Petrobras quer transição energética, mas vai até a última gota de petróleo, diz Prates

Estatal pode se tornar a terceira maior produtora de petróleo do mundo enquanto país promete combater desmatamento

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Max Bearak
Rio de Janeiro | The New York Times

Através da janela de seu escritório, Jean Paul Prates, presidente da estatal de petróleo do Brasil, observava a paisagem desordenada do Rio de Janeiro. Olhando de volta para ele, através dos prédios decadentes da cidade, estava a imponente estátua do Cristo Redentor.

Sua empresa, a Petrobras, está planejando um aumento tão rápido na produção de petróleo que poderá se tornar a terceira maior produtora do mundo até 2030, uma transformação que ele acredita que poderá desempenhar um papel na redução da pobreza que aparece na paisagem.

Isso mesmo enquanto seu país se posiciona como líder na luta contra as mudanças climáticas, que são impulsionadas pela queima de petróleo e outros combustíveis fósseis.

Prates disse ao New York Times que fala com Lula a cada duas semanas e o está pressionando para entender que uma transição dos combustíveis fósseis precisa ser "sábia e lenta".

"Não lenta porque não queremos fazer a transição, mas lenta porque precisamos corresponder às expectativas do mercado para o petróleo, gás e seus derivados", disse. "A Petrobras irá até a última gota de petróleo, assim como a Arábia Saudita ou os Emirados farão o mesmo."

Jean Paul Prates, presidente da Petrobras, na sede da empresa no Rio de Janeiro
Jean Paul Prates, presidente da Petrobras, na sede da empresa no Rio de Janeiro - Victor Moriyama - 28.fev.2024/The New York Times

A Petrobras já produz aproximadamente a mesma quantidade de petróleo bruto por ano que a americana ExxonMobil, de acordo com a Rystad Energy, empresa de pesquisa de mercado.

Nos próximos anos, projeta-se que ela ultrapasse as estatais de petróleo da China, Rússia e Kuwait até 2030, deixando apenas a Arábia Saudita e o Irã na frente.

É um enorme dilema para o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que se autoproclamou o principal líder mundial em questões climáticas.

Lula mudou de ideia nos últimos anos e passou a acreditar que as mudanças climáticas são um grande impulsionador da pobreza e desigualdade, as quais ele passou sua carreira política de décadas prometendo erradicar.

Desde que foi eleito, em 2022, Lula reduziu drasticamente o desmatamento na Amazônia e supervisionou uma expansão significativa de energia renovável.

Mas ele também presidirá o boom do petróleo da Petrobras e um período de cada vez maior de importação de gás, ambos facilitando a crescente demanda do Brasil por voos baratos, alimentação mais rica e casas com ar-condicionado.

Presidente da Petrobras, Jean Paul Prates disse ser nada mais justo, embora contraditório. "Não desistiremos dessa prerrogativa", disse ele, "porque os outros também não estão fazendo seus próprios sacrifícios."

É um argumento que atormenta os esforços globais para reduzir a dependência de combustíveis fósseis. Países industrializados como os Estados Unidos, que se tornaram superpotências econômicas emitindo grandes quantidades de gases de efeito estufa, ainda são os maiores produtores e consumidores per capita de combustíveis fósseis do mundo.

E, se eles não pararem, por que o Brasil deveria?

Ana Toni, principal conselheira de Lula sobre mudanças climáticas e diretora de longa data de várias organizações sem fins lucrativos, disse que, idealmente, a Petrobras estaria reduzindo a produção de petróleo e investindo mais em energias renováveis, se transformando em um novo tipo de empresa.

Ana Toni, secretária nacional de Mudanças do Clima do Ministério do Meio Ambiente
Ana Toni, secretária nacional de Mudanças do Clima do Ministério do Meio Ambiente - Victor Moriyama - 26.fev.2024/The New York Times

Mas ela ecoou a afirmação de Prates e disse que até que o mundo inteiro se mova junto, com os mais ricos liderando o caminho, os países em desenvolvimento relutarão em fazer seus próprios sacrifícios.

Essa tensão tem dominado anos de negociações climáticas e mais uma vez estará no centro das atenções na cúpula patrocinada pela ONU que será realizada em novembro no Azerbaijão.

Lá, negociadores de quase todas os países esperam abordar a espinhosa questão de como os países mais ricos podem canalizar mais dinheiro para os mais pobres para ajudá-los a adotar fontes de energia mais limpas e se adaptar aos efeitos das mudanças climáticas.

Após o Azerbaijão, o próximo país anfitrião da cúpula climática da ONU será o Brasil. A cúpula será em Belém, uma cidade na beira da Amazônia, perto de um local onde a Petrobras havia proposto explorar petróleo.

Mas, em um dos raros momentos em que o governo brasileiro restringiu a indústria do petróleo, a ideia foi bloqueada. Prates disse que a Petrobras está recorrendo da decisão.

Enquanto isso, a Petrobras planeja gastar mais de US$ 7 bilhões nos próximos cinco anos na exploração de potenciais locais de perfuração offshore na costa do Brasil para aumentar sua produção já crescente.

Assim como outras empresas de petróleo e gás, a Petrobras projeta que a demanda por seus produtos permanecerá teimosamente alta.

Consequentemente, a empresa opera com um conjunto de pressupostos diferentes daqueles da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) e outros que afirmam que a demanda por petróleo já atingiu um pico ou está prestes a atingi-lo.

Isso deixa países como o Brasil em uma espécie de área cinzenta faz-tudo, disse Mercedes Bustamante, professora e ecologista da Universidade de Brasília e membro do Grupo Consultivo sobre a Crise Climática.

O Brasil está expandindo tanto as energias renováveis quanto os combustíveis fósseis. O país recentemente se juntou à Opep, o cartel global de petróleo, como observador, mesmo que no ano que vem vá sediar as negociações climáticas globais da ONU.

Essa dinâmica também se reflete nas florestas, disse Bustamante. O desmatamento na Amazônia foi reduzido no total, mas está aumentando no Cerrado.

"Ter esses dois lados é parte do DNA da política do Brasil", disse Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas).

"Seremos uma superpotência verde, sim, mas não vamos correr riscos desnecessários. Isso significa se preparar para um mundo em que o petróleo terá um papel importante por um longo tempo e a transição levará mais tempo do que o esperado."

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