Tempo para cruzar fronteiras cai de horas para minutos em novo modelo do BID

Sistema para rodovia compartilha servidores de diferentes países num mesmo posto; sete áreas no Brasil têm potencial

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Paso Canoas (Costa Rica/Panamá)

Quem entra no novo posto de fronteira na cidade de Paso Canoas, na Costa Rica, divisa com o Panamá, pode ficar confuso. Os primeiros guichês têm a bandeira do país vizinho. Só nos balcões seguintes, coladinhos aos primeiros, aparece a bandeira local.

Vista da aduana no novo posto de fronteira em Paso Canoas, na Costa Rica, na divisa com o Panamá; no mesmo local, caminhoneiros são liberados pelos dois países - Divulgação/BID

A sinalização de dupla cidadania no mesmo espaço de um órgão governamental é a etapa mais ousada de um modelo inovador criado dentro do Programa de Integração Fronteiriça do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Uma operação compartilhada para avaliar e liberar o trânsito de pessoas e cargas numa fronteira é experiência rara no mundo. Não há nada similar no continente. Até a polícia responsável por monitorar contrabando e tráfico de drogas trabalha em colaboração nesse novo projeto.

O BID quer replicar esse tipo de parceria em toda a América Latina como uma alternativa para agilizar a logística, reduzir custos e elevar o intercâmbio comercial na região.

Na América Central, onde há sete países, a velocidade média para transporte de carga é 15 km/h (quilômetros por hora), bem abaixo da velocidade de 60 km/h, referência, por exemplo, nos países de alta renda da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

O banco já mapeou 31 áreas de fronteira com potencial para adotar o novo sistema, sete delas estão na fronteira do Brasil.

"Vamos reduzir o prazo de espera de horas para minutos", afirma o chefe de Divisão de Comércio e Investimentos do BID, Jaime Granados.

"O que está acontecendo entre Costa Rica e Panamá marca um antes e depois na América Latina e Caribe em matéria de custos logísticos, e esperamos replicar em muitos outros postos de fronteiras o que foi materializado aqui."

Usualmente, o posto de fronteira rodoviário de uma nação cuida, ao mesmo tempo, do ingresso e da saída de cargas e pessoas dentro de seu território. O viajante presta contas para sair de um país, segue pela estrada, cruza a fronteira e, depois, presta contas outra vez no país onde vai ingressar.

Caminhões aguardam liberação na fronteira do Panamá com a Costa Rica, no município de Paso Canoas - Alexa Salomão/Folhapress

São duas paradas, e as demandas por documentos, duplicadas. Em alguns casos, no entanto, um dos países pode ter alguma exigência adicional que não preocupa o outro. Um fiscal pode pedir algo que outro não presta atenção.

Na fronteira entre Costa Rica e Panamá, na altura de Paso Canoas, esse processo padrão historicamente demanda, no melhor dos cenários, 11 procedimentos burocráticos. Mas o périplo pode demandar 23 passos, especialmente se houver inspeção de carga ou avaliação sanitária. A espera pode durar dias se houver pendência tributária ou inconsistência na documentação da carga, o que não é incomum.

No novo sistema, cada posto cuida, simultaneamente, da saída do país vizinho e do ingresso em seu território, com normas unificadas. É uma única parada.

Com essa reorganização, o número de procedimentos cai para seis, chegando no máximo a 15. A estimativa é que o prazo médio para cruzar a fronteira em Paso Canoas cairá para 20 minutos.

Como tempo é dinheiro, todos os envolvidos no projeto anunciam que uma logística mais ágil vai reduzir os custos com transporte. Técnicos do BID, mais conservadores, esperam uma queda inicial de 16%. Os governos, mais empolgados, anunciam corte de 50% nas despesas com o translado de cargas naquele trecho.

Paso Canoas não é um translado fronteiriço qualquer. É cortado pela estrada do Pacífico, que atravessa o continente. É ponto de passagem de imigrantes ilegais em buscam do sonho americano. Também recebe o intenso fluxo de cargas da América Central. O município fica bem entre a Costa Rica e o Panamá.

A divisa é marcada por uma faixa amarela pintada no asfalto da cidade. O entorno está tomado de lojinhas com status de duty-free, livre de impostos que mantém um turismo comercial.

O local lembra a 25 de Março, rua de comércio popular na capital paulista, mas a estrutura é tão precária que, na comparação, a versão brasileira fica chique.

Os postos de fronteiras, a poucos metros da linha amarela, já não têm infraestrutura para dar conta do movimento. Os viajantes se misturam ao vaivém dos moradores. Quem vive ali, cruza de um lado para o outro sem constrangimento. Na malandragem, um estrangeiro se infiltra fácil e vai embora.

