Descrição de chapéu Entrevista da 2ª

É preciso regular influenciadores, diz sócio de Felipe Neto

À frente da Play9, João Pedro Paes Leme defende restrições para coibir uso abusivo de IA

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Rio de Janeiro

Se o choque geracional entre os mais velhos e a geração Z (nascida de 1995 a 2010) for um dos seus principais assuntos de debates e fofocas no cafezinho, imagine-se por um segundo no lugar de João Pedro Paes Leme.

O executivo de 55 anos é CEO da Play9, mediatech de conteúdo e influenciadores. Na empresa, 52% dos funcionários são da geração Z, cerca de 40% são millennials (nascidos entre 1980 e 1995) —enquanto os integrantes da geração X (entre 1965 e 1980) e os baby boomers (1946 a 1964) amargam solitários 5%.

João Pedro Paes Leme, CEO da Play9, no escritório da empresa no Rio
João Pedro Paes Leme, CEO da Play9, no escritório da empresa no Rio - Alex Santana/Divulgação

"Sou uma exceção ali", ri ele, que tem Felipe Neto (mais um millennial) como um dos sócios-fundadores na empreitada, ao lado de Marcus Vinicius Freire (boomer), ex-diretor do COB (Comitê Olímpico do Brasil).

Jornalista, Paes Leme trabalhou por duas décadas na TV Globo, onde chegou a ser diretor-executivo de esportes. Criou a Play9 com os dois sócios há cinco anos e viu a empresa crescer 90% no último biênio —chegando a um faturamento de R$ 146 milhões em 2023.

A mediatech tem em seu time tanto nomes nascidos na internet, como Valentina Bandeira e Matheus Costa, quanto celebridades que vieram da TV, caso de Fátima Bernardes, Angélica e Galvão Bueno.

A Play9 se empenhou em um de seus principais projetos do ano: a cobertura das Olimpíadas de Paris, em parceria com o YouTube e o COB, com um time formado principalmente por influenciadores, mas também por alguns jornalistas decanos de coberturas olímpicas, como Fátima Bernardes e Tino Marcos.

Paes Leme conversou com a Folha durante o Rio2C, evento da indústria criativa que ocorreu na capital fluminense no fim de maio. Na entrevista, ele explica os planos da empresa, defende que brasileiros aprendam com influenciadores chineses, apoia a regulação desse mercado e conta o que aprendeu sendo chefe de uma multidão de novinhos.

Uma pesquisa recente da Youpix com a Nielsen indicou que as marcas estão botando o pé no freio no mercado de influência. Enquanto isso, a Play9 tem a meta de dobrar de faturamento nos próximos dois anos. Nesse cenário, o plano é realista?
Houve uma interpretação enviesada dessa pesquisa. Olhei o levantamento em detalhes, e ele é positivo para o mercado. Algo que gerou um pouco de desconforto foi o fato de algumas marcas preferirem gastar o mesmo valor —ou um pouco mais— com um número menor de influenciadores.

À medida em que esse segmento amadurece, há uma pirâmide: no topo, estão os influenciadores, nativos digitais ou não, que emprestam sua credibilidade ou seu histórico [às marcas].

Essa é a minoria dos influenciadores. É natural que as marcas os escolham para determinados tipos de ações.

Por outro lado, a mesma pesquisa mostra uma necessidade de capilarização —e isso só se faz com a base dessa pirâmide. Algumas marcas vão preferir negociar com menos influenciadores e outras, que estão no meio do caminho, vão precisar testar mais figuras.

Fiz prints da pesquisa. Por sete anos, o marketing de influência tem crescido de relevância nos planos de comunicação: 41% das empresas declaram que influencers são parte central de sua estratégia. Gastava-se 67% com influenciadores em 2017, e em 2024 se gasta 76%.

E como a estratégia de crescimento de vocês se encaixa nisso?
Vamos fazer uma aposta muito grande nas duas pontas da pirâmide. Na de cima, os contratos mais recorrentes e os publiposts, que mantêm a empresa rodando.

