Receita quer resolver pendências tributárias com empresas antes de multar

Relação mais próxima não significa que leão está mais frouxo, diz subsecretária que comanda área de fiscalização

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Brasília

A Receita Federal quer se antecipar às autuações e resolver pendências tributárias antes de multar as empresas, como forma de evitar litígios. O viés da nova abordagem é uma ação mais orientadora e menos punitiva, com benefícios para os bons pagadores.

O relacionamento mais próximo com o contribuinte, no entanto, não significa que o Fisco vai afrouxar a fiscalização dos sonegadores e devedores contumazes, afirma Andrea Costa Chaves, subsecretária que comanda toda a área de fiscalização da Receita.

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Subsecretária de fiscalização da Receita Federal, Andrea Chaves. - Gabriela Biló - 27.fev.2024/Folhapress

Ela diz à Folha que um projeto de lei sobre o tema enviado pelo governo ao Congresso, no início de fevereiro, traz um novo arcabouço jurídico que deve justamente mudar a forma como o Fisco se relaciona com empresas e pessoas físicas.

O projeto tramita em regime de urgência constitucional, que impõe o prazo de até 90 dias para a avaliação da Câmara e do Senado.

A proposta aprimora instrumentos que já vêm sendo usados pela fiscalização, como o monitoramento dos chamados contribuintes diferenciados (grupo de cerca de 9.000 empresas responsáveis por 50% da arrecadação do governo) e o mecanismo de autorregulação acionados após os fiscais relatarem inconsistências tributárias que podem gerar autuações.

Os resultados desses instrumentos, afirma a subsecretária, têm garantido aumento de arrecadação, sem necessariamente autuação e multa pelos fiscais. Nos últimos cincos anos, a Receita conseguiu aumentar em R$ 80 bilhões a arrecadação com autorregularização –R$ 66 bilhões por meio do monitoramento dos contribuintes diferenciados.

A subsecretária revelou o caso de quatro empresas de um setor que permitiu o ingresso de cerca de R$ 1,6 bilhão nos cofres do governo em fevereiro (o resultado da arrecadação do mês ainda será divulgado pela Receita).

O episódio envolveu a chamada tese do século, uma discussão travada no Judiciário na qual as empresas ganharam o direito de retirar o ICMS, principal imposto estadual, da base de cálculo do PIS/Cofins.

A União teve que devolver os valores pagos que, na maioria dos casos, são recuperados pelas empresas por meio da compensação de tributos devidos.

A área de monitoramento da Receita detectou que um contribuinte de um setor econômico com poucas empresas fez um pagamento muito alto e que as demais não fizeram.

A companhia havia feito uma consulta formal à Receita para saber se deveria pagar Imposto de Renda sobre os recursos devolvidos com a decisão da tese do século e PIS/Cofins sobre juros de mora.

A resposta do Fisco foi positiva e chamou atenção dos auditores para outros casos semelhantes. Ao final, após ação do monitoramento da fiscalização, as outras três empresas do segmento acabaram pagando. Nas consultas, a companhia tem 30 dias para recolher sem a incidência de juros.

"É educativo. Essa decisão [sobre a tese do século] não se aplica somente a esse setor. Todos têm de pagar o Imposto de Renda do que estão recebendo. Não é setor", diz ela. Por ser um segmento muito concentrado, a subsecretária preferiu não identificar o nome.

Em outro caso com viés de orientação da fiscalização, focada em 13 mil pessoas físicas donas de cartório, a Receita conseguiu ampliar em R$ 1 bilhão, de forma permanente, o patamar de arrecadação do setor, que subiu de R$ 1,7 bilhão para R$ 2,7 bilhões.

Boa parte dos donos de cartório estava omitindo receitas para pagar menos imposto. Nesse caso, a Receita fez um movimento que gerou uma alta do recolhimento, sem aumentar o litígio.

Uma outra ação de monitoramento garantiu o recolhimento de R$ 317 milhões por duas empresas de um mesmo grupo que fez reorganização societária.

