Descrição de chapéu The New York Times

Lei anti-LGBTQIA+ em Uganda está prejudicando economia do país

Aprovada em maio, legislação atrapalha empresas que dependem de turistas e comércio estrangeiros

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David Segal
The New York Times

Sentado em um sofá em seu pequeno escritório, Simon Azarwagye, dono de uma empresa de viagens chamada Azas Safaris, aponta para números em seu laptop –auxílios visuais para uma história que ainda o deixa miserável ao contar.

"Vê isso?" ele diz, apontando para um gráfico marcado como "solicitações de cotação". Representa os 89 clientes em potencial com os quais ele estava se comunicando no início do ano.

Todos eles haviam perguntado sobre passeios pelas exuberantes florestas de Uganda; as expedições custavam cerca de US$ 15 mil (R$ 73 mil) por casal para 13 dias de observação de hipopótamos e gorilas.

Manifestantes carregam bandeira de Uganda enquanto participam da Parada do Orgulho de Johannesburgo - Guillem Sartorio - 28.out.23/AFP

Isso foi antes de o Parlamento do país começar a debater uma das leis anti-LGBTQIA+ mais severas do mundo. Ela incluía uma disposição de pena de morte para "homossexualidade agravada" —definida como relações entre pessoas do mesmo sexo com alguém que seja deficiente, soropositivo ou idoso, entre outras categorias— e criminalizava a defesa de homens gays e lésbicas em público.

A notícia do projeto de lei ganhou manchetes internacionais. No dia em que foi assinado, no final de maio, o presidente Joe Biden e líderes da Europa ameaçaram impor sanções que Uganda, cuja economia fica atrás das da Líbia e do Sudão, não pode arcar.

Em questão de semanas, 60 dos 89 potenciais clientes de Azarwagye, a maioria da Europa ou dos Estados Unidos, cancelaram seus planos ou pararam de responder às mensagens.

"Eles sumiram", disse ele, observando que normalmente fecha negócios com dois terços de todas as pessoas que o consultam. "Alguns que falaram comigo explicaram: 'Não é seguro vir a Uganda por causa dessa lei'".

Desde a aprovação da Lei Anti-Homossexualidade de 2023, como é oficialmente conhecida, houve prisões e centenas de violações dos direitos humanos envolvendo pessoas LGBT, de acordo com um relatório do Convening for Equality, uma coalizão de grupos de direitos humanos.

Pessoas gays e transgêneros foram despejadas por proprietários, como exigido pela lei. E o medo está impedindo que pacientes gays e transgêneros frequentem clínicas de saúde, que são obrigadas a denunciá-los à polícia.

De forma mais discreta, a lei está causando um impacto econômico sombrio.

A indústria da hospitalidade está sofrendo, dizem os hoteleiros. Os fabricantes de têxteis dizem que compradores nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e em toda a Europa cancelaram pedidos, temendo que um rótulo "Made in Uganda" em uma peça de roupa seja prejudicial aos negócios.

Empresas de construção em Uganda dizem que os financiadores ocidentais estão assustados.

"Tivemos uma reunião presencial com uma empresa de private equity americana, e um dos caras que dirige a empresa deixou claro que tinha um problema moral com a lei", disse Venugopal Rao, diretor executivo da Dott Services, da área de construção em Kampala, capital de Uganda, que recentemente buscou cerca de US$ 100 milhões (R$ 487,6 milhões) em empréstimos.

"Poderíamos conseguir dinheiro para nossos projetos na Tanzânia e na República Democrática do Congo. Mas não em Uganda".

A animosidade em relação às pessoas gays é profunda neste país sem litoral do leste africano, com 49 milhões de habitantes.

Uma pesquisa realizada em 2022 pelo Afrobarometer, uma rede de pesquisa apartidária, descobriu que os ugandenses eram altamente tolerantes em relação a pessoas de diferentes etnias e origens religiosas, mas altamente intolerantes em relação a pessoas gays.

Quase 97% disseram ser favoráveis a leis que criminalizam a homossexualidade, e 94% dos ugandenses disseram que denunciariam um membro da família ou amigo gay à polícia.

Líderes empresariais e políticos atribuem a intolerância de Uganda em relação às pessoas LGBTQ+ às correntes marcadamente conservadoras do catolicismo e do evangelicalismo que dominam o país.

"Este é um país cristão, e especialmente os cristãos africanos têm uma visão diferente sobre a homossexualidade", disse Herbert Byaruhanga, da Associação de Operadores Turísticos de Uganda.

Ele estava explicando por que sua organização não fez lobby contra a Lei Anti-Homossexualidade ou emitiu um comunicado de imprensa sobre o assunto.

