Descrição de chapéu União Europeia

Economia grega melhora, vida dos gregos nem tanto

País recupera grau de investimento após 13 anos e uma crise profunda, mas bem-estar da população não é o mesmo de antes

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São Paulo

"Pegou todo mundo de surpresa", lembra a funcionária pública aposentada Billy Zotos, 66. "A crise grega veio quando a gente menos esperava e passamos por anos muito difíceis. Perdemos benefícios, vendemos nosso segundo carro e tivemos de apertar o cinto —e teve gente que perdeu tudo, ainda somos privilegiados."

Brasileira radicada na Grécia há quase 50 anos, ela conta que a crise ainda não acabou para todos.

"O padrão de vida de antes não voltou. Quem tinha uma casa em uma ilha para passar o verão teve de vendê-la, as férias de mais de um mês viraram passeios de uma semana, a ida ao restaurante ficou no passado."

São Paulo, SP, Brasil, 30-11-2023: Billy Zotos, 66, funcionária pública aposentada que vive na Grécia há quase 50 anos e testemunhou a crise e a recuperação do país. (foto )
Billy Zotos, servidora aposentada que vive na Grécia há 50 anos - Gabriel Cabral/Folhapress

A Grécia foi palco de uma tragédia econômica há pouco mais de uma década. Após a crise de 2008, descobriu-se que o governo maquiava as contas e tinha uma dívida maior do que parecia.

Sem crédito, a saída foi recorrer à União Europeia e ao FMI (Fundo Monetário Internacional), que impuseram um remédio amargo de cortes de gastos e reformas econômicas.

Após sucessivos resgates e ajustes, os sinais recentes têm sido positivos. Em outubro de 2023, depois de 13 anos, a Grécia voltou a figurar na lista de países com grau de investimento da agência de classificação de risco S&P.

Os gregos receberam a nota triplo B- —o nível mais baixo para grau de investimento. Anteriormente, o país estava classificado com o duplo B+, status ainda considerado especulativo, quando há muita probabilidade de calote. A agência justificou a mudança pela melhora consistente da economia. Em comparação, o Brasil tem a classificação BB, em grau especulativo.

A economia grega tem mesmo demonstrado uma trajetória positiva. Ela deverá crescer 2,5% em 2023, enquanto a média da União Europeia deve crescer modestos 0,7%, segundo o FMI.

Caso isso ocorra, vai ser o terceiro ano seguido, desde a pandemia da Covid, em que os resultados gregos serão melhores que os do restante do bloco. Após uma queda de 9% em 2020, o país cresceu 8,4% e 5,9% nos anos seguintes.

O turismo, um dos pilares da economia local, sofreu profundamente com as medidas de distanciamento impostas durante a pandemia, mas floresceu com a reabertura.

De janeiro até agosto, 22,65 milhões de pessoas visitaram o país mediterrâneo, um aumento de 18,4% ante o ano passado, segundo o Banco da Grécia.

O desemprego, previsto para fechar 2023 em 10,8%, é o mais baixo desde 2010, mas ainda está bem acima das perspectivas para a zona do euro (6,6%). Em 2009, a desocupação na Grécia empatava com a da média de países que usam a moeda.

A crise deixou marcas. Embora imperfeito, um indicador que ajuda a medir o padrão de vida da população é o PIB per capita (por pessoa). Quando medido em PPC (paridade do poder de compra), ele permite comparações mais justas entre diferentes países.

No caso da Grécia, o PIB per capita a preços constantes estava em US$ 31.517, em PPC em 2022, de acordo com o Banco Mundial —cerca de 31% abaixo do padrão de bem-estar da União Europeia no mesmo ano e 16% abaixo do grego no início da crise, em 2007.

"Na minha família, a perda anual chega a quase 15 mil euros (R$ 79,9 mil), o corte nos rendimentos foi de cerca de 43%, ainda perdemos o 13º salário e o meio salário que eles pagavam na Páscoa", conta a dona de casa Katia Orlik, 65, brasileira que mora há mais de 40 anos em Atenas.

"Não há mais risco de sairmos do euro ou da União Europeia, mas as coisas aumentaram demais, enquanto o salário ficou estagnado. O aluguel de um apartamento em Creta, por exemplo, custa o dobro de antes da crise. Antes, muitos proprietários deixavam morar no imóvel sem cobrar aluguel, o inquilino só pagava os impostos e o condomínio. Hoje, alugar está caríssimo."

A Grécia, ao lado do restante da Europa, viu os preços subirem rapidamente após o início da Guerra da Ucrânia, em fevereiro de 2022. A inflação anual, que se mantinha abaixo de 1,4% desde 2012 e que chegou a ser negativa nos anos mais duros da crise, superou os 9% em 2022 e deve ser de 4,1% neste ano (abaixo da UE, com 6,5%).

O FMI prevê que a taxa média de inflação na Grécia diminuirá continuamente nos próximos anos. Caso isso ocorra, em 2028, a taxa média de inflação terá diminuído pelo sexto ano seguido, para 1,89%.