Na parte de baixo, que tem mais nichos e menos seguidores, estamos apostando no Play Nest, que é nossa ferramenta de microinfluenciadores. Esse segmento é a próxima fronteira de diluição do dinheiro da publicidade.

No primeiro momento, esse dinheiro saiu de grandes veículos de comunicação e foi para o digital —no começo, com páginas, blogs, portais.

Nos últimos cinco anos, a novidade foram os influenciadores. No princípio desse movimento, era como se você tivesse Globos dentro do digital —ou seja, grandes audiências concentradas em poucas pessoas, como o Felipe Neto e o Whindersson Nunes.

Isso foi se diluindo pela tal pirâmide. Hoje, o que podia ser uma campanha de R$ 500 mil agora pode ser uma de R$ 300 mil para esse cara e outros R$ 200 mil para serem diluídos em 20 pessoas.

Você tem apontado uma diferença entre os mercados de influência nos Estados Unidos e na China. Qual é a particularidade de cada um e qual caminho o Brasil deve tomar?
Nosso mercado é mais próximo do americano, que é baseado em conteúdo. No chinês, antes de ser um influenciador, o cara é um vendedor.

O brasileiro ainda não começou, mas vai surfar essa onda. Hoje, você vê quem são os bons vendedores: a Virgínia, a Boca Rosa, a Carol Bassi… São normalmente os nichos de moda e beleza.

O influenciador [hoje] está gerando conteúdo por conteúdo, algo meio baseado nas narrativas de televisão e cinema. Então, há certa dificuldade em dizer: "Agora, aqui está o seu cupom, R$ 9,90".

O brasileiro está percebendo que beber dos dois modelos seria um salto na carreira dele e não uma prostituição do conteúdo. Mas claro que a barreira não vai ser rompida de repente.

A Play9 tem comandado a transição para a internet de celebridades da TV, como Fátima Bernardes e Galvão Bueno. Como é esse caminho da mídia tradicional para as redes?
Chamo essas figuras de intuitivos digitais. É uma geração que quer fazer [um trabalho nas redes], às vezes já começou, mas não sabe direito o que fazer. Às vezes, elas têm milhões de seguidores, que são produto do que elas foram na TV aberta.

Essa migração tem um lado fácil, que é se apropriar de figuras públicas que, ao longo do tempo, pensaram na sua credibilidade, na sua imagem, e transpô-las para o digital. E tem o lado difícil, que é mostrar para essas pessoas que a embocadura não é a mesma, o jeito de falar não é o mesmo, o jeito de se comportar diante da câmera é mais solto —e tudo isso é a antítese do que eles aprenderam.

A cobertura do Carnaval na Globo, com influenciadores, foi bastante criticada. Vocês terão preparado, em parceria com o YouTube e o Comitê Olímpico, uma cobertura dos Jogos de Paris. Quais cuidados estão tomando?
Nosso projeto tem uma diferença em relação ao Carnaval da Globo. O que você faz quando você tem o "mainstream" da transmissão tem que ser mais cuidadoso do que quando você faz os arredores.

Não vamos fazer a transmissão das Olimpíadas, vamos fazer os arredores. Primeiro, fizemos uma composição para termos uma plataforma segura para transmissões ao vivo, que é o YouTube. E, em segundo lugar, [um arranjo] para que tivéssemos acesso a atletas brasileiros.

Nem começaria a pensar um projeto muito maluco em torno da transmissão em si. Essa cobertura [principal] pode ser divertida, mas não é lugar de fazer piada o tempo todo.

Já nos arredores há uma abertura maior para essa coisa mais solta. É o que pretendemos fazer. E vamos ter jornalistas: a Fátima Bernardes, o Tino Marcos, o Clayton Conservani. Quisemos fazer esse combo, trazendo gente que já cobriu várias Olimpíadas.