Não havia tempo para analisar a lei antes de sua aprovação, disse ele, mas mesmo que tivesse semanas para estudar cada palavra, a resistência teria sido inútil porque a lei é imensamente popular.

"Não poderíamos ir contra a cultura de Uganda", disse ele.

O presidente de longa data do país, Yoweri Museveni, é a incógnita em toda essa questão. Ele governa Uganda com um punho autocrático há quase quatro décadas e, em depoimento enviado ao Tribunal Penal Internacional, foi acusado de torturar e matar dissidentes nas eleições de 2021.

Ele afirmou publicamente que pessoas gays minam a paz e a estabilidade e as chamou de "repugnantes" em uma entrevista à CNN.

Mas vários confidentes, incluindo Andrew Mwenda, jornalista que também é porta-voz do filho do presidente, dizem que o presidente é principalmente um pragmático que se preocupa com o estado da economia e detesta a ideia de que Uganda seja vista como um pária.

Mwenda e outros entraram com petições contra a Lei Anti-Homossexualidade, esperando que os tribunais a considerem inconstitucional ou a descartem por uma questão técnica. Isso já aconteceu antes.

Em 2014, um projeto de lei apelidado de "Mate os Gays" foi anulado pelos tribunais sob o argumento de que foi aprovado sem o quórum necessário. Um porta-voz do presidente não respondeu às mensagens.

O Tribunal Constitucional de Uganda realizou uma audiência sobre a Lei Anti-Homossexualidade na segunda-feira (18), e alguns observadores acreditam que uma decisão possa ser tomada antes do final do ano ou no início do próximo mês.

"Esta é a melhor lei que o Parlamento poderia ter aprovado", disse Mwenda. "Sabe por quê? Porque é tão ruim que nenhum tribunal poderia sustentá-la."

Rumores infundados

Mais da metade dos 54 países da África têm leis anti-homossexualidade. Os defensores as consideram uma forma de se livrar de um vestígio do domínio colonial e combater o que veem como os costumes decadentes do Ocidente. No dia da votação da Lei Anti-Homossexualidade, a presidente do Parlamento, Anita Annet Among, proclamou: "O mundo ocidental não virá governar Uganda".

Uganda recebe bilhões de dólares em ajuda anual e isenções fiscais de várias fontes, e algumas ações retaliatórias foram anunciadas após a aprovação da Lei Anti-Homossexualidade.

O Banco Mundial disse que não iniciaria novos projetos no país, afirmando em um comunicado de imprensa que queria "proteger as minorias sexuais e de gênero contra discriminação e exclusão nos projetos que financiam".

No final de outubro, o Departamento de Estado dos Estados Unidos alertou sobre os riscos de reputação de fazer negócios no país. Mais recentemente, ampliou uma lista de autoridades ugandenses que têm restrições para visitar os Estados Unidos.

Os Estados Unidos reduziram a ajuda direta e, em 1º de janeiro, Uganda está programada para ser removida da Lei de Crescimento e Oportunidade da África, que oferece acesso livre de tarifas aos mercados dos Estados Unidos para países da África subsaariana.

As repercussões da Lei Anti-Homossexualidade já estão afetando a economia de Uganda, embora a extensão da dor se torne mais clara nos próximos meses.

O país tem crescido constantemente nos últimos anos, disse Corti Paul Lakuma, pesquisador sênior do Centro de Pesquisa em Políticas Econômicas de Uganda. Houve crescimento de dois dígitos no produto interno bruto na década de 2000 e crescimento de 6% de 2010 a 2019. Ele acredita que o sucesso decorre de melhorias na infraestrutura e medidas para privatizar a indústria bancária. O país também está mais seguro.

"Nos anos 80, você precisava estar em casa até as 19h. Caso contrário, poderia ser morto", disse Lakuma. "Agora é um país que funciona 24 horas por dia".

A longo prazo, ele é otimista em relação a Uganda, em parte porque acredita que a Lei Anti-Homossexualidade será derrubada pelos tribunais. Outros acreditam que a ameaça de sanções e penalidades tornou difícil para os juízes revogarem a lei sem parecerem ter cedido à pressão estrangeira.

Independentemente disso, o país pode estar servindo como um aviso para outros países africanos que estão considerando leis anti-homossexuais. Um legislador no Quênia propôs uma lei draconiana, mas observadores políticos dizem que é improvável que o Parlamento a aprove ou que ela possa passar pelo judiciário relativamente independente do país.

E as tendências mais amplas na África estão caminhando na direção da tolerância. Seis países na África legalizaram relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo na última década.

Uganda corre o risco de se tornar uma exceção.

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