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Leonardo Monasterio

Boianovsky, o Homem do Livro

Não é exagero afirmar que o conhecimento do economista era enciclopédico

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Leonardo Monasterio

Pesquisador do Ipea-RJ e professor do mestrado em economia do IDP-Brasília

Na "Biblioteca de Babel" de Borges, circulava a lenda do Homem do Livro: alguém que teria encontrado e lido o livro-chave, capaz de desvendar todo o seu acervo infinito, ou seja, todos os livros existentes e aqueles que poderiam ser escritos.

O professor titular da UnB Mauro Boianovsky, que nos deixou precocemente no dia 21 de fevereiro, assemelhava-se ao Homem do Livro da mitologia borgeana.

Embora não tenha encontrado o livro-chave do Universo, pois seu campo de atuação era bem específico —a história do pensamento econômico—, Boianovsky aceitou e venceu o desafio de ler e compreender as obras de inúmeros economistas, iluminando as conexões entre seus trabalhos.

Não é exagero afirmar que seu conhecimento era enciclopédico, considerando que ele contribuiu com diversos verbetes para enciclopédias especializadas.

O economista Mauro Boianovsky, que morreu na quarta-feira (21)
O economista Mauro Boianovsky, que morreu na quarta-feira (21) - Isa Lima/UnB

Samuel Pessôa e André Roncaglia, colunistas deste jornal, já destacaram as múltiplas contribuições do professor Boianovsky, e evitarei repetições. Ressalto, porém, que, embora muitos pesquisadores dediquem suas carreiras ao estudo de um único autor, Boianovsky notabilizou-se pela vastidão de seus interesses e publicações.

Sua obra acadêmica, que abrange mais de 80 artigos científicos, quase contempla economistas de A a Z, de Arrow a Wicksell, este último objeto de sua dissertação de mestrado na PUC-RJ e de sua tese de doutorado em Cambridge.

Duas características definem a trajetória de Boianovsky. A primeira é seu sincero amor pela ciência econômica, algo que pode parecer improvável devido à natureza árida do campo. Mas ele provou o contrário. Exemplo disso é que aprendeu sueco, uma língua de utilidade questionável nos trópicos, apenas para ler documentos inéditos de Wicksell.

Esse amor também se refletia em sua abordagem sempre generosa às teorias econômicas. Em vez de desqualificar as contribuições ou apontar os tropeços dos economistas do passado, ele buscava entender com boa vontade suas crenças e teorias.

O segundo traço marcante era o rigor com o qual se dedicava ao seu ofício. Boianovsky seguia um caminho distinto do de alguns estudos na história do pensamento econômico, que se limitam a mostrar que um economista do passado já disse tudo, bastando reinterpretar seus escritos ad nauseam.

Suas conclusões se apoiavam em evidências robustas não quantitativas, ou seja, fontes primárias inéditas, como cartas e artigos não publicados. Esse meticuloso trabalho de arquivo fez de Boianovsky um modelo para os pesquisadores contemporâneos.

Em termos pessoais, minha interação com Boianovsky foi tão limitada quanto enriquecedora. Nossos caminhos se cruzaram em 2017, enquanto investigávamos o acervo de Douglass North na Universidade de Duke. Eu me aproximei com cautela. Sua reputação entre meus amigos ex-alunos da UnB era de excelente professor e extremamente exigente. Além disso, como conversar com alguém que sabe tudo?

Antes de encontrá-lo, eu temia que as minhas lacunas de formação transparecessem ou, ainda pior, que eu fosse enfadonho em nossos diálogos. Meus medos se provaram infundados.

Nossa colaboração, que começou com uma troca de notas sobre os diários de viagem de North ao Brasil nos anos 1960, resultou em um paper do qual me orgulho.

Retomando Borges: o escritor argentino imaginava o paraíso como uma biblioteca. Embora nunca tenha discutido isso com Boianovsky, estou convencido de que, para ele, o paraíso seria uma biblioteca repleta de obras começando com o mágico número 330, a classificação dos livros de economia no sistema Dewey. A ciência econômica lamenta a perda de Boianovsky. "Zikhrono livrakha" (que sua memória seja uma bênção).

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