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Governo avalia incluir baterias em leilão de energia para dar segurança ao sistema elétrico

ISA CTEEP e representantes do setor argumentam que alternativa adicionaria flexibilidade ao modelo

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São Paulo e Brasília

Após receber sugestões do setor privado, o governo federal avalia incluir baterias de armazenamento de eletricidade no leilão de reserva de capacidade programado para o final de agosto. Se essa intenção for confirmada, será a primeira vez que esse tipo de sistema fará parte de um certame conduzido pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

A ISA CTEEP, uma das maiores empresas de transmissão de energia elétrica do país, é uma das que defendem o uso de baterias como alternativa de reserva de energia para dar segurança ao sistema elétrico nacional. Hoje, esse seguro no Brasil é feito majoritariamente por térmicas, especialmente as que usam gás, combustível fóssil.

O presidente da empresa, Rui Chammas, abordou o tema em entrevista à Folha.

Sistema de armazenamento de energia em baterias AES Alamitos, que fornece energia renovável durante períodos de pico de demanda em Long Beach, na Califórnia - Patrick T. Fallon/AFP

A ISA CTEEP, controlada pela empresa colombiana ISA, está em 18 estados e opera uma rede de transmissão por onde trafegam cerca de 30% da energia elétrica do Brasil e 95% do estado de São Paulo. A empresa foi precursora no uso de baterias como reserva e afirma que a alternativa é viável.

O Ministério de Minas e Energia lançou no último dia 8 uma consulta pública para debater o aumento da capacidade instalada no país de fontes flexíveis, como usinas termelétricas e hidrelétricas. A proposta da ISA CTEEP é pautar a discussão sobre o uso de sistemas de armazenamento nessa modalidade.

Paralelamente, na segunda-feira (11), representantes da ABSAE (Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia) se reuniram com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em Brasília para discutir o tema.

A entidade espera que a inclusão de armazenamento no próximo leilão estimule até R$ 9,8 bilhões em investimentos, principalmente em Minas Gerais, devido às reservas de lítio no Vale do Jequitinhonha, ainda que a produção dessas baterias não esteja no Brasil. Segundo participantes da reunião, o ministro, que é mineiro, gostou da ideia.

Membros do governo também afirmam, sob reserva, que de fato a gestão petista avalia essa possibilidade. A partir desta consulta pública, o governo federal vai decidir as regras do leilão de 30 de agosto. Tecnicamente, trata-se de um leilão de capacidade de reserva.

diretor-presidente da ISA CTEEP, Rui Chammas
Diretor-presidente da ISA CTEEP, Rui Chammas - Cauê Diniz/ Divulgação

"Se o Ministério entender que é viável, dá para incluir bateria. Na consulta pública, nós vamos nos posicionar, junto com outros atores, de que essa é uma alternativa que deve ser apreciada", diz Chammas. A consulta vai até o final de março.

Chammas reforça que energia sustentável, eólica e solar, é intermitente —ou seja, oscila a partir da oferta de ventos e de sol, o que eleva a complexidade para operar o sistema e manter oferta de energia e de estabilidade na oferta. O executivo diz que o investimento em baterias é uma alternativa para dar mais segurança operacional ao novo ambiente.

A empresa tem testado essa alternativa. Opera a primeira rede de armazenamento de energia em baterias em larga escala do sistema de transmissão brasileiro, localizada em Registro, na região do litoral sul de São Paulo.

Inaugurada no início do ano passado, a estação está conectada à rede de transmissão do país. Durante o verão, quando o consumo de energia na região é maior devido ao aumento de turistas, a empresa carrega as baterias em momentos de menor demanda e, durante os picos, insere essa energia na rede. Essas baterias têm capacidade de entregar até 60 MWh durante duas horas.

"Quando há uma demanda maior que a oferta para aquela região, você tem duas maneiras de resolver o problema. Uma é fazer uma nova linha de transmissão [para levar mais energia], o que seria possível nesse caso, mas teríamos que cruzar a Serra do Mar mais uma vez para levar a energia para o litoral sul, com o custo de uma linha que ia ser usada em poucos momentos do ano. E a outra solução é essa [adotar baterias]", diz Chammas.

Entre os consumidores, a avaliação da proposta também é considerada válida.

O sistema precisa de soluções o para equilibrar a oferta de energia no pico de consumo, lembra Paulo Pedrosa, presidente da Abrace Energia, entidade dos grandes consumidores industriais. Isso pode ser feito por novas usinas, detalha Pedrosa, e também pode ocorrer com uma gestão mais fina do sistema, que, por exemplo, desligue algumas áreas menos vitais, como os ares-condicionados de escritórios ou shoppings, como já ocorre nos Estados Unidos e na União Europeia.

