Descrição de chapéu carro elétrico

Montadoras chinesas apostam no Brasil com reveses nos EUA e UE

Marcas chinesas estão construindo fábricas no país, que ajudará a vender carros livres de tarifas em toda a América Latina

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Bloomberg

Excluídas do mercado americano e na mira das autoridades na Europa, as fabricantes de carros elétricos da China se concentram nos países onde são bem-vindas. Um dos grandes é o Brasil.

BYD e Great Wall Motor já dominam as vendas de veículos elétricos no sexto maior mercado automotivo do mundo. Agora, as duas gigantes chinesas também estão construindo fábricas no país —o que ajudará a vender carros livres de tarifas em toda a América Latina, enquanto o presidente estadunidense Joe Biden promete encargos de 100% nos Estados Unidos.

Isso pode se tornar o modelo para outros setores e regiões. Gigantes industriais chinesas dão arrepios a vários países do mundo porque seus produtos baratos ameaçam empresas e empregos locais.

Se quiserem alcançar mais consumidores globais —e com a concorrência acirrada no mercado doméstico chinês, elas querem— elas estão sob pressão para investir, produzir e gerar empregos no exterior, em vez de apenas exportar suas mercadorias.

BYD Shark em evento de lançamento no México.
BYD Shark em evento de lançamento no México. - Henry Romero/Reuters

É exatamente isso que as montadoras estão fazendo no Brasil. A BYD espera iniciar produção em meados de 2025 em uma nova fábrica que será a primeira fora da Ásia. A Great Wall pretende sair na frente, produzindo SUVs no país antes do final deste ano.

"As marcas chinesas precisam investir fora da China" para "evitar que o protecionismo fique mais severo", disse Ricardo Bastos, diretor de relações institucionais da Great Wall no Brasil.

No Sudeste Asiático, o investimento direto chinês quase quadruplicou no ano passado, segundo um estudo recente. No setor automobilístico, a BYD também tem um grande projeto na Hungria, e a Chery no mês passado anunciou planos de produção na Tailândia.

No total, o investimento estrangeiro chinês ao longo da cadeia de produção de veículos elétricos provavelmente bateu um recorde, acima dos US$ 30 bilhões, em 2023, segundo o Rhodium Group.

Em entrevista à Bloomberg na sede da empresa em São Paulo —mobiliada com sofás vermelhos e amarelos brilhantes e uma mesa de pingue-pongue— Bastos disse que vê o Brasil como porta de entrada para toda a região, "desde México, Colômbia, Argentina ao Peru." O mercado automobilístico da América Latina vale quase US$ 130 bilhões.

O Brasil é importante por si só —e exatamente o tipo de mercado onde as fabricantes chinesas precisam ter sucesso, segundo Yale Zhang, diretor-gerente da consultoria Automotive Foresight em Xangai. Elas enfrentam "muitos obstáculos óbvios que as impedem de entrar em grandes mercados desenvolvidos", disse ele. "Então é claro que elas precisam conquistar os maiores mercados emergentes."

A BYD e a Great Wall ainda não são players de primeira linha, mas sua participação está aumentando rapidamente. E nas vendas de veículos elétricos, elas detêm os dois primeiros lugares —impressionando até mesmo compradores brasileiros de carros de luxo, com uma combinação de preços mais baixos e alta tecnologia.

Os carros chineses eram conhecidos como "ruins e baratos" quando chegaram, diz Thiago Luiz Ferraz Pereira, 38, advogado em São Paulo. "Então veio essa nova onda". Há seis meses, ele pagou R$ 314 mil pelo SUV compacto Haval H6 da Great Wall, em vez de um BMW X3 híbrido que custaria cerca de 60% mais. "Tenho muito mais carro por um preço muito mais baixo", disse.

Mesmo assim, BYD e Great Wall não conseguirão tudo à sua maneira no Brasil. E mesmo sob o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), amigo de longa data do governo da China, existem obstáculos impostos pelo governo que terão de superar.

Stellantis, Toyota e Volkswagen estão entre as gigantes automobilísticas globais que prometeram cerca de US$ 19 bilhões (R$ 97 bilhões) em investimentos no Brasil, quase tudo desde meados de 2023, colocando o país acima do México como o principal destino na América Latina.

