Se é para dar incentivos fiscais errados, melhor não ter, diz Jorge Gerdau

Empresário diz que o Brasil está mais de 30 anos atrasado na competitividade global

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São Paulo

Ciente das limitações que a idade traz, o empresário Jorge Gerdau procura evitar qualquer atividade que o coloque em risco de ter que pausar a rotina diária de trabalho e exercícios físicos. Ele prefere não desafiar a natureza, como relatou à Folha em um papo mais informal antes da entrevista no escritório de sua assessoria de imprensa, em São Paulo.

Aos 87 anos, o ex-presidente da siderúrgica que leva seu sobrenome é ativo nos debates com representantes da política, e defende que os empresários participem mais das discussões cruciais para a competitividade do país.

Empresário Jorge Gerdau, ex-presidente da Gerdau e presidente do conselho superior do MBC (Movimento Brasil Competitivo)
Retrato do empresário Jorge Gerdau, ex-presidente da Gerdau e presidente do conselho superior do MBC (Movimento Brasil Competitivo) - Zanone Fraissat/Folhapress

Presidente do conselho superior do Movimento Brasil Competitivo, o empresário diz que há problemas estruturais no Brasil que atrasam a competitividade e cita como exemplo a reforma tributária. A demora na aprovação da medida fez com que o Brasil estivesse hoje mais de 30 anos atrasado na comparação com países como a França, segundo ele.

Defensor de um Estado mais preocupado com a "macrolegislação dos interesses sociais e econômicos", Gerdau acredita que a execução da economia deve estar a cargo da iniciativa privada. "O setor privado sempre faz melhor e mais barato", diz.

Para ele, os incentivos fiscais podem ser instrumentos para o desenvolvimento de setores importantes para o país, desde que sejam implementados apenas como medidas provisórias, e seguindo estratégias.

"Eu acho que a política estratégica de incentivos não pode depender de uma eficiência maior de lobby", afirma. "Entre dar incentivos errados e não ter, eu diria que é melhor não ter."

Morador do Rio Grande do Sul, estado onde surgiu a siderúrgica Gerdau, o empresário se diz bastante preocupado com o futuro do estado. Confira esse e outros trechos da entrevista.

O sr. defende muito que os empresários têm que participar da política. Como deve ser essa participação, na sua opinião?
Dentro do processo político, normalmente, existe toda uma pressão do desenvolvimento social pela sociedade. Mas esse sucesso do desenvolvimento social passa pelo sucesso econômico. E aí, pela minha experiência de trabalho, eu entendo que a participação do empresário —dando sua visão, sua opinião— é muito importante para contribuir com essa experiência do mundo real do empresariado para o entendimento das decisões políticas.

E eu acho que, nesse aspecto, há espaços de aprimoramento nessa relação. Isso é uma visão um pouco crítica, mas eu acho que o país se prejudica pela insuficiente participação do debate na formação global das políticas.

Essa insuficiência ocorre porque os empresários não estão participando do debate como deveriam ou os políticos que não dão abertura para os empresários?
Eu não sei se eu sei responder isso. É difícil. Porque eu, pessoalmente, tenho tentado participar desses debates. O setor empresarial tem uma eficiência razoável naquilo que pertence ao interesse dos setores. Então, as entidades setoriais fazem seu trabalho. Mas eu diria que, na macropolítica, existe uma deficiência desse debate, da visão estratégica empresarial sobre as prioridades que a competitividade internacional exige. Eu acho que esse diálogo é insuficiente.

O que falta para o Brasil melhorar a competitividade?
Eu vou dar um exemplo prático sobre isso da reforma tributária. Nós somos o 175º país que fez a conversão para o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), e ainda vamos fazer com dez anos de maturação. Quando nós criamos o ICM no Brasil (o S, de ICMS, veio depois), há mais de 30 anos, a França, dois anos depois, começou já a criar o IVA. Então, temos aí um atraso de 30 e tantos anos.

O IVA é um imposto que consegue fazer exportação sem carga tributária. E o mundo da competição não aceita cargas tributárias. Não dá para querer exportar o nosso imposto. E o Brasil é um dos últimos países que está mudando isso. Isso causa um prejuízo estrutural, competitivo, internacional e que praticamente não é debatido no Congresso ou mesmo nas áreas técnicas do Ministério de Indústria e Comércio.

