Globo e SBT exploram brecha na regulação para entrar no mercado de bets

OUTRO LADO: Grupo Globo diz que é minoritário em site, o que evita conflito com a lei, e Grupo Silvio Santos afirma que plataforma de apostas estará em conformidade com regras

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São Paulo

Conglomerados por trás de Globo e SBT pediram permissão ao Ministério da Fazenda para participar do mercado de apostas. A regulação criada pelo governo para o setor, porém, proíbe que bets adquiram, licenciem ou financiem direitos de transmissão e reprodução de eventos esportivos.

As empresas driblaram a restrição da regulamentação, que abrange também "companhias controladas e controladoras", por meio de acordos com multinacionais. Profissionais com cargos de direção nas empresas de comunicação foram colocados na chefia dos sites de apostas.

Detentor da transmissão do Campeonato Brasileiro, dentre outras competições esportivas, o Grupo Globo fechou parceria com a empresa Leo Vegas —uma subsidiária dos cassinos MGM sediada na Suécia— usando os CNPJs do site Cartola e da Globo Ventures.

Patrícia Abravanel, herdeira do SBT e apresentadora da emissora, vai dirigir a própria marca TQJ —Todos Querem Jogar—, em sociedade com a britânica OpenBet. Hoje, o canal fundado por Silvio Santos exibe partidas da Libertadores e da Champions League.

Mão segura celular com jogo do tigrinho aberto
Pessoa jogando o "jogo do tigrinho", um jogo de apostas e bet - Pedro Affonso/Folhapress

O Grupo Globo afirma que não é controlador do empreendimento conjunto com a MGM —a BetMGM. "Temos uma participação minoritária e, portanto, não há conflito com a legislação citada."

O artigo 18 da lei 14.790 veda a compra de direitos de transmissão e reprodução de eventos esportivos a agentes operadores de aposta, bem como à suas controladas e controladoras —empresa que detém a maioria dos votos no conselho administrativo. O agente operador é o CNPJ licenciado pela Fazenda.

De acordo com o advogado especializado em sites de aposta, Luiz Felipe Maia, esse dispositivo foi criado em resposta ao receio expresso pela emissoras de televisão com a entrada das bets na concorrência pela exibição dos campeonatos de futebol.

"Isso tenderia a encarecer esses direitos. Essa restrição, na verdade, foi para para proteger as empresas de mídia", diz. A legislação, porém, abre a possibilidade dos conglomerados de mídia de entrarem no negócio como minoritários. "É uma jabuticaba", segundo Maia.

Antes de o governo enviar o então projeto de lei que regulou as bets para o congresso em julho de 2023, o diretor de relações institucionais da TV Globo, Fernando Vieira de Mello Filho, teve reunião com João Francisco Cimino Manssur, ex-assessor especial da Fazenda responsável pelo tema.

No resto do mundo, não há essa gradação. Estado Unidos, Reino Unido e Austrália, que mantêm grandes mercados de apostas, permitem que as empresas de mídia controlem bets, impondo restrição apenas à publicidade. França e Alemanha, por outro lado, têm dispositivos rígidos para evitar conflito de interesses entre transmissão e bancas de apostas, de acordo com o advogado Rubio Teixeira, fundador da empresa de regularização de bets Octus.

Ambos os advogados avaliam que o Grupo Globo, que já se declarou minoritário na BetMGM, não terá dificuldades para receber a licença da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA).

No registro do negócio, o conglomerado de mídia investiu R$ 54,2 milhões. Por isso, detém 49,97% da empresa, registrada com capital social de R$ 108,45 milhões. Estará no comando da BetMGM a atual diretora do Cartola, Alessandra Catran Lewit.

Constam também entre os quadros do novo negócio os sócios da Globo Ventures Juliana de Araújo Wanderley Labronici, como conselheira administrativa, e, como diretores, Pedro Menescal e Gustavo Souza de Lacerda.

O presidente dos Resorts MGM Bill Hornbuckle, citado como conselheiro administrativo da BetMGM, disse que não há outra empresa no mercado que conheça tanto o público brasileiro.

"Esta aliança histórica nos permite entrar rapidamente no mercado com a escala e expertise necessárias para estabelecer uma posição de partida como um dos principais operadores e provedores da melhor experiência para os clientes em todo o Brasil", afirmou o executivo americano durante anúncio do acordo, no mês passado.

Questionada sobre possíveis conflitos de interesse entre a venda de publicidade pelos veículos da Globo e a demanda por propaganda da nova casa de apostas, o conglomerado de mídia afirmou que continuará a seguir seu código de ética.

"Temos um compromisso permanente com a função social da empresa, com o cumprimento da legislação e com a independência editorial de nossos canais e plataformas, como pode ser comprovado, por exemplo, pelas décadas de transmissões de eventos esportivos sem que isso interfira na cobertura de nosso jornalismo."

Brasileiros, hoje, já têm acesso à marca Leo Vegas, do grupo MGM, onde estão hospedados caça-níqueis online, como o jogo do tigrinho, e bancas de aposta esportiva.

Em nota enviada à Folha, o Grupo Silvio Santos afirma que tem compromisso sólido com a transparência e o cumprimento das normas regulatórias brasileiras em todos os setores nos quais atua.

A empresa não especificou qual é a sua participação na TQJ, que passou a ter R$ 40 milhões em capital integralizado em 21 de agosto. Na mesma data, o vice-presidente da OpenBet para América Latina e Canadá, Marc Thomas Crean, e a apresentadora Patrícia Abravanel entraram no conselho administrativo da empresa, formado também por Marcelo Barp, o diretor financeiro do Grupo Silvio Santos.

No quadro societário da empresa estão o presidente do Grupo Silvio Santos, José Roberto Maciel, o presidente da Jequiti, Eduardo Ribeiro, e o diretor financeiro da empresa de cosméticos, Luiz Cardoso.

O Grupo Silvio Santos também convidou para a nova empresa o ex-diretor do Bradesco Alan Marinovic, para ser diretor financeiro, e o ex-presidente das Loterias Caixa Waldir Eustáquio Marques, para a diretoria de relacionamento com o ministro da Fazenda.

Procurada, a pasta comandada por Fernando Haddad afirma que o processo de avaliação dos pedidos de licença, hoje em curso, levará em consideração todas as restrições e exigências legais, assim como as condições impostas pela regulação infralegal.

No processo de licenciamento, as operadoras de bets têm de apresentar toda a cadeia de sócios e acionistas do negócio até o beneficiário final. A portaria especifica que as empresas do setor terão de estar associadas ao Conar (Conselho Nacional Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária)

"Apenas as empresas que cumprirem todas as exigências e requisitos serão autorizadas." A pasta diz que não se manifestará sobre casos específicos.

Pessoas da chefia do Grupo Globo e do Grupo Silvio Santos estarem na direção dos sites de apostas, como foi observado nos dois casos, não implicaria em restrição pela legislação atual, diz o advogado especializado em direito desportivo do CCLA Advogados, Raphael Paçó Barbieri.

Para o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Regulatório, Thiago Valiati, esse exemplo mostra como os negócios utilizarão o direito societário a seu favor para se enquadrar nas regras. "É essencial ter o conhecimento detalhado de como essas bets serão desenhadas e estruturadas, quem efetivamente irá integrar o quadro societário, de forma a não violar o disposto na lei."

Na avaliação de Teixeira, da Octus, uma empresa com direito de transmissão e reprodução de eventos esportivos teria vantagem em razão do poder de alcance das ações de publicidade dos canais de mídia.

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