Descrição de chapéu G20 Governo Lula

Bandeira de Lula, projeto global contra fome enfrenta questionamentos no G20

Brasil avalia financiar sozinho até 2030 estrutura da Aliança contra a Fome e a Pobreza

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Brasília

O lançamento de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, principal bandeira do presidente Lula (PT) para o G20, enfrenta uma série de questionamentos levantados por outros membros do bloco. Países do G20 resistem a criar e a financiar uma nova organização internacional e afirmam que ela pode concorrer com entidades já existentes.

Em paralelo a ressalvas feitas pelos sócios estrangeiros, o Executivo passou a considerar a criação de uma estrutura mais enxuta e com número reduzido de funcionários. Mais do que isso: o Brasil diz estar disposto a arcar sozinho com os custos para manter a iniciativa funcionando nos seus primeiros anos.

Cartão do Bolsa Família, programa de distribuição de renda do governo federal. - Roberta Aline/MDS

O Brasil assumiu em novembro de 2023 a presidência do G20, bloco que reúne as maiores economias do globo, e o governo Lula considera a Aliança Global contra a Fome a mais relevante contribuição do mandato brasileiro ao fórum.

Logo nas primeiras reuniões com os sócios do G20 sobre o tema, no entanto, auxiliares de Lula viram que o desenho final da proposta precisará ser mais modesto do que o pensado inicialmente.

No final de março, em um encontro realizado em Brasília, representantes de diferentes países disseram respaldar o objetivo do Brasil de mobilizar um esforço internacional de enfrentamento à pobreza. Mas disseram que é preciso simplificar a governança proposta para a nova organização.

O Brasil advoga que a organização tenha um secretariado próprio e um comitê diretivo, financiados pelos governos que venham a aderir à iniciativa —um dos pontos mais questionados por outros membros do G20, de acordo com relatos colhidos pela Folha.

Segundo um diplomata estrangeiro, que falou sob condição de anonimato, existe hoje pouco apoio no mundo para o lançamento de uma nova organização internacional.

Os representantes de outros países afirmaram ainda que a declaração ministerial sobre a iniciativa que Lula quer lançar precisa ser bem mais concisa e focada na ideia em si, sem referências a questões que vinham sendo tratadas nas presidências anteriores do G20 —a primeira versão da declaração tem dez páginas e 35 parágrafos.

Os representantes dos países também argumentaram que não está claro no que essa nova aliança será diferente do trabalho já realizado por organismos como a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e o PMA (Programa Mundial de Alimentos).

A preocupação é que, se a iniciativa de Lula se sobrepuser ao trabalho da FAO e do PMA, acabe drenando energia dessas agências.

Após a publicação da reportagem, a organização do G20 publicou uma nota na qual afirma que "não há proposta de lançamento de uma nova organização internacional para colocar em prática a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza proposta pela Presidência brasileira no âmbito do G20".

"A proposta da Aliança, aberta a todos os países, busca formar uma cesta com políticas públicas de combate à fome e à miséria bem-sucedidas, como ocorreu no Brasil, e em diversas outras regiões do mundo", diz o comunicado.

"O propósito é não ficar restrito a apenas oferecer recursos financeiros, mas mostrar programas, políticas e ferramentas que já tenham sido usadas em outros países e dado bons resultados".

A ideia de Lula é anunciar o desenho consolidado da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza em julho, durante uma reunião de ministros da área do G20 no Rio de Janeiro.

O objetivo da Aliança, segundo o governo, é "angariar recursos e conhecimentos para a implementação de políticas públicas e tecnologias sociais comprovadamente eficazes para a redução da fome e da pobreza no mundo".

O governo quer criar uma espécie de balcão com boas práticas de combate à pobreza que países em desenvolvimento poderão consultar e pedir apoio técnico caso queiram implementar políticas semelhantes em seus territórios.

Auxiliares de Lula também defendem que a Aliança seja usada para articular as diferentes fontes de financiamento de ações contra a pobreza que hoje existem espalhadas pelo mundo.

Do ponto de vista político, a ideia foi pensada para aproveitar a imagem internacional de Lula como líder comprometido com a redução das desigualdades. O Bolsa Família, marca dos governos petistas, servirá de vitrine das políticas sociais que o país espera difundir globalmente.

Negociadores brasileiros trabalham para que os países organizem anualmente uma cúpula de chefes de Estado da Aliança, outro pleito que tem enfrentado objeções diante de um calendário em que os governantes já estão comprometidos com diversas agendas internacionais todos os anos.

Sobre isso, assessores de Lula dizem que essa cúpula poderia ocorrer à margem da Assembleia-Geral da ONU, que acontece todo mês setembro em Nova York (EUA), ou mesmo como parte do calendário permanente da reunião de líderes do G20.

Diante das ressalvas apresentadas, o governo Lula trabalha com uma estratégia alternativa para garantir que a estrutura saia do papel —mesmo que menos ambiciosa. Negociadores afirmam que o Brasil está disposto a bancar sozinho o secretariado da nova organização até pelo menos 2030.

Nesse horizonte, a previsão é que o governo precise desembolsar entre R$ 15 milhões e R$ 30 milhões.

Após mapear as resistências, o governo Lula avaliou que o importante é o G20 endossar a proposta da Aliança mesmo que nem todos os membros venham a aderir formalmente. A presidência brasileira aposta que, no fim, países refratários se sentirão constrangidos por não apoiar uma proposta que tem como propósito lutar contra a fome no mundo.

Auxiliares brasileiros discordam da visão de que a Aliança pode ter funções concorrentes com as agências da ONU. Segundo eles, o Brasil propõe que a nova estrutura tenha como missão ajudar a identificar as necessidades dos países e cruzá-las com as experiências mais adequadas que existem à disposição.

Eles ainda citam que, no passado, as organizações ligadas à ONU já foram criticadas por suas ações acabarem danificando a economia local.

No Haiti, por exemplo, após o terremoto de 2010, o PMA buscou atender a população local com a distribuição de arroz. No entanto, houve pouca compra de produção local e os países doaram seus excedentes. Um dos resultados foi que a distribuição afetou a já frágil economia haitiana, que dependia da produção do grão.

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