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Energia Limpa

Usinas oceânicas e hidrogênio verde offshore: oportunidades para o Brasil

Conversão de energia térmica nos oceanos pode transformar o país na capital mundial das energias limpas

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Flaminio Levy Neto

Professor do ITA (1978 a 1995) e da UnB (1996 a 2018)

Carlos Nobre

Climatologista, é pesquisador sênior pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia; foi eleito em maio de 2022 como membro estrangeiro da Royal Society

O Brasil, por ter muitas bacias hidrográficas, biocombustíveis, abundante radiação solar e disponibilidade de ventos, possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo.

Entretanto, ainda somos dependentes de usinas termelétricas fósseis, em particular na região Nordeste (NE). Assim, e por possuir capitais populosas no litoral, o NE deveria se atentar à possibilidade de também gerar energia limpa em usinas oceânicas.

Não só o NE, mas todos os países e Sids (do Inglês, Small Island Developing States) banhados por mares equatoriais.

Inúmeras Sids ao redor do mundo ainda não têm acesso a fontes de energia elétrica despacháveis (i.e. disponíveis para fornecimento sempre que há demanda), dependem da aquisição de combustíveis fósseis, e pagam muito caro por isso, financeira e ambientalmente. Caso de Fernando de Noronha no Brasil.

Morro Mirante Dois Irmãos, em Fernando de Noronha - Bruno Lima/MTUR

Disponibilidade de água potável é outra preocupação nessas ilhas. Uma forma de atender a tais demandas é a implantação de usinas oceânicas tipo Conversão de Energia Térmica Oceânica (em inglês, Ocean Thermal Energy Conversion, Otec).

Usinas eólicas e fotovoltaicas (FV) vem sendo implantadas em muitos países. Mas, por serem intermitentes, podem apenas complementar as energias fósseis (despacháveis e sempre disponíveis), jamais substituí-las em 100% do tempo.

Na privilegiada região NE do Brasil, as eólicas só geram em torno de 43% das horas do ano, e as FV em cerca de 22% das horas. Já as Otecs são despacháveis e podem transformar ilhas e cidades litorâneas tropicais em regiões 100% autossuficientes em eletricidade limpa.

As Otecs são viáveis em centenas de locais do planeta, situados na faixa litorânea de 20° S a 20° N em relação à linha do Equador, nas quais a diferença de temperatura entre as águas aquecidas da superfície e as mais frias, a cerca de 1.000 metros de profundidade, é maior ou igual a 22 °C em todo o ano (24x7).

E, operando em conjunto, podem gerar até 8.000 GW de energia elétrica, valor superior ao da produção mundial de eletricidade. No Brasil, as Otecs podem ser instaladas desde o Espírito Santo até o Amapá. Seu princípio de funcionamento está esquematizado na figura abaixo.

A amônia líquida é bombeada para o evaporador, aquecido com a água morna do mar, e entra em ebulição produzindo vapor. O vapor aciona o turbo gerador que produz eletricidade. O vapor que sai da turbina passa por um condensador, abastecido com a água fria, retorna à fase líquida e completa o ciclo contínuo da usina Otec.

A água fria vinda de 1.000 metros de profundidade é pura, rica em nutrientes e beneficia a pesca na região. E, com a água fria que é liberada a cerca de 9 °C pode-se, opcionalmente, abastecer sistemas de ar-condicionado.

A uma Otec também é possível incorporar-se um dispositivo com câmara de vácuo para transformar a água morna que sai a 22 °C em água dessalinizada, a qual pode ser transformada em água potável.

Adicionalmente, como há disponíveis água dessalinizada e eletricidade, é possível utilizá-las também para produzir hidrogênio verde offshore.

Na Europa, por segurança, a maioria das plantas para produzir hidrogênio verde via energia eólica será offshore. No Brasil, no litoral das regiões NE e Norte, é possível produzir hidrogênio renovável em Otecs offshore. E, por vir produzindo petróleo em águas profundas há décadas, todo o know how e pessoal capacitado nessa atividade pode ser aproveitado para o desenvolvimento de usinas Otec offshore em nosso país.

A participação das fontes fósseis no consumo mundial de energia, que na década de 1970 chegou a 80%, ainda é superior a 75%. Além de liberarem cerca de 75% de todos os Gases de Efeito Estufa (GEE), principal responsável pelo aquecimento global, os combustíveis fósseis produzem chuva ácida e lançam substâncias tóxicas na atmosfera, aumentando a poluição nas cidades.

E, por serem despacháveis, só poderão ser 100% substituídos por uma outra fonte despachável. As Otecs têm este potencial e não geram GEE. E podem transformar o Brasil na capital mundial das energias limpas e do hidrogênio verde. Dentro de alguns anos.

Um local muito favorável para iniciar a implantação de Otecs na Amazônia Azul é o arquipélago de Fernando de Noronha.

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