Para amortecer a alta de preços, o governo concede benefícios, como vale supermercado por seis meses, e ajuda as famílias a reformarem a casa e a trocarem de geladeira, para modelos que gastam menos energia. Os recursos vêm de fundos específicos da União Europeia.

"As reformas promulgadas durante os anos de crise têm dado frutos e o processo de reforma prossegue. À medida que a economia se recupera, o desemprego diminui rapidamente, embora ainda seja elevado, e o rendimento disponível se recupera gradualmente. Ainda estamos abaixo do nível anterior à crise, mas estamos no caminho certo", afirma o vice-ministro do Trabalho do país, Panos Tsakloglou.

O economista avalia que há, sem dúvida, um elemento de mudança geracional na crise.

"As gerações mais velhas, que tinham um elevado padrão de vida, sofreram uma queda substancial, enquanto os mais jovens enfrentaram taxas de desemprego horrendas, muitos emigraram em uma fuga de cérebros que o país nunca havia experimentado antes."

Tsakloglou, que também é professor da Universidade de Economia e Negócios de Atenas, argumenta que a crise grega foi a mais profunda e longa já registrada em um país da OCDE (o clube dos países ricos) no pós-guerra.

"Passada a crise, as principais lições são que devemos tentar evitar desequilíbrios e fazer reformas que melhorem a nossa competitividade. Políticas populistas podem trazer benefícios a curto prazo, mas geralmente no longo prazo terminam em lágrimas", resume.

Como um dos saldos da crise, a participação da Grécia no PIB mundial foi de 0,4% para 0,24% em pouco mais de dez anos.

"Nunca vou me esquecer da última década", diz o ex-agente de turismo grego Alexis Kastopoulos, 39. "Depois da Olimpíada de 2004, parecia que estávamos no centro do mundo e as coisas só iriam melhorar, mas de repente tudo acabou."

Sua família precisou vender uma pequena pousada em uma ilha no Mar Jônico durante os anos de recessão e ele se mudou para Atenas, em busca de trabalho.

Hoje, é consultor em uma construtora e comemora o aumento de contratos. "Muitas empresas estão investindo agora e há grandes projetos na Grécia. Daqui a alguns anos, vai estar tudo diferente."

O governo do primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis (conservador) também comemora a confirmação de dois desses projetos: a Microsoft está construindo um centro tecnológico de 1 bilhão de euros (R$ 5,3 bilhões) no leste da capital, que contará com três edifícios e deverá treinar 40 mil trabalhadores dos setores público e privado; já a Pfizer irá investir 650 milhões de euros (R$ 3,5 bilhões) em um centro de inovações em Salônica, com previsão de gerar mais de 700 empregos.

Para Lois Labrianidis, professor da Universidade da Macedônia, em Salônica, no entanto, a crise não passou e ela ainda se reflete no endividamento do governo e do setor privado, aumento das desigualdades sociais e regionais, salários baixos e custo de vida elevado.

Ele também considera exagerada a importância que o governo dá à retomada do grau de investimento.

"O governo segue uma política de baixa proteção trabalhista, menores impostos para empresas e proteção limitada do meio ambiente e do patrimônio cultural. Na verdade, precisamos de uma estratégia de desenvolvimento que conte com recursos humanos especializados e vise o aumento gradual da produção de bens e serviços de alto valor agregado, com aumento também das exportações."


A odisseia da crise grega

2001
Grécia adere à zona do euro tardiamente, deturpando contas e ocultando parte da sua dívida. O país também começa a gastar mais do que pode para sediar os Jogos Olímpicos de 2004

2007 e 2008
Mundo entra em crise com o estouro da bolha imobiliária nos EUA após o colapso das hipotecas. Governos resgatam bancos, custos de empréstimos sobem e Grécia não consegue pagar dívida

2009 e 2010
Governo socialista ganha as eleições e revela que déficit era o dobro das estimativas originais. Tentando evitar um calote, FMI e UE resgatam a Grécia pela primeira vez e exigem austeridade

2013
O Parlamento grego aprova medidas de austeridade impopulares. Promessas incluem demissões de cerca de 25 mil servidores, cortes salariais, reforma tributária e outros ajustes

2015
Esquerdistas do Syriza obtêm vitória retumbante. O primeiro-ministro, Alexis Tsipras, promete pressionar por uma renegociação do resgate, ameaçando um calote e a potencial saída do euro. Apesar de um referendo no qual os gregos rejeitaram os termos da austeridade, governo se curva aos credores. Saída da zona do euro é evitada por pouco e abre-se caminho para um terceiro resgate

2018
Grécia recebe o último empréstimo dos europeus. Para financiar a dívida, compromete-se a manter um excedente orçamentário, aceita manter a supervisão da UE e impõe mais medidas de austeridade

2022 e 2023
Após ter o setor de turismo afetado pela crise da Covid-19 e reabrir depois da pandemia, Grécia vê organismos projetarem crescimento acima da média da UE e recupera grau de investimento

Fonte: CFR (Council on Foreign Relations), com adaptações

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