A maior parte do investimento vai para carros híbridos que também poderão ser abastecidos com gasolina e etanol. Os veículos elétricos representam apenas uma pequena fatia do mercado, mas a concorrência deve se intensificar e testar a capacidade das montadoras chinesas de continuar a expandir sua participação de mercado.

Tudo isto faz parte da estratégia de Lula para reindustrializar o Brasil —em um certo sentido, seguindo o modelo da China.

Lula impôs tarifas de 10% sobre as importações de elétricos este ano, e elas aumentarão para 35% até 2026.

Ao contrário das tarifas impostas pelos EUA e avaliadas na Europa, elas não se destinam especificamente às fabricantes chinesas. A política já levou a Great Wall a mudar de rumo e optar pela fabricação do SUV Haval no Brasil —seu best-seller local e, portanto, uma aposta mais segura— em vez da picape que havia planejado anteriormente.

Além do mais, para exportar carros fabricados no Brasil para outros países latino-americanos sem tarifas, as montadoras precisam adquirir cerca de metade dos componentes localmente. Se não conseguirem atender a esses critérios, a BYD e a Great Wall correm o risco de perder sua vantagem de preço.

Ambas as empresas planejam começar com o que é conhecido na indústria como carros "desmontados" —o que significa que as peças serão importadas da China e montadas localmente— enquanto aceleram a busca por fornecedores locais.

Elas reconhecem que será um desafio. Há falta de fornecedores porque a indústria no Brasil declinou nos últimos anos, diz Tyler Li, presidente da BYD Brasil. Mesmo assim, ele afirma que a empresa pretende fabricar 60% dos componentes no país em cinco anos.

Bastos, da Great Wall, diz que ajudaria muito se as baterias pudessem ser produzidas no Brasil, e a empresa "vai trabalhar para que isso aconteça".

Este é um exemplo de como a chegada de fabricantes de automóveis estrangeiros pode trazer benefícios indiretos para o Brasil —inclusive na contratação e formação de trabalhadores, uma prioridade fundamental para Lula.

A BYD, cuja fábrica terá uma capacidade inicial de 150 mil carros por ano, se comprometeu a criar 5.000 empregos, mas o número real provavelmente será mais do que o dobro disso, segundo Li. E isso é apenas emprego direto, sem contar os ganhos ao longo da cadeia de abastecimento. A BYD também está fazendo parceria com uma empresa de energia local para construir 600 estações de carregamento em oito cidades, abordando uma escassez que poderia limitar as vendas.

A operação da Great Wall em Iracemápolis, perto de São Paulo, será menor, com capacidade inicial para cerca de 50 mil carros. É uma conversão de uma antiga fábrica da Mercedes Benz cujos impostos antes contribuíam com cerca de 40% da receita da cidade. A nova fábrica incluirá um centro de pesquisa e desenvolvimento e poderá empregar 2.000 pessoas, diz Bastos.

Trazer tecnologia e conhecimento do exterior foi a forma como muitas indústrias chinesas começaram a sua ascensão à liderança mundial. Agora estão do outro lado da equação —e isso traz riscos e oportunidades.

A China tirou lições do declínio industrial em países como Brasil, e os conselheiros governamentais alertam contra a repetição dessa trajetória. É uma das razões pelas quais Xi deu prioridade à produção de tecnologia avançada desde a pandemia —chamando-a de "tábua de salvação" do país e pressionando por uma economia impulsionada por produtos de alta tecnologia como os veículos elétricos.

Investimentos estrangeiros podem ser a melhor aposta da China para manter boas relações econômicas com o resto do mundo emergente. É aí que se encontrarão os gigantescos mercados consumidores do futuro. Mas —assim como o Brasil de Lula— essas nações também querem ser produtoras.

"Os carros são um produto que todo mundo vê todos os dias", diz Zhang, consultor automotivo de Xangai. "Para qualquer país que tenha a menor ambição industrial, ver todos os carros que circulam nas suas ruas 100% trazidos de outros lugares dói."

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