Segundo ele, é necessário incluir as baterias no debate nacional.

"Precisamos avaliar todas as opções, e o importante é que ela seja justamente debatida e não imposta, como tem ocorrido com outras alternativas", afirma Pedrosa.

"A bateria deve entrar na competição e utilizada, se conseguir mostrar ao mercado que pode ser uma boa resposta, mantida a relação eficiência e preço."

A ISA CTEEP também tem atuado na defesa de o Brasil exportar energia renovável para países vizinhos. Isso porque a expansão de painéis solares e turbinas eólicas alterou a dinâmica da geração de energia no Brasil.

"Há momentos em que sobra energia no Brasil. Quando tem excesso de geração, a gente passa a ser capaz de exportar energia. E isso pode gerar uma oportunidade de negócio, porque as interligações que dentro do Brasil estão cada vez mais robustas, entre os países da América do Sul ainda não são tanto. E eu acho que seria extremamente interessante se a gente tivesse essa geração potencialmente sendo exportada, como a gente fez bastante no ano passado para os nossos vizinhos", diz Chammas.

Os especialistas do setor lembram que a integração regional na América Latina tem sido estudada há décadas e possui muitos projetos que fazem sentido econômico, caso da expansão das linhas de transmissão.

"Caso viabilizados podem, inclusive, viabilizar um aumento de demanda para o Brasil", explica Luiz Augusto Barroso, diretor-presidente da PSR, consultoria que é referência no setor.

No entanto, Barroso lembra que o desafio da integração regional está na forma de viabilizar financeiramente os projetos —isto é, qual país paga o que e como. Também é preciso deixar claro o que vai ocorrer quando houver uma seca ou outro evento climático que comprometa a geração.

"Em momentos de escassez nenhum país vai exportar a sua própria segurança de suprimento. Não são desafios intransponíveis, mas precisam ser endereçados", afirma.

Em 2023, o Brasil exportou 844 MW-medios (megawatts médios) de energia elétrica para a Argentina e o Uruguai, arrecadando R$ 886 milhões. Essa venda permitiu o escoamento de excedentes de hidrelétricas, que precisariam verter a água caso não houvesse essa porta de saída.

A energia hoje vendida para Argentina e Uruguai é transmitida por meio de linhas que ligam a cidade de Uruguaiana (RS) à argentina Paso de los Libres, e Santana Livramento (RS) à uruguaia Rivera. O Brasil também tem hoje conexão com o Paraguai e Venezuela.

A ISA CTEEP mapeia a possibilidade de o Brasil exportar energia para países andinos. Nesse caso, segundo ele, a estrutura de transmissão poderia ser mais simples, já que em alguns desses países, como Colômbia e Peru, a frequência utilizada é a mesma do Brasil (60 hertz) –Argentina e Uruguai adotam 50 hertz e, por isso, é necessário converter a frequência no processo de exportação.

Para uma interligação com países andinos, Chammas aponta o potencial da rede de transmissão formada ao redor do rio Madeira, em Rondônia, sistema constituído por meio de um consórcio liderado pela ISA CTEEP.

"O presidente da ISA, que é o controlador da ISA CTEEP, é colombiano. E quando ele esteve aqui no ano passado, ele trouxe essa agenda para o [presidente] Lula e falou que a interligação continental é algo importante. Quando eu vejo a interligação que os europeus conseguem ter [...] eu acho que o nosso continente, se tivesse uma infraestrutura mais integrada, estradas, rodovias, energia, poderia somar forças e potencializar o nosso crescimento", afirma.

"A gente seria capaz de exportar só energia verde, em vez de verter hidrelétrica ou em vez de ter, em algum momento, o não uso de eólicas e solares. Faríamos isso em horários de pico descasados, por causa do fuso horário com alguns vizinhos nossos", acrescenta. Como desafios, porém, ele cita a necessidade de alinhar o arcabouço regulatório na região para dar segurança à atração de capital.

Um estudo de 2019 da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) aponta que Guiana, Paraguai, Peru e Uruguai tratam sobre projetos de integração com o Brasil em seus planos nacionais de energia. Segundo o levantamento, há três projetos de interligação envolvendo o Brasil e países do continente: 1) Peru, Brasil e Chile; 2) Brasil, Guiana, Suriname, Guiana Francesa e Venezuela; 3) Bolívia, Brasil, Argentina, Chile. Não há previsão, porém, para que esses projetos se tornem realidade.

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