Livro desafia empreendedor a repensar papel de obstáculos

Ricky Ribeiro fala sobre convivência com síndrome e paixão pela mobilidade

O economista Ricky Ribeiro deitado na cama observa tela de computador que mostra a página principal do site Mobilize
O administrador Ricky Ribeiro em seu quarto-escritório em Alphaville; ele criou o maior portal de mobilidade do Brasil - Eduardo Knapp/Folhapress
Joana Cunha
São Paulo

A safra de 2017 de biografias de grandes empreendedores se encerrou com a história de Ricky Ribeiro, que há cerca de dez anos, quando tinha apenas 28, recebeu uma notícia que a maioria interpretaria como sentença de morte.

Foi diagnosticado com ELA (esclerose lateral amiotrófica), doença que consome os músculos progressivamente, levando do paciente a capacidade de andar, digitar, falar e até respirar, movimentos que a maioria consideraria fundamental para um empreendedor de sucesso.

Acontece que Ribeiro é exceção. Ele já não pode andar, mas as reuniões são realizadas dentro de seu quarto, que ele chama de "room office" ("quarto-escritório"). Ribeiro não digita nem fala, mas escreve com os olhos, usando um leitor ótico para se comunicar. A respiração é feita por ventilação mecânica.

A doença, porém, conserva o cérebro em perfeito estado. E os sentidos. Foi o suficiente para que o jovem empreendesse uma batalha pela mobilidade urbana no Brasil.

No recém-lançado livro "Movido pela Mente", Ribeiro conta --em parceria com a escritora Gisele Mirabai-- como fundou o Mobilize, o maior portal de mobilidade urbana do país, e se tornou um dos mais respeitados ativistas pela causa, tendo exercido influência em mudanças estruturais como a abertura da avenida Paulista para pedestres aos domingos e a instalação das ciclofaixas.

Quase como uma obsessão, sua trajetória se confunde com temas ligados à mobilidade desde a infância. Ainda menino, encantava-se com a possibilidade de voltar do colégio a pé, evitando o trânsito caótico dos carros de pais na frente da escola.

O livro é organizado em capítulos em que Ribeiro faz análises sobre os modais, sempre misturadas a histórias pessoais saborosas.

FULIGEM

Por pura curiosidade, após se formar na faculdade de administração pública da FGV, ele levantou todas as possibilidades existentes de transporte ferroviário de passageiros no Brasil e seguiu para experimentar os parcos serviços. Chegou de Belo Horizonte a Vitória com o rosto preto de fuligem que entrou pela janela do comboio, porque o ar condicionado estava quebrado, o que atrasou a viagem em três horas.

Mesmo após o diagnóstico, quando a ELA dava os primeiros sinais, seguiu numa expedição com a irmã até o Recife. Depois de enfrentar as estradas esburacadas no sul da Bahia, sentiu-se tão cansado que, quando colocou os pés na areia fofa de Caraíva, não conseguiu andar.

Já em fase avançada da doença, Ribeiro vai à Alemanha para um transplante de células-tronco, onde aproveitou para reviver a Europa dos modais integrados à rua, uma realidade que fizera parte de seu cotidiano durante o mestrado em sustentabilidade e o MBA que cursou em Barcelona (Espanha) anos antes.

À medida que os músculos se degeneram, ele dedica os capítulos a outras formas de locomoção: "Bengala", "Andador", "Cadeira de rodas", "Colo" —referência ao amor, outro tema que permeia o livro— e, por fim, a "Mente".

Da paixão pelos esportes aflora o tino para a liderança, passagem que aparece no livro quando ele ingressa na diretoria da Atlética na faculdade no início dos anos 2000.

Lá, ele idealizou eventos que se tornaram tradicionais na agenda esportiva dos alunos da FGV de São Paulo até hoje. O Museu do Futebol, lançado em 2008, teve inspiração no trabalho de conclusão de Ribeiro na faculdade, que fora apresentado a seu professor, Caio de Carvalho, ministro do Esporte à época.

Para além de sua participação na fundação da ONG Abaporu ou na equipe de sustentabilidade corporativa da empresa EY, o livro cumpre seu papel ao desafiar o leitor sobre a importância das adversidades na formação de um grande empreendedor.

"Eu viveria cada dia, dando um passo após o outro, e, a cada limitação, aprenderia a lidar com ela. Aliás, nós nos alfabetizaríamos. Agora, toda a minha família se mobilizava", diz Ribeiro no livro.

Movido pela mente

  • Preço R$ 24,99 (375 págs.)
  • Autor Ricky Ribeiro e Gisele Mirabai
  • Editora Publicação independente
Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do informado em versão anterior da legenda da foto, Ricky Ribeiro é administrador, e não economista.

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