Lei do clima de Biden redireciona investimentos nos EUA

Gastos com energia limpa representaram 4% do investimento do país em estruturas, equipamentos e bens duráveis

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Jim Tankersley
The New York Times

O investimento privado em projetos de energia limpa, como painéis solares, energia de hidrogênio e veículos elétricos, aumentou depois que o presidente Joe Biden sancionou uma lei abrangente sobre o clima, no ano passado, um desdobramento que mostra de que maneira os incentivos fiscais e os subsídios federais ajudaram a redirecionar alguns gastos dos consumidores e empresas dos Estados Unidos.

Novos dados divulgados nesta quarta-feira (13) sugerem que a lei do clima e outras partes da agenda econômica de Biden ajudaram a acelerar o desenvolvimento de cadeias de suprimentos automotivas no sudoeste dos Estados Unidos, gerando sustentação adicional para os centros tradicionais de fabricação de automóveis nas regiões industrias do centro-oeste e do sudeste.

A lei de 2022, que foi aprovada com apoio apenas do Partido Democrata, ajudou o investimento em fábricas em bastiões conservadores como o Tennessee e nos estados de Michigan e Nevada, que serão alvo de forte disputa na eleição presidencial do ano que vem. A lei também ajudou a sustentar uma onda de gastos com carros elétricos e painéis solares residenciais na Califórnia, Arizona e Flórida.

Instalação de painéis solares em casa na Califórnia
Instalação de painéis solares em casa na Califórnia - Jim Wilson - 8.out.2021/The New York Times

Os dados mostram que, no ano seguinte à aprovação da lei do clima, os gastos com tecnologias de energia limpa representaram 4% do investimento total do país em estruturas, equipamentos e bens de consumo duráveis —mais do que o dobro da participação registrada quatro anos atrás.

A lei não teve sucesso em estimular um setor importante na transição para além dos combustíveis fósseis que Biden está tentando acelerar: a energia eólica. O investimento americano em produção eólica diminuiu no ano passado, apesar dos grandes incentivos da lei do clima aos produtores. E a lei não alterou a trajetória dos gastos dos consumidores com determinadas tecnologias de economia de energia, como bombas de calor de alta eficiência (como equipamentos de ar condicionado e refigeradores).

Mas o relatório, que avalia a situação até o nível estadual, fornece a primeira visão detalhada de como as políticas industriais de Biden estão afetando as decisões de investimento em energia limpa do setor privado.

Os dados são do Clean Investment Monitor, uma nova iniciativa da consultoria Rhodium Group e do Centro para a Pesquisa de Energia e Política Ambiental do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Suas constatações vão além de estimativas mais simples, da Casa Branca e de outras fontes, e oferecem a visão mais abrangente até o momento sobre os efeitos da agenda econômica de Biden sobre a emergente economia de energia limpa dos Estados Unidos.

Os pesquisadores que lideram essa primeira análise de dados incluem Trevor Houser, ex-funcionário do governo Obama, que é sócio da Rhodium; e Brian Deese, ex-diretor do Conselho Econômico Nacional de Biden, que pesquisa sobre inovação no MIT.

A Lei de Redução da Inflação, que Biden assinou em agosto de 2022, inclui uma ampla gama de incentivos para encorajar a fabricação nacional e acelerar a transição do país para longe dos combustíveis fósseis.

Isso inclui incentivos fiscais ampliados para a produção de baterias avançadas, instalação de painéis solares, compra de veículos elétricos e outras iniciativas. Muitas dessas isenções fiscais são ilimitadas, para todos os fins práticos, o que significa que podem acabar custando centenas de bilhões de dólares aos contribuintes —ou até mesmo mais de US$ 1 trilhão— se tiverem sucesso em gerar nível suficiente de novos investimentos.

Os funcionários do governo Biden tentaram quantificar os efeitos dessa lei, e da legislação bipartidária sobre infraestrutura e semicondutores assinada pelo presidente no início de seu mandato, por meio da contabilização dos anúncios empresariais de novos gastos vinculados à legislação.

Um site da Casa Branca estima que empresas tenham anunciado até agora US$ 511 bilhões em compromissos de gastos novos vinculados a essas leis, incluindo US$ 240 bilhões para veículos elétricos e tecnologia de energia limpa.

A análise da Rhodium e do MIT se baseia em dados de agências federais, organizações setoriais, anúncios de empresas e registros financeiros, reportagens e outras fontes, para tentar construir uma estimativa em tempo real de quanto investimento já foi realizado nas tecnologias de redução de emissões visadas pela agenda de Biden. Para fins de comparação, os dados remontam a 2018, quando o presidente Donald Trump ainda estava no poder.

