Empresas brasileiras se instalam nos EUA para aproveitar incentivos à energia limpa

Companhias acessam fundo bilionário, mas há receio com futuro de programa em eventual vitória de Trump

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Washington

Enquanto o Brasil tenta negociar com os Estados Unidos uma forma de se beneficiar dos incentivos tributários americanos para transição energética, empresas nacionais se adiantam e anunciam investimentos diretos na América do Norte.

De janeiro a março deste ano, houve nove anúncios de investimentos a partir do zero (conhecidos como "greenfield") nos EUA por empresas brasileiras, de acordo com levantamento feito a pedido da Folha pela agência governamental americana SelectUSA.

Turbinas para produção de energia eólica no Texas - Nick Oxford/Reuters

O número dos três primeiros meses é mais do que a metade do registrado em todo o ano passado (15) e, se mantido o ritmo, pode voltar ao patamar observado pré-pandemia, quando oscilou entre 23 e 28.

No mês passado, por exemplo, já houve ao menos um novo anúncio: a fabricante brasileira de eletroeletrônicos WEG divulgou que vai produzir turbinas eólicas em Minneapolis.

"A WEG estudou o IRA e está trabalhando junto com a sua cadeia de fornecedores para atender os [seus] requerimentos", afirma João Paulo Gualberto da Silva, diretor-superintendente de energia da empresa.

IRA é a sigla em inglês para a Lei de Redução da Inflação, um pacote lançado em agosto de 2022 pelo governo Joe Biden que oferecia originalmente quase US$ 400 bilhões em créditos tributários –hoje estimados em muito mais que isso– para incentivar a produção e o uso de energia limpa, veículos elétricos e captura de carbono até 2033.

Para se beneficiar do programa, no entanto, o investimento precisa ser feito em solo americano e obedecer a exigências de uso de conteúdo nacional –o que despertou acusações de protecionismo de diversos países, notadamente os europeus. Por isso, muitas empresas têm considerado se instalar ou ampliar suas operações nos EUA.

Na área de energia, estão no grupo a GranBio, que recebeu US$ 80 milhões do Departamento de Energia por meio de sua subsidiária Avapco para produzir SAF (combustível sustentável de aviação) na Geórgia, e a Raízen, que diz avaliar produzir etanol de segunda geração nos EUA para ser usado no SAF.

Outros setores também buscam colher os benefícios. É o caso da Vale, que anunciou negociar financiamento para uma nova unidade industrial de briquetes de minério de ferro, e do braço de siderurgia do Grupo Soufer, que anunciou a construção de uma nova planta em Memphis em parceria com a portuguesa Metalogalva voltada para tubos utilizados pelos setores de energia solar e distribuição.

"Esses programas do governo federal têm sido muito decisivos para transformar a Gerdau na América do Norte na maior operação que nós temos", afirmou o presidente-executivo da empresa, Gustavo Werneck, durante evento do Lide em Nova York no mês passado, citando especificamente a lei de infraestrutura e o IRA, "um pacote nunca visto na América do Norte para promover a transição energética".

Para especialistas no setor e executivos de bancos, no entanto, ainda há uma certa cautela do empresariado brasileiro, que decorre das dificuldades e do custo de entrar no mercado americano, de um potencial enfraquecimento do programa caso Donald Trump seja eleito neste ano e da expectativa de que Brasília ainda anuncie novos incentivos em resposta ao IRA.

James Ellis, diretor para América Latina da consultoria de pesquisas especializada em energia BloombergNEF, avalia que, em geral, as empresas brasileiras que anunciaram investimentos nos EUA até agora são líderes nacionais e que o movimento segue uma lógica estratégica de aumentar a exposição ao enorme mercado de energia americano.

"O IRA é uma força poderosa e já está atraindo nomes importantes, mas não acho que isso quer dizer que o mercado brasileiro não seja atrativo. Essas empresas estão buscando diversificação nos EUA", afirma.

No segmento eólico, por exemplo, a Serena (ex-Omega Energia) anunciou o início da operação de uma usina no Texas no ano passado. A decisão de se expandir para os EUA, no entanto, já havia sido tomada antes do IRA.

Ellis ressalta que a demanda por energia renovável deve seguir crescendo para além do fim do IRA, vinda sobretudo dos setores de computação em nuvem, inteligência artificial e data centers.

Assim, o pacote acaba funcionando como um empurrão para empresas líderes se instalarem nos EUA, o que contribui para a meta americana de aproximar cadeias produtivas estratégicas e reduzir a vulnerabilidade percebida na pandemia –especialmente em relação à China.

Não à toa, quase metade dos projetos já anunciados em resposta ao IRA até agora tem origem totalmente estrangeira ou são uma parceria com uma empresa americana, segundo monitoramento feito pelo portal E2.

Lidera a lista de investidores estrangeiros a Coreia do Sul, seguida por Japão, Canadá, Alemanha e China –esta última, no entanto, deve perder espaço, conforme a exclusão de materiais críticos de origem de "entidades estrangeiras preocupantes", regulamentada no mês passado, entra em vigor.

Minerais críticos

O acesso das empresas brasileiras aos benefícios oferecidos pelo IRA poderia ser facilitado caso o país tivesse um acordo de livre-comércio com os EUA. Isso porque o pacote abre uma exceção na lógica "Made in America" para a importação de minerais críticos de parceiros, tendo em vista a falta desses insumos em território americano.

Não há nenhuma perspectiva de uma negociação para um acordo de livre-comércio entre Brasília e Washington, mas uma saída poderia ser um acordo limitado a esses minerais. Há precedente: os EUA fecharam uma parceria do tipo com o Japão. E também há outros países em busca de um acesso semelhante, como a Argentina, rica em lítio e cobre.

A embaixadora americana no Brasil, Elizabeth Bagley, afirmou em entrevista recente à Folha que uma parceria em minerais críticos está em discussão entre os países.

No mês passado, uma comitiva do Itamaraty liderada por Maria Laura da Rocha, secretária-executiva da pasta, esteve em Washington para uma reunião bienal com o governo americano, representado pelo secretário-adjunto do Departamento de Estado, Kurt Campbell.

Falando sob condição de anonimato, um diplomata sênior americano diz que o IRA foi discutido e que Brasília tem exercido grande pressão nesse ponto. Ele sinaliza, no entanto, que deve demorar um tempo até que os EUA estejam preparados para firmar uma parceria com o Brasil, considerando que o pacote ainda está em fase de evolução, bastante gradual, no próprio país.

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