Plano de Haddad terá baixo impacto na dívida de pequenas empresas, dizem representantes

Para associações, é improvável que negócios consigam parcelar débitos em até um ano

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São Paulo

Entidades ligadas aos micro e pequenos empresários não se empolgaram com as medidas de renegociação de dívidas apresentadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), na quinta-feira (12). A impressão do setor é que as iniciativas não vão além do objetivo de controlar os cofres do governo, em um aceno ao mercado financeiro.

O programa Litígio Zero, como é chamada uma das diretrizes, oferece descontos para pessoas físicas e empresas que tenham dívidas com o governo federal e estejam dispostas a quitá-las em até 12 meses. A medida é uma espécie de Refis, quando débitos são perdoados para que os contribuintes paguem parte do que devem.

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, participa de entrevista a jornalistas em Brasília
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, participa de entrevista a jornalistas em Brasília - Adriano Machado - 12.jan.23/Reuters

Para pessoas físicas, micro e pequenas empresas, a redução da dívida será de 40% a 50% do valor total, incluindo o imposto federal que originou o passivo, além de juros e multa. Para isso, os contribuintes precisarão pagar uma entrada de 4% das dívidas em até quatro prestações. O restante poderá ser pago em dois meses, com desconto de 50%, ou em até oito meses, com desconto de 40%, segundo texto da portaria.

Além disso, o valor mínimo da prestação será de R$ 100 para pessoas físicas e R$ 300 para micro e pequenas empresas. As condições valem para dívidas de até 60 salários mínimos (R$ 78.120).

Para analistas, é improvável que micro e pequenos empresários consigam pagar suas dívidas com o governo em até um ano, ainda que reduzidas pela metade.

"Os micro e pequenos empresários não foram o foco do programa. Essas medidas foram principalmente uma justificativa ao mercado, que está receoso com o novo governo. Foi um pacote muito tímido", diz Carlos Magno Bittencourt, economista da Conampe (Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e Empreendedores Individuais).

A expectativa da organização é que o Congresso aumente o prazo de parcelamento em até três anos. É incerto que isso aconteça, já que o programa foi instituído por meio de uma portaria da Receita Federal e não por medida provisória, o que elimina a obrigação de o texto ser analisado pelos parlamentares.

Ainda segundo Bittencourt, o programa deveria ter sido discutido com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, chefiado pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB). A pasta é responsável por coordenar o Fórum Permanente das Micro e Pequenas Empresas, e a participação de seus representantes nas discussões ajudaria a consolidar as demandas do setor.

Aqueles empresários que optarem por aderir ao programa devem fazer isso entre 1º de fevereiro e 31 de março. A adesão deverá ser realizada mediante a abertura de um processo digital no portal e-CAC, disponível no site da Receita Federal.

Pesquisa feita em agosto pelo Sebrae aponta que 20% das micro e pequenas empresas têm dívidas em aberto e em atraso —o relatório, porém, não detalha a parcela dos débitos atrelada aos tributos federais. Por outro lado, apenas 4% das empresas, incluindo microempreendedores individuais, dizem que as dívidas com impostos são as maiores dificuldades de seu negócio.

Para Silas Santiago, gerente de políticas públicas do Sebrae, o pacote anunciado por Haddad ajuda o setor, mas a organização ainda espera mais, incluindo uma portaria dedicada a empresas adeptas do Simples Nacional, que deve ser publicada na semana que vem.

"Já vamos orientar nossos funcionários a estarem preparados para atender as micro e pequenas empresas a partir de fevereiro", afirma.

A percepção sobre o projeto atinge também os donos de bares e restaurantes, um dos setores que mais se endividou em meio ao isolamento social durante a pandemia. Para Paulo Solmucci, presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), o impacto dessas medidas no setor é praticamente nulo.

"Chegamos a ter 82% das empresas operando com prejuízo, mas isso foi caindo em 2021 e, em setembro, ficamos com 18%. Além disso, 37% das empresas estão operando sem lucro. Com isso, para conseguir fechar as contas, os empresários acabam atrasando o pagamento de impostos", diz.

Esse padrão é criticado por especialistas. A sucessiva criação de Refis, dizem, estimula a postergação do pagamento de dívidas.

Em março do ano passado, por exemplo, o Congresso derrubou um veto do então presidente, Jair Bolsonaro (PL), e criou um programa de parcelamento de dívidas de micro e pequenas empresas participantes do Simples Nacional. À época, o programa permitiu o parcelamento de dívidas em até 15 anos.

"Suponhamos que você seja um inquilino e precise pagar o aluguel todo dia 1º, mas quando você paga no dia 5 a multa nunca é cobrada. Ou seja, acaba que o dia 1º não vai mais servir para nada", diz Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV.

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