Economista defende teto na arrecadação, e não na alíquota, para preservar benefício da cesta básica

Roberto Giannetti da Fonseca apoia antecipar transição na reforma tributária para acabar com ICMS mais cedo

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São Paulo

O economista Roberto Giannetti da Fonseca, que trabalhou junto à Abras (Associação Brasileira de Supermercados) nos debates sobre a reforma tributária, afirma que o teto na alíquota de referência dos novos tributos coloca em risco a desoneração da cesta básica.

Em especial, a isenção para as proteínas animais, aprovada nos últimos minutos da votação do projeto de regulamentação da reforma, no dia 10 de julho, pela Câmara dos Deputados, mas que ainda depende do aval do Senado.

Giannetti da Fonseca, que é presidente da Kaduna Consultoria, defende usar como teto o valor nominal da arrecadação dos tributos envolvidos na reforma, de R$ 1,383 trilhão, corrigido anualmente pela inflação.

"Melhor fazer isso do que falar desse 26,5%, que pode se tornar inexequível. Porque se você tem um maior consumo de produtos isentos ou de alíquota reduzida, é claro que vai cair o valor nominal da arrecadação. Dá um problema fiscal. E aí vai fazer o quê? Vai dizer, então tem que tirar produto da cesta básica", afirma o economista em entrevista à Folha.

Roberto Giannetti da Fonseca, presidente da Kaduna Consultoria - Bruno Santos-10.ago.2018/Folhapress

A emenda constitucional da reforma, aprovada em 2023, prevê um teto de referência para o cálculo da alíquota dos novos tributos. Esse limite considera a manutenção da carga sobre o consumo, com base na média da arrecadação no período de 2012 a 2021, como proporção do PIB.

Os deputados incluíram no projeto de regulamentação da emenda um segundo limite. Nesse caso, para a alíquota, que ficaria em até 26,5%. Se o percentual não for suficiente para manter a arrecadação, caberá ao Poder Executivo encaminhar ao Congresso proposta para cortar benefícios fiscais.

O economista diz que há uma obsessão com a questão da alíquota. "Como se isso fosse a coisa mais importante do mundo. Não é. Nós temos um conceito de neutralidade. Significa manter a carga tributária no nível que ela é."

Ele afirma que uma alíquota única sobre o consumo ficaria em torno de 20% (mesma estimativa feita pelo Ministério da Fazenda), mas que esse patamar seria muito elevado e inaceitável se aplicado a todos os produtos.

A inclusão das carnes da cesta básica tem um impacto de 0,57 ponto percentual na alíquota, segundo estimativa do Banco Mundial, valor próximo do 0,53 ponto calculado pela Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária. Com isso, a soma dos novos tributos iria para mais de 27%. Giannetti diz que o impacto calculado por ele é de apenas 0,18 ponto.

A divergência entre os números do governo e dos setores beneficiados pela isenção foi tema de um debate na residência oficial do presidente da Câmara dos Deputados no dia da votação do projeto, no qual técnicos da secretaria e também da Receita Federal explicaram aos parlamentares como funciona o modelo do Fisco, que utiliza metodologia do FMI (Fundo Monetário Internacional), dados das notas fiscais e das Contas Nacionais Trimestrais.

Giannetti diz que a secretaria não colocou nas contas as informações sobre vendas nos supermercados e os regimes especiais de ICMS que desoneram as carnes em vários estados. A secretaria diz que esses dados estão considerados nos seus cálculos, que também levam em conta a tributação cumulativa na cadeia produtiva que não aparece nas notas fiscais.

A isenção aprovada na Câmara vai zerar a arrecadação que existe hoje sobre as carnes com o ICMS, tributo que será extinto em 2033 com a reforma, no valor de quase R$ 4 bilhões, segundo o economista.

A proposta inicial do Ministério da Fazenda era uma alíquota reduzida para as carnes, estimada em 10,6%, o que já representaria uma desoneração, segundo cálculos da pasta.

O governo e o Banco Mundial defendiam desonerar apenas o um terço da população de menor renda, devolvendo imposto por meio do cashback, proposta rejeitada pelo setor privado.

Em artigo publicado pela Folha, a economista principal do Banco Mundial para o Brasil, Shireen Mahdi, disse que as ampliações da cesta básica podem ser uma maneira ineficiente de ajudar os mais pobres e que um cashback bem direcionado beneficiaria mais as pessoas de menor renda.

FIM DO ICMS

Giannetti também defende antecipar o fim do ICMS, previsto para 2033, após o período de transição da reforma. Assim, a desoneração da cesta entraria em vigor mais cedo.

Em 2023, esse imposto gerou uma arrecadação de R$ 3,6 bilhões considerando os valores cobrados diretamente sobre a indústria e os supermercados nas operações com proteínas animais, segundo o economista.

Para antecipar a transição, seria necessário resolver a questão das empresas com benefícios fiscais garantidos por lei até 2032, que segundo ele representam uma minoria e podem ser ressarcidas pelo Estado.

"A reforma tributária e sua regulamentação, em discussão no Congresso Nacional, representa um grande avanço na estrutura tributária brasileira", afirma. "Temos agora de aprimorar aquilo que continua nos despertando preocupação. Por exemplo, o período de transição excessivamente longo. Se a reforma é boa, quanto antes, melhor."

Giannetti propõe um modelo de transição, comparando a convivência entre dois sistemas com a URV (Unidade Real de Valor), que vigorou por alguns meses em 1994, antes da entrada em circulação do real.

"Você continua com o sistema atual, mas simula através de uma plataforma digital, que recebe inputs de todas as notas fiscais eletrônicas, o que seria a arrecadação. Faz uma calibragem mais certeira das alíquotas múltiplas que vão ser aplicadas. Um processo de dois anos seria suficiente."

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