Temos visto cada vez mais filmes, documentários e podcasts sobre influencers golpistas. Um reflexo de um mercado cheio de criadores que divulgam produtos duvidosos ou sem respaldo científico. Vem aí uma ressaca dos influenciadores?
Acho que não. O que vem aí é uma necessidade de regulação desse mercado. É uma discussão enorme e muito necessária. Esse mercado precisa de leis e ordem —principalmente diante do uso abusivo da inteligência artificial.

Vi casos de montagens com pessoas sérias, até jornalistas, fazendo propaganda de produtos. O cara pega um avatar da pessoa, faz a boca mexer falando outra coisa… Mas, para 80% da população, aquilo fica parecendo verdade.

O modelo francês de regulação talvez seja exagerado demais, seria um pouco restritivo. Mas vai chegar o momento em que esse mercado vai separar o joio do trigo. E essa organização não vai acontecer de maneira orgânica, vamos precisar de instituições que puxem essa conversa.

Há um debate na sociedade sobre os prejuízos das redes à nossa saúde mental, especialmente a dos jovens. As redes sociais vão virar o novo cigarro?
Não iria tão longe. Se você olhar o que a televisão foi para a minha geração... Meus pais tinham que me tirar da frente da TV, diziam que era uma caixa de fazer maluco. Com o celular e as redes sociais, passamos a viver algo que nunca tinha existido.

Vai acontecer naturalmente um fenômeno de educação dos próprios pais. Acho que está na mão deles, muito mais do que uma intervenção por uma lei.

As mídias sociais em algum momento são uma dopamina em excesso, me preocupo bastante com isso. Devemos imaginar qual é o tempo saudável de as pessoas passarem diante de um celular. Crianças deveriam ter um limite.

Temos ouvido muitos relatos de um choque geracional no mercado de trabalho, especialmente com a geração Z —um grupo muito presente nesse mercado de influência. Como você, CEO de uma empresa dessa área, lida com essa geração?
Fizemos um censo da empresa meses atrás. Sou uma exceção ali: 52% da Play9 é formado pela geração Z, cerca de 40% é millennial e 5% é da geração X ou baby boomer.

Percebo coisas muito diferentes nesse convívio. Primeiro, vejo o quanto para a geração Z é melhor estar em home office —o que, para mim, é muito pior. Acho que 85% dos funcionários trabalham remotamente.

Em segundo lugar, acho que é uma geração mais frágil do ponto de vista das relações de trabalho, é preciso ser muito cuidadoso quando se fala com eles. Tento ser carinhoso, porque percebo que, para eles, o cuidado é parte do processo de trabalho.

Isso foi muito encantador para mim. Prego a liderança pelo afeto, e acho que essa geração me ajudou a botar isso em prática. Óbvio que uma hora você quer explodir e, eventualmente, explode, mas aí você vê que não pode ser completamente maluco.

Aos 55 anos, a galera vai achar que é uma liderança completamente enlouquecida. Essa é uma percepção que, na nossa época, os outros [chefes] não tinham conosco. Não sei se é uma fragilidade ou uma fortaleza você querer trazer para o trabalho algo mais próximo da sensibilidade, não só da brutalidade do dia a dia.

É um ambiente de muita criatividade. Permitimos que a empresa seja um embrião de talentos que não são necessariamente o que as pessoas chegaram ali para desempenhar. O Fabão era roteirista da Play9 e hoje está entre os dez maiores faturamentos da empresa em 2024. É assim que eu tento lidar com esse encontro geracional.


RAIO-X

João Pedro Paes Leme, 55, é CEO da Play9, mediatech que fundou em 2019 com o youtuber Felipe Neto e Marcus Vinicius Freire, ex-diretor do Comitê Olímpico do Brasil. Jornalista de formação, Paes Leme começou a carreira no Jornal do Brasil, que depois trocou pela TV Globo, onde trabalhou durante 20 anos. Foi repórter e correspondente, chegando ao posto de diretor-executivo de esportes da emissora.

O jornalista viajou a convite do Rio2C

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