Lei de Biden atrai empresas verdes da Europa e cria clima de 'guerra fiscal'

Subsídios dos EUA reacendem discussão sobre incentivos estatais no momento em que países correm para garantir energia do futuro

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Jeanna Smialek Ana Swanson
Mo i Rana (Noruega) | The New York Times

Em Mo i Rana, uma pequena cidade industrial norueguesa à beira do Círculo Polar Ártico, uma fábrica cinza e cavernosa se mantém vazia e incompleta no anoitecer nevado —um monumento à esperança econômica não realizada.

A empresa de baterias elétricas Freyr estava construindo essa instalação imponente quando o amplo projeto de lei climática do governo Joe Biden foi aprovado em 2022.

Talvez a legislação climática mais significativa da história, a Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês) prometeu cerca de US$ 369 bilhões em isenções fiscais e subsídios para tecnologia de energia limpa ao longo da próxima década.

Centro da cidade Mo i Rana, na Noruega - Thomas Ekstrom - 23.jan.2024/The New York Times

Seus incentivos para a produção de baterias nos Estados Unidos eram tão generosos que acabaram ajudando a Freyr a interromper sua instalação na Noruega e focar em abrir uma fábrica no estado da Geórgia.

A startup ainda está levantando fundos para construir a fábrica enquanto tenta provar a viabilidade de sua tecnologia, mas já mudou seu registro comercial para os Estados Unidos.

Sua mudança de direção representa uma disputa global maior, à medida que os países competem pelas empresas e tecnologias que moldarão o futuro da energia.

O mundo se afastou de décadas de ênfase na competição privada e mergulhou em uma nova era de política industrial competitiva —uma em que as nações estão oferecendo uma variedade de regulamentações favoráveis e subsídios públicos para tentar atrair setores como carros elétricos, energia solar, hidrogênio verde e armazenamento.

Mo i Rana oferece um exemplo marcante da competição em curso. A cidade industrial está tentando se estabelecer como a capital da energia verde da Noruega, e por isso a decisão da Freyr de investir em outro lugar não caiu bem.

As autoridades locais inicialmente esperavam que a fábrica pudesse atrair milhares de funcionários e novos residentes para sua cidade de cerca de 20 mil habitantes —uma promessa tentadora para uma região que luta contra o envelhecimento da população.

Em vez disso, a Freyr emprega apenas cerca de 110 pessoas localmente em sua planta de testes para desenvolvimento tecnológico.

"A Lei de Redução da Inflação mudou tudo", disse Ingvild Skogvold, diretora administrativa da Ranaregionen Naeringsforening, câmara de comércio em Mo i Rana. Ela culpou a resposta do governo nacional.

"Quando o mundo muda, você precisa se adaptar", disse ela, "e não fomos eficientes o suficiente em nossa resposta à Lei de Redução da Inflação".

Fábrica da startup de baterias Freyr na região de Mo i Rana, na Noruega - Thomas Ekstrom - 23.jan.2023/The New York Times

Uma corrida pela energia limpa

As implicações vão além de Mo i Rana. Há uma sensação crescente de que tanto a União Europeia quanto a Noruega, que não é um membro oficial, mas segue muitas das políticas da UE, podem ficar para trás na corrida pela energia limpa.

As baterias que são essenciais para as redes de energia verde e carros elétricos oferecem um caso importante. A China possui 80% da capacidade mundial de produção de baterias. Isso deixou os países com "um crescente senso de vulnerabilidade em relação à concentração de suprimentos", disse Antoine Vagneur-Jones, diretor de comércio e cadeias de suprimentos da Bloomberg New Energy Finance.

O momento é crucial. Países e empresas que desenvolverem capacidade primeiro podem adquirir minerais críticos e talentos, avançando tanto que é difícil alcançá-los.

As empresas estavam constantemente adicionando capacidade de bateria aos seus planejamentos na Europa antes do anúncio da Lei de Redução da Inflação em agosto de 2022, mostra o rastreamento de anúncios de empresas da Benchmark Mineral Intelligence. Mas depois que a lei foi anunciada, a capacidade europeia estagnou e a capacidade esperada dos EUA aumentou e a ultrapassou.

"Isso está acontecendo muito rápido", disse Fredrik Persson, presidente da BusinessEurope, o maior grupo empresarial do continente.

