Fazenda pretende afastar) esteja em discordância com a tese firmada pela Suprema Corte. Isto não quer dizer que a Fazenda Nacional não possa ajuizar ação rescisória nesses casos, mas ela deverá ter por fundamento os artigos 966 e seguintes do CPC, devendo ser protocolada em até dois anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo originário. Passado este prazo, estará extinto o direito ao ajuizamento da rescisória.

Outro aspecto relevante nesta discussão é o efeito da sentença da ação rescisória. A Fazenda pleiteia, em suas rescisórias, que seja proferida uma sentença declaratória do direito de exigir o ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins em períodos anteriores a 15/03/2017, o que significa esvaziamento do direito de repetição de indébito dos contribuintes, inclusive daqueles que apresentaram declarações de compensação enquanto permaneceu válida a coisa julgada.

Ocorre que a norma processual estabelece que a procedência da ação rescisória resulta em rescisão (extinção, cancelamento) da decisão, devendo ser proferida uma nova decisão em substituição à anterior. Então a sentença transitada em julgado não será declarada nula com o julgamento de procedência da ação rescisória, mas será substituída por outra. Este aspecto da ação rescisória é importante, haja vista que a rescisão de uma decisão anterior tem efeitos prospectivos. A decisão anterior não é declarada nula, mas rescindida (cancelada), tornando-se ineficaz a partir do julgamento da ação rescisória.

A relação jurídica da sentença rescindenda, portanto, é preservada enquanto for válida a decisão anterior, preservando-se então todos os atos jurídicos praticados na vigência da regra anterior. Sendo assim, todas as declarações de compensação apresentadas pelos contribuintes antes do ajuizamento da ação rescisória devem ser preservadas, em respeito à coisa julgada e ao direito adquirido.

Os Tribunais Regionais Federais são os principais responsáveis pelo julgamento inicial dessas ações rescisórias, sendo que até o momento se tem notícia de poucos julgados. A discussão deve alcançar em breve o Superior Tribunal de Justiça e o próprio Supremo Tribunal Federal, que deverão lidar mais uma vez com a tese do século, mas certamente aprimorando a jurisprudência processual para responder à grande pergunta em debate: se a modulação dos efeitos do julgado compreende a tese firmada em recurso repetitivo ou em repercussão geral. O tema ainda ocupará muitas manchetes de jornais.

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