Madeira de reflorestamento substitui aço e concreto em construções sustentáveis

Técnica reduz emissões de CO2 e resíduos, mas falta de mão de obra é entrave

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Viviane Sousa
São Paulo

Incorporadoras buscam inovar utilizando madeira de plantio na estrutura de edifícios e escritórios de alto padrão. A nova técnica inclui um processo de industrialização que produz peças pré-fabricadas em madeira que substituem cimento, aço e concreto usado nas estruturas dos métodos convencionais.

A técnica chamada no Brasil de madeira engenheirada surgiu há cerca de 30 anos na Europa e já bastante utilizada na França, Áustria e Alemanha, além dos Estados Unidos, Japão e Canadá.

O Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma) preconiza o uso de materiais como madeira, bambu e biomassa e indica que a substituição poderia reduzir 40% as emissões de materiais de baixo carbono até 2050.

O setor é responsável pela emissão de 37% das emissões de carbono no planeta. Segundo dados da Associação Brasileira de Reciclagem da Construção Civil e Demolição, o Brasil gera cerca de 84 milhões de metros cúbicos de resíduos de construção Civil e demolição por ano.

Canteiro de obra de uma unidade do colégio Santa Cruz em Pinheiros que usa madeira engenheirada, que substitui o concreto e cimento em construções de alto padrão - Rubens Cavallari - 12.abr.2024/Folhapress

O que é madeira engenheirada

A madeira utilizada é pinus e eucalipto, espécies sustentáveis, de rápido desenvolvimento e manejo simples que possuem fibras longas. O preparo retira nós, trincas, rachaduras e outras imperfeições da madeira.

As fibras são cruzadas para aumentar a resistência e passam por um processo de selagem. As peças são cortadas na medida necessária para cada obra especificamente, com detalhes dos pontos de conexão para a montagem.

A furação para embutir a parte hidráulica, elétrica e de ar-condicionado já saem pronta da empresa que produz a madeira. A construtora faz os encaixes e vai sobrepondo as peças, como se fosse um grande jogo de Lego.

A montagem é seca porque utiliza revestimentos que não necessitam de água ou preparo na obra, como o cimento tradicional. Os materiais usados no revestimento podem ser alumínio, vidro, drywall e placas cimentícias, que já chegam prontas no canteiro.

Arquitetos consultados pela Folha disseram que trabalho com a madeira engenheirada antes da fase de construção é mais lento e detalhado, porém, esse tempo é compensando com uma obra mais limpa, rápida e precisa.

Outras vantagens são a redução do custo ambiental, melhor tratamento termoacústico, peso reduzido e estruturas com fundações menos profundas. A madeira utilizada precisa ter Documento de Origem Florestal (DOF), certificado de regularidade pelo Ibama, e outros documentos que comprovem que a madeira é proveniente de florestas manejadas.

A Noah Wood Building Design foi a primeira incorporadora a utilizar o método de forma verticalizada no Brasil em 2019, e ainda hoje é a única a ter 100% dos seus projetos em madeira engenheirada em alguma etapa da obra.

A empresa surgiu com intuito de industrializar o processo construtivo utilizando madeira e fazer produtos autorais. A empresa ficou conhecida ao lançar em 2020 o primeiro projeto de edifício sustentável com estrutura em madeira. O condomínio Arvoredo, na Vila Madalena, tem 10 andares e apartamentos de 400 metros quadrados. O prédio será entregue no final de 2024.

De acordo com o CEO da Noah, Nico Theodorakis, a técnica permite que se tire parte da produção de dentro do canteiro e leve para um outro espaço, o que cria uma frente paralela de trabalho, como numa fábrica de qualquer outro setor.

Além da questão da sustentabilidade, uma das vantagens da madeira engenheirada para empresa, é que ela possibilidade criar projetos arquitetônicos diferenciados, como o da Vila Madalena.

"É possível fazer em um dia o que se leva uma semana no método de concreto e aço. Ou seja, grande a obra pode ser feita em até 50% menos tempo que em um método convencional", diz Theodorakis .

Santa Cruz

A obra de ampliação de uma das escolas privadas mais tradicionais de São Paulo, o Colégio Santa Cruz, será em madeira engenheirada.

O projeto pedagógico desenvolvido por um escritório de arquitetura vencedor da concorrência previa uso da madeira de reflorestamento e valores sustentáveis para obra. As características passaram a ser uma exigência para a construtora escolhida para executar o projeto.

Canteiro de obra de uma unidade do colégio Santa Cruz em Pinheiros - Rubens Cavallari - 12.abr.2024/Folhapress

De acordo com engenheiro do Colégio Santa Cruz, Guilherme de Taunay, a estrutura de madeira foi cerca de 20% mais cara que uma metálica, mas economizou na fundação, e em uma obra seca e limpa.

A nova unidade no terreno de 3.000 metros quadrados terá dois andares, com 15 salas de aula que abrigarão crianças de 1 a 3 anos.

A estrutura de madeira é coerente com os valores do colégio para atender essa faixa etária. "A madeira contribui bastante pro processo pedagógico, é um bom isolante térmico, cria um ambiente convidativo para a nova educação infantil que vamos oferecer e isso é muito importante pra nós", diz Taunay.

Os alunos de física do ensino médio fizeram visitaram a obra como um exercício de ver aplicação de alguns conceitos na prática.

Por que é pouco usada no Brasil?

Atualmente, no Brasil, são poucas as incorporadoras que trabalham com a madeira engenheirada por que o processo exige uma capacidade mínima de industrialização.

De acordo com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), apenas 5% das empresas do setor usam a técnica aqui no país.

"O Brasil já foi referência na construção, na época da construção pesada do concreto, e poderia ser referência para o mundo também nas construções sustentáveis", conclui José Carlos Martins, presidente do conselho consultivo da CBIC.

A Libercon Engenharia e Construção está há 20 anos no mercado, começou a trabalhar com a madeira engenheirada em 2019, e notou que com o surgimento da sigla ESG (Environmental, Social and Governance) as empresas clientes estão mais preocupadas com questões de sustentabilidade e isso e reflete na construção civil.

De acordo com o gerente de novos negócios da Libercon, Nicola Cocciolito Filho, em 2023, empresa registrou aumento de 30% nas buscas pelas obras com madeira engenheirada ou com processos sustentáveis, mas elas representam apenas 5% do total dos projetos da incorporadora.

A empresa tem dificuldade para encontrar mão de obra qualificada e expandir sua produtividade. "Isso mostra o quanto somos ineficientes se comparados a outros países. Falta pedreiro, falta carpinteiro... Nós precisamos industrializar", diz o gerente.

A falta de mão de obra qualificada para trabalhar com métodos sustentáveis também foi apontada pela Noah como um entrave.

De acordo com Theodorakis, falta política pública para o desenvolvimento de novas tecnologias e, sobretudo, para a qualificação de mão de obra especializada.

"Atualmente, nós treinamos nossa mão de obra. Nós contratamos a pessoa e investimos. Nos treinamos no canteiro. A pessoa aprende fazendo, e isso demanda tempo. Se formos procurar pessoas prontas no mercado, não tem", afirma Theodorakis.

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