Ele disse que as empresas estavam sendo impulsionadas por uma variedade de fatores, incluindo preços mais altos de energia e mais burocracia na Europa, e maior certeza nos Estados Unidos sobre o futuro do mercado de energia limpa.

Para países como a Noruega, ficar para trás pode significar permanecer economicamente dependentes de um setor de petróleo e gás que parece estar caminhando para o declínio à medida que o mundo se volta para a energia limpa.

"Vemos no horizonte que o petróleo e o gás vão diminuir", disse Ole Kolstad, diretor administrativo da Rana Utvikling, escritório de desenvolvimento de negócios em Mo i Rana. "Temos que fazer parte dessa transição".

Um impulso global de subsídios

A maioria dos países capitalistas passou as últimas décadas tentando nivelar os arcabouços competitivos e derrubar, em vez de erguer, barreiras ao comércio.

Mas então o governo Trump impôs tarifas altas —incluindo algumas direcionadas a aliados na Europa e em outros lugares. E o governo Biden aumentou a aposta com sua lei climática, dando preferência a alguns produtos fabricados nos EUA e tentando estimular a produção doméstica.

A recente virada em direção a políticas mais protecionistas com o objetivo de fortalecer as indústrias nacionais apresentou um dilema particular para a União Europeia, que vê os princípios de comércio justo e aberto como fundamentais para seu projeto de integração europeia.

Autoridades europeias têm tentado há muito tempo desencorajar seus países membros de competir entre si por investimentos e provocar uma guerra de subsídios. E também são entusiastas defensores de princípios semelhantes na OMC (Organização Mundial do Comércio), que exige que seus membros tratem todos os bens estrangeiros e locais igualmente para tentar eliminar barreiras ocultas ao comércio.

Mas o ressurgimento de subsídios direcionados nos Estados Unidos e em outros lugares está testando o compromisso com essas regras.

Em resposta à Lei de Redução da Inflação, a Europa flexibilizou suas rígidas restrições à ajuda estatal no ano passado, permitindo que os governos nacionais oferecessem mais subsídios à indústria de energia limpa.

Agora, as nações estão oferecendo pacotes caso a caso —a Alemanha está dando cerca de US$ 980 milhões em ajuda estatal ao produtor de baterias Northvolt.

Não competitivo

Mas mesmo um pacote como o que a Northvolt recebeu da Alemanha teria dificuldade em competir com o crédito fiscal dos EUA, disse o CEO da Freyr, Birger Steen.

"Não seria uma competição justa, mas seria um ótimo começo", disse. A Freyr manteve sua fábrica meio construída pronta para entrar em operação para garantir que possa iniciar a produção na Noruega caso a política mude a seu favor.

Os subsídios europeus ainda totalizam apenas 20% a 40% do custo de investimento de uma empresa, em comparação com mais de 200% nos Estados Unidos, disse Jonas Erraia, sócio da Menon Economics que estuda a indústria de baterias.

"O governo norueguês basicamente disse que não estava no negócio de subsidiar indústrias", disse Erraia.

Há razões para a hesitação. Os países não querem desencadear uma guerra de subsídios ineficiente, na qual acabam sustentando empresas que não conseguem se andar com as próprias pernas.

"O mercado decide quais projetos terão sucesso, nossa ambição como governo é mobilizar o máximo de capital privado possível", disse Anne Marit Bjornflaten, secretária de Estado norueguesa para o Ministério do Comércio e Indústria, em um email.

Em Mo i Rana, os grupos empresariais continuam temendo ficar para trás.

Skogvold, diretor administrativo do grupo da câmara de comércio, conduziu uma entrevista no palco com Jan Christian Vestre, ministro do Comércio e Indústria da Noruega, em um evento focado em energia verde na cidade em 26 de janeiro. Isso ocorreu um ano e meio depois que Vestre visitou a cidade para anunciar a estratégia de baterias da Noruega durante uma celebração realizada na planta de pesquisa da Freyr.

O tom foi diferente desta vez.

Skogvold perguntou ao ministro, em norueguês, por que o governo não havia sido mais agressivo com incentivos verdes.

"Nós não vamos reintroduzir subsídios à produção", disse. Mas ele acrescentou mais tarde que o mundo teria muita demanda por fábricas de baterias e que esperava que "se pudermos tornar o negócio lucrativo na Noruega, e se o capital privado liderar o caminho, podemos ter sucesso com isso".

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