Toyota vai abrir 2.000 vagas para fazer carros híbridos flex em Sorocaba, diz presidente da montadora

Evandro Maggio acredita nos modelos que usam gasolina, etanol e eletricidade, mas ainda não vê alternativa para picapes a diesel

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Sorocaba (SP)

A Toyota está prestes a fechar a fábrica de Indaiatuba (interior de São Paulo), mas fala em contratar 2.000 novos funcionários. A aparente incongruência é explicada pelos planos de curto e médio prazos, que incluem novos veículos com tecnologia híbrida flex.

Em entrevista à Folha, Evandro Maggio, primeiro brasileiro a comandar a montadora japonesa no país, revela os planos da empresa para destinar o investimento de R$ 11 bilhões em meio à transição energética.

Evandro Maggio, primeiro presidente brasileiro da Toyota no país, na sede da empresa, em Sorocaba (interior de São Paulo) - Ana Paula Paiva - 5.jun.2024/Valor/Agência O Globo

Por que a Toyota, que está no país desde os anos 1950, demorou tanto para ter um presidente brasileiro?
A Toyota tem mudado alguns fundamentos para estar cada vez mais presente no mercado local, fazendo do Brasil um hub de exportação para a América Latina. Então estabelecemos o nosso conceito de operação, que chamamos de Tilac [Toyota Latin America & Caribbean].

As operações do Brasil passaram a ter uma visão conjunta com as da Argentina, que tem 85% de sua produção exportada para abastecer a região. Da produção no Brasil, 40% também é exportada.

Houve ainda a movimentação de Masahiro Inoue [ex-CEO da Toyota na América Latina] para a Daihatsu, enquanto Rafael Chang [ex-presidente da Toyota do Brasil] se tornou o primeiro latino-americano a virar CEO na América Latina. Então eu tive a oportunidade de assumir a presidência da Toyota no Brasil.

Esse movimento é resultado de um processo de integração como um todo, em que o Brasil é uma peça fundamental com a produção dos veículos de passeio, enquanto a Argentina é outra peça, com sua produção de veículos comerciais.

É, na verdade, uma sequência de movimentos de integração regional e desenvolvimento, que traz consigo o investimento de R$ 11 bilhões no Brasil, com o objetivo de abastecer toda a região. Só para se ter um número, cerca de 85% de todos os carros vendidos na América Latina são produzidos entre Brasil e Argentina.

Além do Brasil e da Argentina, a Toyota tem fábricas em outros países da região?
Temos na Venezuela, basicamente para atender ao mercado local. Tivemos também no Peru, mas foi fechada.

Neste momento, a Toyota passa por um processo de fechamento no Brasil, com o fim da produção em Indaiatuba. A empresa fechou um acordo com o sindicato local, mas será possível aproveitar parte da mão de obra em Sorocaba [interior de São Paulo]?
Partimos do conceito de transferência. A nossa ideia seria que 100% das pessoas que estivessem em Indaiatuba viessem para Sorocaba, e temos espaço para absorver esse pessoal —além de gerar mais 500 novos empregos agora e outros 1.500 em um segundo momento.

Todas essas vagas seriam em Sorocaba ou a conta inclui a cidade vizinha de Porto Feliz, onde está a fábrica de motores da Toyota?
Só em Sorocaba. Mas imaginamos que nem todo mundo gostaria de fazer essa transição, porque há funcionários que, por exemplo, já estão próximos da aposentadoria, e também aqueles que desejam empreender. Nós sempre temos a política de dar opções.

A negociação com o sindicato levou quase dois meses, e fechamos uma proposta que foi validada e aprovada em assembleia. Agora, iniciamos as entrevistas individuais para ver o que cada um quer decidir. Mas a nossa proposta inicial sempre foi ter emprego para todo mundo, inclusive vamos ter que contratar se as pessoas não vierem.

O ponto mais importante dessa transferência é que a fábrica de Indaiatuba já não comporta os planos que nós temos.

Ainda há alguma produção naquela unidade?
Sim, do Corolla sedã, enquanto a versão Cross é feita em Sorocaba.

A fábrica de Indaiatuba tem uma capacidade de mais ou menos 75 mil veículos por ano, mas nós temos o plano de um novo veículo especialmente feito para o Brasil. Ao olharmos para uma possível expansão, vemos que há uma limitação geográfica por causa do terreno.

E existe uma questão de tecnologia, seria preciso retirar alguns equipamentos daquela planta e trocá-los por novos. Isso significaria uma parada de, aproximadamente, 30 meses.