Quem vem de fora pela rodovia, no entanto, convive com a lentidão dos trâmites nos dois lados. Há dias em que passam por ali 40 ônibus. Diariamente, são cerca de 200 caminhões.

Para não haver espera seria preciso liberar uma média 13 veículos por hora. Os estrangeiros podem ficar até seis horas parados no bafo de um calor úmido de 32ºC que marca o clima na região.

Os veículos ficam empilhados no acostamento ou em estacionamentos improvisados. Os caminhões são gigantescos, padrão americano, longos e com cabine estendida, bem maiores que os caminhões de frente achatada que se vê no Brasil.

A reportagem da Folha conversou com motoristas que aguardavam pela liberação. Entre eles estava o guatemalteco Ercin De La Rosa, 50 anos de idade e 38 de volante.

Ele estava havai quatro dias na Costa Rica esperando o dono da sua carga pacificar inconsistência tributárias com as autoridades. Rosa recebe US$ 4.500 por entrega. O tempo de espera já era suficiente para ter feito a entrega e estar voltando para pegar outro serviço.

"O tempo que estou aqui daria para fazer todo o percurso do Panamá", afirmou. "E é uma espera estressante porque não dá para saber quanto tempo vai ter de ficar parado e que horas o documento sai para eu seguir viagem."

Caminhoneiro Ercin De La Rosa, 50 anos, 38 de profissão; em 19 de feveveiro estava há quatro dias parado em Paso Canoas, entre Costa Rica e Panamá, e sem previsão de liberação - Henrique Gomes Batista / Divulgação/ BID

Alguns pré-requisitos são essenciais para os países implementarem o novo modelo que promete agilidade.

Investimento em infraestrutura física é o básico. O posto da Costa Rica, por exemplo, deixa o predinho acanhado de beira de estrada para ocupar 14.000 m2 (metros quadrados) em uma área lateral à rodovia a 4,3 km da fronteira. Agora, é chamado de centro de operações.

A nova estrutura demandou US$ 33 milhões de um total de US$ 100 milhões aprovados pelo BID para a Costa Rica. O restante dos recursos vai viabilizar dois outros postos fronteiriços no mesmo padrão.

O posto do lado do Panamá, com dimensões e investimentos similares, fica pronto até o final do ano e está a 3,5 km da fronteira.

O espaço projetado para área que atende a imigração é tão moderno que lembra um aeroporto. O local destinado a controle de carga foi organizado em outro ponto do centro e de tal maneira que o fluxo de veículos pode ser contínuo.

O caminhoneiro deve apresentar um documento com código de barras para registrar a passagem. Para obter o código, é preciso fornecer antecipadamente todas as informações em um sistema digital, bem como quitar os tributos exigidos. A vistoria física é feita por sorteio.

A logística também se beneficia da tecnologia.

Haverá monitoramento das placas na estrada e o sistema cruza automaticamente o registro do veículo e sua passagem pelos postos fronteiriços.

Os técnicos do BID garantem que o monitoramento por inteligência artificial emite alerta se algum motorista tentar seguir viagem sem passar pelo crivo das autoridades.

O nível de integração que se estabeleceu entre Costa Rica e Panamá, no entanto, deriva de um trabalho diferenciado de diplomacia com representantes de governos em cada lado da fronteira, que foram se sucedendo ao longo de dez anos de negociações.

"Um projeto de integração não ocorre com imposição. É produto de diálogo e de consenso. Um processo que leva a acordos bilaterais —isso foi alcançado entre os dois países", explica o gerente Divisão de Comércio e Investimentos do BID, Fabrizzio Opertti.

Em avaliação preliminar, o BID identificou que Brasil pode buscar negociação similar para integrar o trabalho de fronteira em sete cidades, com seis países.

Tabatinga e Letícia, na Colômbia. Bonfim e Lethem, na Guiana. Foz do Iguaçu e Cidad del Este, no Paraguai. Assis Brasil e Iñapari, fronteiriça a Peru e Bolívia.

A fronteira com o Uruguai é a mais promissora, destacando os encontros das cidades Chuí-Chuy,
Jaguarão-Rio Branco e Sant'Ana do Livramento-Rivera.

Só o tempo dirá se a diplomacia no Cone Sul conseguirá evoluir como nos dois países da América Central. O Brasil ainda está avaliando o modelo. O país que já manifestou interesse em entender o sistema é o Paraguai.

Um grupo do BID tem viagem agendada em março para apresentar o sistema. Existe a expectativa de que representantes do governo Santiago Peña possam visitar o posto da Costa da Rica.

A leitura é que as duas novas pontes que estão sendo construídas entre Paraguai e Brasil poderiam experimentar o modelo dentro de um projeto-piloto.

A repórter viajou a convite do BID

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