Os números mostram que o investimento real —e não o anunciado— de empresas e consumidores em tecnologias de energia limpa atingiu US$ 213 bilhões no segundo semestre de 2022 e no primeiro semestre de 2023, depois que Biden assinou a lei do clima. Esse valor foi superior aos US$ 155 bilhões do ano anterior e aos US$ 81 bilhões do primeiro ano dos dados, sob Trump.

As tendências nos dados sugerem que o impacto da agenda de Biden sobre o investimento em energia limpa variou dependendo das condições econômicas existentes para cada tecnologia visada.

Os maiores sucessos de Biden ocorreram ao estimular o aumento do investimento industrial nos Estados Unidos e ao catalisar o investimento em tecnologias que permanecem relativamente novas no mercado.

Alimentado em parte por investimentos estrangeiros, por exemplo em fábricas de baterias na Geórgia, o investimento real na fabricação de energia limpa mais do que dobrou no ano passado, em relação ao ano anterior, mostram os dados, totalizando US$ 39 bilhões. Esse investimento foi quase inexistente em 2018.

A maior parte dos gastos se concentrou na cadeia de suprimentos de veículos elétricos, o que inclui o novo polo de atividades automotivas do sudoeste da Califórnia, Nevada e Arizona. A Lei de Redução da Inflação inclui vários incentivos fiscais para esse tipo de investimento, com requisitos de conteúdo nacional destinados a incentivar a produção de minerais essenciais e baterias, e a montagem de automóveis nos Estados Unidos.

No entanto, os grandes beneficiários em termos de investimentos em produção, como porcentagem das economias estaduais, continuam a ser os estados automotivos tradicionais: Tennessee, Kentucky, Michigan e Carolina do Sul.

A lei do clima também parece ter impulsionado o investimento no chamado hidrogênio verde, que divide átomos de água para criar um combustível industrial. O mesmo se aplica ao gerenciamento de carbono - que busca capturar e armazenar as emissões de gases causadores do efeito estufa pelas usinas de energia existentes, ou retirar o carbono da atmosfera. Todas essas tecnologias tiveram dificuldades para ganhar força nos Estados Unidos antes de a lei lhes conceder incentivos fiscais.

O hidrogênio e grande parte dos investimentos em captura de carbono estão concentrados ao longo da costa do Golfo do México, uma região repleta de empresas de combustíveis fósseis que começaram a se dedicar a essas tecnologias. Outro polo de investimentos em captura de carbono está concentrado em estados da região centro-oeste, como Illinois e Iowa, onde as empresas que produzem etanol de milho e outros biocombustíveis estão começando a investir em esforços para capturar suas emissões.

Os incentivos para essas tecnologias na Lei de Redução da Inflação, juntamente com outras medidas de apoio contidas na lei de infraestrutura bipartidária, "mudam fundamentalmente a economia dessas duas tecnologias, e pela primeira vez as tornam amplamente competitivas em termos de custos", disse Houser em uma entrevista.

Outros incentivos ainda não alteraram a situação econômica de tecnologias essenciais, principalmente a energia eólica, que cresceu muito nos últimos anos mas agora está enfrentando retrocessos globais, pois o financiamento dos projetos está cada vez mais caro.

O investimento em energia eólica foi menor no primeiro semestre deste ano do que em qualquer outro momento desde que o banco de dados foi iniciado.

Nos Estados Unidos, os projetos eólicos estão enfrentando dificuldades para passar pelos processos governamentais de licenciamento, transmissão de energia e seleção de locais, incluindo a oposição de alguns legisladores estaduais e municipais.

Os projetos solares e os investimentos relacionados em armazenagem para energia solar, observou Houser, podem ser construídos mais perto dos consumidores de energia e têm menos obstáculos a superar, e o investimento neles cresceu 50% no segundo trimestre de 2023, com relação ao ano anterior.

Alguns mercados consumidores ainda não se deixaram influenciar pela promessa de incentivos fiscais para novas tecnologias de energia. Os americanos não aumentaram seus gastos com bombas de calor, embora a lei cubra gastos de até US$ 2 mil para a compra de uma nova bomba. E, no ano passado, os estados com os maiores gastos em bombas de calor, em proporção às dimensões de suas economias, estavam todos concentrados no sudeste —onde, segundo Houser, é mais provável que os consumidores já disponham de bombas desse tipo, e precisem substitui-las.

Tradução de Paulo Migliacci

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