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Governo já previa em maio alta de R$ 6,4 bi com BPC, mas adiou bloqueio e liberou recursos extras

Dois meses depois, inclusão da projeção com aumento da despesa contribuiu para contenção de R$ 15 bi

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Brasília

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adiou por dois meses a ampliação na projeção de despesas com o BPC (Benefício de Prestação Continuada), reconhecida em julho no valor de R$ 6,4 bilhões.

Documentos obtidos pela Folha mostram que o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome já previa esse mesmo gasto adicional em meados de maio, antes do relatório de avaliação de receitas e despesas do 2º bimestre, mas resolveu manter o valor menor nas projeções oficiais.

O adiamento da mudança evitou a necessidade de bloquear gastos em maio, quando o governo até liberou recursos extras para ministérios e emendas parlamentares. Dois meses depois, o reconhecimento da alta na despesa contribuiu para o congelamento de R$ 15 bilhões do Orçamento de 2024.

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro Wellington Dias (Desenvolvimento Social) em evento no Palácio do Planalto - Gabriela Biló - 22.abr.2024/Folhapress

A alteração nas projeções do BPC foi constatada a partir dos registros de inclusões e exclusões de documentos no Siop (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento), aos quais a Folha teve acesso por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).

A reportagem também solicitou ao MDS, via LAI, acesso às notas técnicas da pasta sobre o BPC. O órgão forneceu apenas o documento final, sem informar a alteração do valor.

O expediente é semelhante ao que ocorreu na Previdência, que teve sua despesa reduzida em R$ 12 bilhões no 2º bimestre.

Em 14 de maio de 2024, o MDS enviou ao Ministério do Planejamento uma estimativa de aumento de R$ 6,442 bilhões na despesa do BPC, que alcançaria R$ 105,7 bilhões (sem contar sentenças judiciais), com base em uma nota técnica (n.º 10/2024) e uma planilha com a memória de cálculo.

Os técnicos informaram que o aumento na quantidade de benefícios concedidos, devido ao programa de enfrentamento à fila do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), e o maior número de requerimentos "impactaram consideravelmente a estimativa de suplementação necessária".

No dia seguinte, a pasta pediu ao Planejamento por email a reabertura do sistema "em razão de nova orientação" e substituiu os documentos pela Nota Técnica n.º 13/2024, que manteve a projeção de despesas em R$ 99,2 bilhões. Na justificativa, os técnicos do MDS escreveram "sem variação observada".

Na nova nota, o órgão chega a mencionar uma "memória de cálculo anexa". Em resposta via LAI, o MDS disse que tal informação constou indevidamente e que "como não houve projeção, mas sim a manutenção da dotação, a referida memória de cálculo inexiste". A pasta omitiu a existência da planilha "memoria_de_calculo_2º bimestre.xlsx", registrada inicialmente no Siop.

Procurado, o MDS disse que a Nota Técnica n.º 10/2024 foi substituída e, por isso, perdeu efeito. Sobre a omissão da planilha, afirmou que a nota técnica final "não possui memória de cálculo", mas não respondeu sobre o cálculo inicial.

A pasta disse ainda que "não houve qualquer orientação às equipes técnicas para segurar projeções" e que as projeções são realizadas bimestralmente para garantir os ajustes necessários ao longo do ano.

Coordenadora da JEO (Junta de Execução Orçamentária), a Casa Civil reconheceu à Folha que já havia, no 2º bimestre, indicativo de aumento da despesa com o BPC devido ao enfrentamento à fila do INSS.

Por outro lado, a pasta ponderou que o governo já avançava na discussão de revisão de gastos, e a previsão de economia com as medidas em 2024 "praticamente amortecia o aumento inesperado provocado pelo desempenho do PEFPS [programa de enfrentamento à fila]".

A divulgação do relatório de maio sem alterações relevantes nas despesas obrigatórias, porém, gerou desconfiança entre especialistas, que apontaram o risco de as projeções estarem subestimadas.

Técnicos da equipe econômica afirmam sob reserva que a constatação do aumento de R$ 6,4 bilhões em maio, embora não reconhecida no relatório, foi fundamental para vencer as resistências que até então travavam a revisão do BPC.

O acerto da época, segundo esses relatos, foi não incluir a projeção de aumento, pois ainda não havia uma metodologia estabelecida para estimar a economia com o pente-fino.

O problema é que as medidas atrasaram. A Casa Civil encaminhou à reportagem um gráfico em que o cenário de manutenção das despesas com o BPC pressupunha o início do pente-fino ainda no primeiro semestre de 2024. Mas as portarias que formalizaram as regras foram publicadas só no fim de julho.

"As medidas de revisão de gastos acabaram precisando de mais tempo para serem amadurecidas que o anteriormente previsto", disse a pasta.

O MDS também informou que havia prognósticos iniciais do INSS sobre ganhos com a revisão de gastos ainda em 2024, mas a indisponibilidade de sistemas afetou a capacidade da pasta de extrair informações e refinar as estimativas.

"Diante da indisponibilidade de dados e da não confirmação do início das ações, [o ministério] avaliou que eventuais necessidades de suplementação fossem analisadas, calculadas e realizadas nas próximas projeções, com objetivo de evitar grandes distorções para mais ou para menos", disse o órgão.

Em julho, o mercado cobrava do governo uma demonstração mais firme de compromisso com as regras fiscais, o que passava pelo congelamento de despesas. Nesse contexto, o Executivo decidiu incorporar o aumento de R$ 6,4 bilhões nos gastos com o BPC sem o amortecedor da revisão.

"A reestimativa da economia com as medidas elencadas nestas portarias ainda está sendo cuidadosamente calculada, de modo que, por prudência, esses valores não foram incorporados na projeção do 3º bimestre", disse a Casa Civil.

O MDS já prevê uma economia de R$ 6,6 bilhões com o pente-fino do BPC em 2025, mas o ganho potencial em 2024 é uma incógnita e dependerá do ritmo que o governo conseguir imprimir à revisão.

No gráfico, a Casa Civil prevê dois cenários possíveis até o fim do ano: um de manutenção da despesa no patamar atual e outro com resultados mais potentes no pente-fino, mas o documento não detalha valores.

Além da Casa Civil, também compõem da JEO os ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Gestão.

A Fazenda informou que as projeções dos órgãos setoriais são remetidas ao Planejamento e que a pasta "não tem competência para responder" sobre as razões do adiamento do aumento na despesa com o BPC.

"O Ministério da Fazenda entende que as projeções devem ser as mais fidedignas possíveis. Naturalmente, projeções requerem uma série de premissas, e é usual que haja revisões recorrentes a partir de critérios técnicos", disse a pasta.

O Planejamento afirmou que a responsabilidade pela elaboração da projeção do BPC é do Desenvolvimento Social. O Ministério da Gestão não respondeu.

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