A primeira companhia aproveitou imposto pago no exterior, numa hipótese em que não era possível fazer, segundo a Receita. Os auditores identificaram o problema, avisaram a empresa, e ela pagou o imposto devido, sem que tenha havido a autuação.

A outra companhia do grupo, que não tinha sido acionada pelos fiscais, acabou pagando também o imposto devido. O caso ocorreu em dezembro do ano passado, de acordo com a subsecretária.

"Temos que intensificar ações desse tipo. Vamos investir, porque existe uma massa muito grande de contribuintes que quer fazer a coisa certa", diz Chaves.

Ela ressalta que esses instrumentos mais modernos de fiscalização precisam ser fortalecidos com a criação do programa de conformidade cooperativa previsto no projeto de lei. "É prática internacional. Todas as administrações tributárias estão indo nessa linha", afirma.

Para o coordenador-geral de programação e estudos da Receita, Paulo Cirilo Mendes, é mais um passo que a Receita dá para diversificar seus instrumentos de fiscalização. "A fiscalização o que é? É o leão, a força coercitiva do Estado. Mas temos outras abordagens", diz.

O projeto cria o CFDC (Cadastro Fiscal de Devedores Contumazes) e descarta a possibilidade de o contribuinte que estiver nessa situação se livrar de processos penais a partir do pagamento do valor devido. Ou seja, não haverá extinção da punição se a dívida for paga. Ele terá um prazo para se regularizar.

Na contramão do cerco aos maus pagadores, o projeto cria o Confia, um programa de conformidade cooperativa, já existente em outros países e que vem sendo recomendado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) desde 2013.

No Confia, a adesão é voluntária e as empresas assumem compromissos de transparência e boa-fé na relação com a Receita. Com o projeto, o Fisco cria um canal direto de diálogo com o contribuinte, que não existe nem mesmo com o monitoramento. Esse ponto está em fase de testes.

Hoje, a prática é o contribuinte interpretar a legislação, entregar a declaração, pagar seus tributos. A Receita exerce o controle posterior e o passo seguinte, se a empresa for autuada, é o litígio, que na maioria dos casos demora muitos anos para ser solucionado.

Inicialmente, apenas 15 empresas poderão participar, com faturamento superior a R$ 2 bilhões por ano. Elas vão receber um selo de colaboração com a Receita.


Entenda o que o projeto cria

Confia (Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal)
Em fase de teste. Adesão será voluntária para empresas com faturamento mínimo de R$ 2 bilhões. Elas terão canal de diálogo com a Receita para prevenção de litígios. Precisam assumir compromissos, como ter estrutura de governança corporativa tributária.

Sintonia (programa de estímulo à conformidade tributária)
Voltado às empresas para estimular o pagamento regular dos impostos por meio da concessão de benefícios. Prevê uma espécie de bônus de adimplência (empresas em dia com o pagamento), com a redução progressiva no pagamento da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).

OEA (programa brasileiro de Operador Econômico Autorizado)
Tem como objetivo facilitar o comércio com simplificação dos procedimentos de importação, exportação e trânsito aduaneiro de bens. Entre elas, a possibilidade de o contribuinte pagar o tributo numa única vez e não a cada desembaraço aduaneiro.

Cadastro de devedores contumazes
Cria o cadastro fiscal de devedores contumazes, fatia que, segundo estimativa da Receita, corresponde a 0,005% das empresas, ou 1.000 entre 20 milhões. Para ser enquadrado, o CNPJ deve possuir dívida irregular superior a R$ 15 milhões, desde que o valor atenda a ao menos um de três critérios: ser maior que o patrimônio, existir por mais de um ano, e estar relacionado a empresa baixada ou inapta nos últimos cinco anos.

Benefícios fiscais
Empresas detentoras de benefícios fiscais terão que entregar uma declaração eletrônica, em formato simplificado, com informações sobre eles. A Receita afirma que mais de 200 benefícios fiscais possuem baixíssimo controle.

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