E aí você me pergunta quem é o maior culpado. Eu acho que nós todos somos.

Na visão da minha vida empresarial, para você ser competitivo, você tem que fazer benchmark [padrão de referência]. Quando eu trato das políticas do país, eu tenho que fazer benchmark mundial. Eu tenho que olhar os maiores e melhores países do mundo para entender como é a estrutura de condução macropolítica do campo trabalhista, do campo tributário, do campo energético, do campo da logística, na estrutura educacional, na estrutura social, na estrutura de custos.

Esse debate, praticamente, no Brasil não existe. Se eu pegar o salário do operário. Em nenhum lugar do mundo se usa o salário do operário como instrumento arrecadatório.

Isso vai acontecer no Brasil caso ocorra a reoneração da folha de pagamento?
Nós estamos continuando a fazer coisas medievais. Por isso que é tão interessante o tema Custo Brasil. Não pode o operário levar para casa apenas a metade do que custa ao empregador, e ainda a carga tributária do salário ser ao redor de 30%. Então, somando estes itens todos —a cumulatividade de impostos, a energia, o salário do operário—, nós chegamos, no trabalho feito pelo Movimento Brasil Competitivo, a um valor, com a inflação, de R$ 1,7 trilhão por ano de encargo com alocações erradas.

Eu perguntei anteriormente sobre a participação do empresariado na política. E o oposto disso, qual a sua visão sobre a presença do Estado na economia?
Eu diria que a presença do Estado tem que ser na macrolegislação dos interesses sociais e econômicos. Mas a execução, o setor privado sempre faz melhor e mais barato.

E o que o sr. acha dos incentivos fiscais, especialmente do jeito que eles são implementados no Brasil?
Eu não sei se isso aí tem uma resposta simples. Porque, em termos de macroeconomia do país, eventualmente, se eu tenho um setor atrasado e analiso que esse setor estruturalmente é de alto interesse do país, eventualmente eu posso ter temporariamente incentivos. Mas, de forma geral, eu acho que a política estratégica de incentivos não pode depender de uma eficiência maior de lobby. Então, eu não posso dizer que não pode ter incentivos. Mas, entre dar incentivos errados e não ter, eu diria que é melhor não ter.

O mundo tem passado por mudanças cada vez mais rápidas. O sr. já viveu muitas evoluções tecnológicas e culturais ao longo da sua história. Quais delas mais te impressionou?
Eu diria que o maior fenômeno é essa alteração das tecnologias digitais. Elas possibilitam uma alteração de produtividade e redução de custos. O interessante é que ela é tão grande que eu acho que ninguém consegue definir o que vai acontecer nos próximos anos em função dessa alteração estrutural.

Mas se eu não defino meus propósitos macroeconômicos e macrossociais, eu também não vou saber discutir como fazer a evolução acelerada das tecnologias em relação ao que existe potencialmente no país. E aí, talvez, um dos grandes problemas, talvez o pior de todos, é no campo da educação.

Não tem cabimento que no mundo, normalmente, tenha-se uma formação de educação profissional ao redor de 50% —tem países que têm até 70%— e nós, no Brasil, temos um índice ao redor de 11%. Qual é a falha desse processo?

A educação básica, que socialmente é a mais importante, não poderia ficar na responsabilidade das prefeituras. Eu diria que, na execução, provavelmente, eu usaria o setor privado. Eu vou te dar um número. O aluno das melhores escolas privadas que eu conheço em Porto Alegre custa a metade do que custa o aluno da prefeitura. E a formação não corresponde ao custo.

Então, o que o mundo faz da educação? Vamos tentar fazer semelhante.

O sr. costuma olhar muito para fora e é interessante que foi justamente na sua gestão à frente da Gerdau que a empresa se internacionalizou. Como foi esse processo?
Eu acho que o primeiro processo foi de nacionalização. Nossa base inicialmente era no Rio Grande do Sul. Mas nosso produto é um produto que a logística pesa muito, e aí nós, para podermos competir nacionalmente, chegamos à conclusão que deveríamos sair do Rio Grande do Sul.

E a segunda etapa foi quando nós atingimos um número dentro do cenário de mercado nacional com níveis de competitividade extremamente elevadas de empresas internacionais. Então, o crescimento nacional bateu um pouco no teto e nós fomos olhar o que se poderia fazer internacionalmente, e aí nós fomos para a internacionalização.

