Aéreas pagam por combustível sustentável usado por outras empresas enquanto produção patina

Diante de baixa produção de SAF, companhias cobrem parte do custo e reivindicam créditos de carbono

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São Paulo

Companhias aéreas passaram a pagar pelo SAF (combustível sustentável de aviação) usado por outras empresas do setor como alternativa para cumprir as metas de descarbonização discutidas por entidades e governos. Essa foi uma das soluções encontradas diante da baixa produção mundial de combustível limpo –que é praticamente escassa no Brasil.

No acordo, chamado de "book and claim" (reserve e reivindique, na tradução), a companhia cobre parte do preço do combustível sustentável comprado por outra operadora aérea e, dessa forma, consegue receber os créditos de carbono advindos dessa compensação, mesmo que não utilize combustível limpo em sua frota de aviões.

Um avião está decolando ou pousando sobre uma área urbana, com prédios altos ao fundo. O avião possui uma pintura em tons de cinza e laranja, e a cidade é visível com uma densa concentração de edifícios. O céu está claro, mas com uma leve neblina.
Avião no aeroporto de Congonhas - Bruno Santos/15.mar.24/Folhapress

Por sua vez, a companhia aérea que de fato usou o combustível sustentável terá pago, ao final do processo, somente o preço equivalente ao querosene tradicionalmente usado na aviação, que é mais barato, mas polui mais.

A Gol concluiu neste ano o acordo de "book and claim" com a distribuidora Vibra, feito por meio da plataforma RSB. À Folha, a Vibra disse que, desde a divulgação da iniciativa, viu crescer o interesse pelo mecanismo.

"Clientes de diferentes segmentos da aviação vieram nos procurar para entender melhor como funciona o 'book and claim' e como esse mecanismo pode ajudá-los em suas ações de redução de emissões, sobretudo enquanto ainda não há disponibilidade de SAF físico no Brasil", diz a empresa em nota.

A distribuidora afirma que ainda não tem novos acordos fechados com outras companhias aéreas, mas aposta em novas iniciativas no futuro.

O certificado adquirido pela Gol equivale a 50 toneladas de SAF. Segundo a companhia, o volume abasteceria somente dez voos da ponte aérea, que liga São Paulo e Rio de Janeiro, operados pela empresa diariamente.

Segundo Eduardo Calderón, diretor do centro de controle operacional e engenharia da Gol,, esse primeiro acordo funcionou como um projeto piloto –por isso, o baixo volume.

Ele afirma que, além da facilidade logística de não precisar importar SAF de outros países, o "book and claim" também deve ajudar o setor a cumprir as metas previstas no projeto de lei do combustível do futuro.

Em tramitação no Congresso Nacional, a proposta quer incentivar o uso do biocombustível criando um cronograma de redução gradual das emissões por companhias aéreas: em 2027, a meta é reduzir as emissões em 1%; em 2037, chega a 10%.

"A gente tem conversado muito com o governo federal para trazer essa experiência para a mesa e tudo que a gente aprendeu ao longo desse processo. O objetivo realmente foi fazer esse primeiro de uma forma pioneira para começar esse questionamento", afirma Calderon.

Na visão de Roberta Andreoli, presidente da comissão de direito aeronáutico da OAB-SP, o "book and claim" é uma alternativa para cumprir a resolução da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) que prevê monitoramento e compensação da poluição em voos internacionais.

A nova regra, aprovada em maio, determina que a companhia aérea passe a monitorar suas emissões quando poluir, em um ano-calendário, mais de 10 mil toneladas em voos internacionais que utilizarem aeronaves de asa fixa com peso máximo de decolagem acima de 5.700 kg.

O cálculo da compensação levará em conta o crescimento do setor e da empresa aérea. Se a regra não for cumprida, a Anac prevê multa às companhias. A resolução entra em vigor a partir de 2025.

Para Andreoli, o "book and claim" é uma alternativa de curto e médio prazo. Segundo ela, essa é uma medida para compensar as emissões, mas não elimina o problema.

André Valente, diretor de sustentabilidade da Raízen, afirma que o "book and claim" é um mercado atrativo, entre outros motivos, por driblar a dificuldade logística. "Eu não preciso chegar com um produto na porta do cliente. É mais custo-eficiente para descarbonização."

Para evitar greenwashing, termo usado para quando empresas fazem propaganda sustentável enganosa, Valente afirma que a plataforma por meio da qual é feita a transação do papel de SAF deve ser robusta e transparente e não realizar dupla contagem –ou seja, garantir que só uma operadora ganhe crédito pelo uso do combustível sustentável.

Procurada pela Folha, a Latam afirma que utilizou "book and claim" em diversos voos internacionais de carga nos últimos dois anos. Segundo a companhia, o mecanismo facilita o acesso das empresas aéreas da região ao SAF.

Já a Azul diz estar trabalhando em conjunto com potenciais produtores de SAF no Brasil e órgãos reguladores para garantir que o SAF e o "book and claim" se tornem uma realidade economicamente viável no país.

A Iata (Associação Internacional do Transporte Aéreo) diz à reportagem que o "book and claim" é uma estrutura robusta necessária para apoiar a meta do setor de aviação global de zerar a emissão líquida de carbono até 2050.

"A certificação de sustentabilidade aumenta a credibilidade e a confiança e é um processo importante para assegurar que os produtos ou serviços oferecidos por uma organização atendam aos padrões de sustentabilidade reconhecidos ou cumpram regulamentos e normas ambientais estabelecidos por governos e órgãos reguladores", afirma a entidade.

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