Governo propõe limitar dividendos de distribuidoras de energia em pacote com regras mais duras

Entre as 20 medidas há também exigência de comprovação de saúde financeira das companhias; Enel é principal alvo

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São Paulo e Brasília

O Ministério de Minas e Energia enviou nesta quinta-feira (23) para a Casa Civil regras mais duras em contratos de concessão para distribuidoras de energia que operam no Brasil, como antecipou a Folha. Um dos principais alvos é a Enel, cujo contrato com o governo encerra-se em 2028.

Entre as 20 regras propostas pelo ministério, uma das mais sensíveis ao mercado é a limitação da distribuição de dividendos ao mínimo previsto na Lei das Sociedades Anônimas caso a empresa descumpra os índices de qualidade estabelecidos, que precisam ser mantidos em todos os bairros e áreas da concessão.

O decreto também cria mecanismos para antecipa as renovações dos contratos atuais, desde que atendidas as novas exigências.

Técnicos da Enel desligando energia em fiação em rua da cidade de São Paulo devido a queda de árvores no início do ano
Técnicos da Enel desligando energia em fiação em rua da cidade de São Paulo devido a queda de árvores no início do ano - Eduardo Knapp/Folhapress

"Tiramos as distribuidoras do conforto contratual que se encontram hoje. Elas vão ter que melhorar a qualidade do serviço, e não descarto a possibilidade de algumas não aderirem [aos novos contratos], em consequência das exigências", disse o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

As novas concessões terão duração de 30 anos, a contar a partir do fim dos atuais vínculos, e a expectativa é que as regras passem a valer no início de junho.

O ministério também trabalha em um projeto, que deve ser enviado ao Congresso, para acelerar a abertura do mercado livre de distribuição de energia —setor que cresce no Brasil sem regras bem definidas.

A expectativa da pasta é que até 2030, 80% do mercado seja atendido por esta modalidade, na qual é o consumidor quem escolhe seu fornecedor de energia.

Se as novas regras forem aprovadas, essa medida deve ser adotada além da caducidade, que é a extinção do contrato em caso de descumprimento de obrigações contratuais.

As regras também preveem que distribuidoras devem comprovar anualmente saúde financeira para garantir a operação, através de um índice que leva em conta a relação entre lucro e dívida.

Em caso de interrupções no fornecimento de energia após eventos climáticos extremos, a ideia é estabelecer tempo máximo de retorno da operação obrigatória.

Hoje, as empresas não fornecem previsão de retorno do sistema em casos como esses. A ideia é que haja uma mensuração para o estabelecimento de indicadores de retorno da operação mesmo com acidentes de maior gravidade.

As novas regras chegam após sucessivos apagões em São Paulo depois de fortes chuvas, que causaram prejuízos para comércios e os moradores da capital no final de 2023 e no início deste ano.

Nos bastidores, a avaliação é de que, se a Enel não aceitar as novas regras, está praticamente anunciando que vai deixar suas operações no Brasil.

Outro ponto é o uso do índice de satisfação dos consumidores antes de conceder incentivos econômicos.

O governo também quer obrigar a apresentação a cada cinco anos, com atualização anual, de plantão de investimentos para melhoria dos serviços.

A regra é enviada em meio a uma mudança no foco de investimentos da Enel na Itália após a última troca de presidente da companhia em maio do ano passado, quando chegou o executivo Flavio Cattaneo.

O novo CEO da Enel anunciou na época que a empresa focaria investimentos na operação onde fica a matriz da companhia, ou seja, na Itália, onde estão concentradas 50% de suas margens.

Ele afirmou, ainda, que a companhia procuraria estar presente apenas em países onde pudesse integrar sua operação, desde geração de energia até a distribuição, já que isso permite um risco menor para os investimentos da empresa.

Procurada, a Enel disse que reitera seu compromisso com o Brasil e reforçou que está fazendo os investimentos necessários para aumentar a qualidade dos serviços em todas as áreas em que atua.

Para o período de 2024 a 2026, a companhia diz que vai aportar cerca de R$ 18 bilhões no país, dos quais 80% serão destinados à distribuição de energia.

"Em suas três áreas de concessão (Rio de Janeiro, Ceará e São Paulo), a companhia está implementando um robusto plano de investimentos, focado no fortalecimento e na modernização da rede, na automação do sistema e na ampliação da capacidade dos canais de comunicação com os clientes, além da mobilização antecipada de equipes em campo em caso de contingências", afirma a empresa.

"O plano contempla também um aumento significativo do quadro de pessoal próprio, que já está em andamento", completa.

Confira abaixo todas as 20 novas regras propostas pelo Ministério de Minas e Energia para contratos de concessão de energia

1) Comprovar anualmente saúde financeira para garantir a operação, a partir de um índice que leva em consideração a relação lucro e dívida;

2) Manter a qualidade do serviço em todos os conjuntos (bairros e áreas) da concessão;

3) Além da caducidade, será possível limitar a distribuição de dividendos ao mínimo legal em caso de descumprimento dos índices de qualidade estabelecidos;

4) Tarifa fixa diferenciada, por adesão, em áreas com severa restrição de acesso em razão de segurança, diminuindo o peso para os demais consumidores e trazendo mais cidadania para população que mora nessas áreas;

5) Estabelecer tempo máximo de retorno da operação obrigatória após eventos climáticos extremos, passíveis de expurgos, acabando com a possibilidade de não haver medição pelo expurgo;

6) Considerar o índice de satisfação dos consumidores para garantir incentivos econômicos;

7) Obrigatoriedade de apresentação a cada cinco anos, com atualização anual, plantão de investimentos para melhoria dos serviços;

8) Apresentar planos de investimentos para a extensão e fortalecimento da rede em áreas rurais, com possibilidade de utilização de recursos de P&D [Pesquisa e Desenvolvimento] ;

9) Obrigatoriedade de digitalização, para facilitar o gerenciamento do consumo e a abertura do mercado;

10) Uso do IPCA para reajuste dos contratos, índice mais próximo à realidade das famílias brasileiras;

11) Melhoria do call center, avaliando indicadores comerciais de tempo de atendimento e tempo de respostas. Esses indicadores vão impactar os contratos, inclusive incidindo sobre os reajustes e em caducidade;

12) Canal direto com o poder público;

13) Reorganização dos recursos de eficiência energética para modernização e combate a pobreza energética;

14) Primarização e obrigatoriedade de condições igualitárias entre funcionários e terceirizados;

15) Obrigatoriedade de atender regras de trabalho descente da OIT [Organização Internacional do Trabalho];

16) Critérios de diversidade para contratação em órgãos de direção e conselhos;

17) Proteção de dados do consumidor;

18) Criação da rede nacional de consumidores;

19) Nova regra para regularização dos postes, obrigando cessão para terceiros;

20) Preparação do ambiente para que o consumidor possa escolher o fornecedor de energia.

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