Mas aí teve também mais um fator cultural, foi um pouco de sorte da família Gerdau, que a minha mãe casou com um inspetor geral do Deutsche Bank para a América Latina. Então, depois da guerra, ele entrou no negócio e entrou com uma visão internacional. Isso nos deu uma abertura intelectual, de curiosidade.

Agora falando de governança das empresas, o Brasil tem essa característica muito forte de empresas familiares, e a Gerdau é um grande exemplo. Como garantir a boa governança e não misturar assuntos familiares nos negócios?
Isso é um tema muito complexo. Tem um estudo de Harvard que indica que as empresas familiares têm uma rentabilidade média de 15% a 20% superior em relação às empresas totalmente abertas. Mas tem um outro lado. Tem uma frase popular que diz: ‘pai pobre, filho rico, neto falido’.

Então, tem que ver se o neto tem "calo do balcão" ou não, como diria o Maluf. E, olha, fazer ter calo do balcão exige sacrifício. E a abundância de dinheiro é inimiga disso.

Acho que em termos acadêmicos não é debatido isso, mas o que define o sucesso das empresas é o domínio do core business [atividade principal da empresa]. No meu entender, o sucesso das empresas passa pelo domínio absoluto do core business.

Vou entrar em um tema delicado, mas os conselhos de administração no Brasil chegam às vezes a ser 100% ocupados por especialistas financeiros. Eu acho que a gestão financeira é decisiva na evolução de construção de negócios. Mas o que define o sucesso da empresa é a atualização e competência do core business.

Sobre mercado de trabalho. Os idosos têm sido cada vez mais excluídos dos empregos formais. Como o sr. enxerga isso?
É um tema interessante, porque, quando eu comecei minha vida empresarial, a idade média do Brasil era de 50 e poucos anos. Hoje no Brasil já estamos batendo lá nos 76, 78 anos. E continua subindo. As contas não fecham mais. Porque hoje, com essa elevação, os nossos próprios programas de aposentadoria no Brasil já estão dez anos atrasados.

Olha o exemplo da França, que não aceitou dois anos de aumento de aposentadoria, mas a idade média, provavelmente, cresceu 15 anos. As contas não fecham.

Nós temos aí um fenômeno que, provavelmente, cada vez mais gente vai ter que trabalhar com mais idade. Então, os processos de atualização e capacitação em relação às novas tecnologias têm que acontecer em todos os níveis.

Agora, inevitável não falar com o sr. da tragédia no Rio Grande do Sul. Na sua visão, quais são as perspectivas de reconstrução do estado?
Nós estamos ainda no momento de análise da dimensão do processo. Ainda é imensurável, tem cidades que 80% foram destruídas. O dinheiro para a reconstrução tem dimensões que, sem uma política nacional para ajudar, o Rio Grande do Sul sozinho não consegue.

Eu estou muito preocupado, porque eu não senti ainda uma atitude de debate da realidade.

Quando o sr. acha que o Estado vai poder ser reconstruído completamente?
Eu acho que é uma tarefa de anos e anos. Ainda mais porque não tem um plano concreto. A gente não vê eles discutindo. O certo seria ter um apoio do governo federal. Mas como o governo federal está com uma escassez financeira própria muito grande, não existe ambiente de muita benevolência em relação ao problema do Rio Grande do Sul. Mas a verdade é que eu acho que é um tema de centenas de milhões. E nós estamos ainda falando em dezenas de milhões.

Os governos do Brasil, de um governo para o outro, quando fazem um plano habitacional de melhoria de 15 mil casas, eles fazem isso como um baita evento. Isso não é nem perto a realidade hoje no Rio Grande do Sul. Então é por isso que eu estou bastante preocupado. Que angústia.


RAIO-X | Jorge Gerdau Johannpeter, 87

Empresário e presidente do conselho superior do Movimento Brasil Competitivo. É bisneto de João Gerdau, fundador da empresa brasileira que herdou seu sobrenome. Jorge Gerdau foi presidente da siderúrgica na quarta geração da família no comando da companhia. Foi considerado pela Revista Época um dos cem brasileiros mais influentes e ficou em primeiro lugar entre os cem líderes de melhor reputação do Brasil, segundo ranking da Exame.

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