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Inflação de serviços resiste e pode atrasar queda de juros no mundo, diz presidente do BC

Campos Neto diz que núcleos de inflação ainda estão altos mundo afora

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São Paulo

Enquanto o preço de bens e produtos tem se estabilizado, o de serviços segue resiliente mundo afora, especialmente nos países desenvolvidos, o que requer uma "atenção especial", afirmou nesta segunda (4) o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

"Os Estados Unidos têm, por exemplo, uma inflação de serviços que ainda está 5%, apesar de na ponta estar um pouquinho menor. A inflação de serviços está relativamente alta, mas a inflação de bens está negativa, ou seja, há uma desinflação de bens", disse o economista.

Nos EUA o CPI, equivalente ao IPCA, acumulou uma alta de 3,4% ante a meta de 2%. O núcleo ficou em 3,9%.

"Os últimos números de inflação nos EUA foram um pouquinho para cima, tanto lá quanto na Inglaterra. A inflação parou um pouco de cair. Começamos a ver que a velocidade da desinflação diminuiu", disse Campos Neto.

A força nos preços de serviços é um dos fatores por trás da cautela do Fed (Banco Central americano) em baixar juros, o que pode afetar o ciclo de cortes na Selic.

Roberto Campos Neto
Retrato de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, feito no escritório do BC em São Paulo. - Adriano Vizoni/Folhapress

Segundo Campos Neto, além da força nos preços de serviços, o crescimento da dívida americana para além do PIB (Produto Interno Bruto) do país também é outro fator de preocupação. "Só que tem um problema, não é só a dívida mais alta. A dívida subiu muito, mas o custo da dívida também subiu muito. Isso significa que vai ter um efeito de liquidez no mercado", afirmou Campos Neto.

De acordo com o economista, os EUA saíram de um padrão histórico de dívida pública de 50% do PIB para 181% do PIB em 2053, segundo estimativas do mercado.

"Isso afeta o mundo emergente, afeta as empresas, é um efeito cumulativo. Ao longo do tempo, essa liquidez vai saindo do mercado. Não é uma coisa que as pessoas estão falando muito hoje, mas acho que é um ponto que a gente precisa observar", disse o presidente do BC.

Uma entrada menor de recursos do Brasil pode enfraquecer o real ante o dólar, e causar um aumento na inflação. Efeito semelhante ao de juros altos nos EUA, que retém mais investimentos.

Caso a inflação brasileira volte a acelerar o ciclo de redução da Selic, hoje em 11,25% ao ano, pode ser afetado.

Outro fator que impulsiona os preços é o baixo desemprego mundo afora. "O desemprego caiu rapidamente. No Brasil, está bem baixo. A parte de serviços é intensiva em mão de obra."

Dessa forma, a inflação de serviços no Brasil teve uma leve alta nos últimos meses. O indicador no acumulado de 12 meses chegou a desacelerar para o patamar de 5% ao fim de 2023, depois de 8% de 2022, mas acabou subindo para 6,2% ao fim do ano, segundo dados do BC.

"Quando a gente olha na margem, [a inflação de serviços] subiu um pouquinho", afirmou Campos Neto, durante palestra na ACSP (Associação Comercial de São Paulo).

A inflação veio caindo mais recentemente. Primeiro, a energia caiu muito e começou até a contribuir negativamente na inflação. Depois, alimentos começaram a cair. Mas, quando a gente olha os núcleos de inflação, que é a parte mais estrutural, essa queda tem sido bem mais lenta", afirmou Campos Neto.

Considerando o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) cheio, a inflação brasileira encerrou 2023 a 4,62%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a menor alta em desde 2020 (4,52%) e dentro da meta estabelecida.

"O núcleo da inflação ainda está bastante alto", disse o economista. Segundo o BC, o núcleo inflacionário brasileiro está entre 5% e 6%.

Parcelado sem juros

O presidente do Banco Central também respondeu a perguntas sobre o rotativo do cartão de crédito, que teve seu teto limitado no final de 2023, e o parcelamento sem juros no cartão de crédito, modalidade que no ano passado foi alvo, por parte dos grandes bancos, de tentativa de mudanças.

Membros da ACSP defenderam a manutenção do parcelamento sem juros como importante para estimular o consumo. Campos Neto, porém, afirmou considerar necessárias mudanças estruturais para resolver problemas com inadimplência em alguns segmentos de compras a crédito, que, segundo ele, chega a 60% em algumas linhas.

"Precisamos ter uma coisa equilibrada para a frente. Se temos um produto em que a inadimplência é 60%, o risco é um dia o produto acabar", disse Campos Neto.

O BC, no entanto, não apresentou até o momento estudos que mostrem que o parcelado sem juros é responsável pela inadimplência.

Segundo ele, a grande falta de pagamentos é fruto do aumento no número de cartões emitidos, bem como aumento de limite para clientes endividados, em uma competição acirrada de emissores.

Para Campos Neto, a solução adotada pelo governo de estipular o teto de 100% para o juros do rotativo do cartão de crédito "melhorou um pouquinho" a inadimplência, mas não seria a solução no longo prazo.

"As pessoas geralmente ficam naquele rotativo por um período curto de tempo. Como a limitação era juros sobre o principal no prazo de um ano, isso não afeta tanto os juros de curto prazo."

De acordo com Campos Neto, esse é "um dos temas mais difíceis" que ele enfrentou no comando do BC. "Ele é de difícil solução, de difícil compreensão, e de difícil análise", completou.

O mandato do economista se encerra em 31 de dezembro deste ano. "Foi o período mais feliz da minha vida", disse.

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