Entendemos também que a sinergia com o parque de fornecedores seria melhor se tudo estivesse tudo concentrado na fábrica de Sorocaba. Esses foram os motivos. Nós precisávamos expandir, mas a capacidade era limitada. Existiam restrições tecnológicas e de área.

Mas uma operação como essa envolve também interesses locais, já que afeta todo um município. Há planos para vender o espaço da fábrica? Caso sim, quando esse processo será iniciado?
Nós temos, sim, a ideia de dar um destino para a área de Indaiatuba, mas essa não é uma prioridade por ora. A nossa prioridade, primeiro, é fazer uma boa comunicação com o pessoal da fábrica, com os nossos colaboradores, definir direitinho o que eles pretendem como planejamento de vida. Queremos fazer a transferência da fábrica de uma maneira tranquila. Quando tivermos tudo acertado, pensaremos em vender.

Com o investimento de R$ 11 bilhões para a produção de novos modelos, como vai ficar o mix de carros no Brasil? A Toyota pretende produzir mais versões híbridas flex? E há planos para produzir um veículo 100% elétrico no país?
A nossa estratégia prevê que todos os produtos lançados daqui para a frente tenham uma versão híbrida flex para atender ao mercado doméstico. O Brasil vai se consolidando para essa alternativa, e nós entendemos que, por ora, é a mais adequada para o mercado nacional.

Alguns estudos recentes que temos visto apontam a competitividade do híbrido flex na parte de emissões. Outros trabalhos até mostram que, dependendo de como é feita a medição, essa opção passa a ter menos emissões de carbono do que o veículo puramente elétrico, devido ao processo de fabricação da bateria. E quando é feita a medição do poço à roda, os dois são equivalentes.

Portanto, nós entendemos que o híbrido é uma solução que atende à descarbonização a um custo muito menor. O mercado vai conviver com várias tecnologias? Vai. No final, quem vai decidir qual tecnologia vai prevalecer será o cliente, porque ele vai ter um gosto em particular, vai ter uma necessidade em particular. É preciso ter espaço para todas, mas a Toyota, por enquanto, se concentra no híbrido flex.

Considerando as possibilidades de melhorar a eficiência energética e estimular o uso de combustível renovável, a Toyota pensa na produção de um modelo híbrido a etanol, sem ser flex?
Todos os movimentos serão observados com cuidado. Se for uma necessidade de mercado, se for algo que o cliente realmente venha a pedir, vamos ter que estudar e sempre estar acompanhando as tendências. Existem algumas movimentações, algumas conversas de que montadoras estejam preparando versões específicas, mas nós ainda acreditamos que o flex é uma solução bem balanceada.

Em relação aos utilitários de maior porte: a Toyota já ofereceu versões flex das linhas Hilux e SW4, mas essas opções foram deixadas de lado. Hoje, com os chineses já tendo anunciado utilitários híbridos flex, como as picapes GWM Poer e BYD Shark, a Toyota poderia oferecer modelos que possam rodar com etanol, gasolina e eletricidade?
Todas essas possibilidades estão sempre no nosso radar, estamos sempre monitorando, estudando e vendo possíveis alternativas. O que cabe aqui falar é que o diesel tem uma questão de praticidade, uma viabilidade incrível. É a condição de um veículo comercial que precisa percorrer longas distâncias, ter autonomia e rede de distribuição. Existem muitas variáveis que tornam a substituição do diesel um pouco mais complexa que a da gasolina.

A eletrificação ou as novas tecnologias de combustíveis para as picapes terão de lidar com variáveis como praticidade, eficiência e disponibilidade.

No passado, um dos problemas das picapes flex foi a rejeição devido à baixa autonomia quando abastecida com etanol. Era apenas uma questão de eficiência?

O diesel atingiu um ponto de maturidade em que é, realmente, uma solução viável de todos os lados, exceto na questão das emissões. Entendemos que vai haver substituição para ele, mas essas rotas precisam de um tempo maior de amadurecimento.

O próprio etanol teve um ciclo um pouco longo de amadurecimento. Passamos pelo Proálcool, depois houve a crise de desabastecimento, depois voltou ao normal e surgiu o veículo flex. Hoje temos uma situação muito estabilizada, mas se a gente olhar a história, esse processo não foi tão suave.

Talvez o diesel passe por uma situação parecida, e, com o aumento do custo —hoje, tem o mesmo valor da gasolina—, esse jogo pode começar a virar.


RAIO X | Evandro Maggio, 57

Graduado em letras pelo Centro Universitário Ibero-Americano e em planejamento e controle de produção pela Fatec (Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo). Concluiu ainda a pós-graduação em finanças & contabilidade na FGV (Fundação Getúlio Vargas). Está na Toyota desde 2005, onde começou na área de pós-venda.

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