Conheça empreendedores que buscaram crédito para expandir negócios

Estratégia contribui para produtividade, mas planejamento e juros são armadilhas

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Jéssica Moura
Brasília

Pequenos empresários buscam linhas de crédito para financiar equipamentos e pagar valores adiantados a fornecedores com o intuito de expandir seus negócios. No entanto, sem planejamento financeiro para usar o recurso, o empréstimo pode comprometer as contas da empresa.

Conheça histórias de seis empreendedores que tomaram empréstimos para manter ou ampliar seus empreendimentos: três conseguiram alavancar os lucros a partir do crédito; outros três continuam endividados.

Foto mostra homem negro de terno segurando suporte de acrílico onde está uma touca para cabelos volumosos
Maurício Delfino, 46 anos, fundador 'Da Minha Cor', usou financiamento para ampliar estoque - Arquivo pessoal

'A PESSOA FÍSICA SÓ VAI TER DINHEIRO SE A JURÍDICA TIVER'

Maurício Delfino, 46‚ fundador da 'Da Minha Cor'

Eu sou uma exceção. Sou um empreendedor negro e, há cinco anos, comecei um negócio por opção, não por necessidade. Me desfiz de bens pessoais para abrir uma empresa de touca de natação para cabelo volumoso. Vendo pelo site e em lojas físicas parceiras.

Neste ano, fechei com três grandes empresas. Eu fornecia para 40 pontos físicos e pulei para 170. Meu produto é importado da China, então pago 100% adiantado. Com a expansão, faltou capital de giro.

Quando saiu o Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), vi que minha empresa era elegível. O governo desburocratizou as coisas. Foi tudo pela internet. Em agosto, saiu o crédito de R$ 150 mil, que vou pagar em 48 meses.

Converti tudo na compra de produtos. Como tem carência de seis meses para pagar, estou tranquilo. Uma máxima minha é: dinheiro não aceita desaforo. Por isso, tudo que eu vendo, tiro nota. Tenho consciência de que a pessoa física só vai ter dinheiro se a jurídica estiver saudável.

'VIROU UM JOGO DE CARTÕES, CADA MÊS PAGO UM DELES'

Natasha Gargano, 50, fundadora do Comidinhas da Natasha

Em 2016, gastei o que juntei como professora de turismo e abri minha empresa de marmitas. Fazia em média cem entregas por semana. Três anos depois, com o seguro do meu carro, que foi roubado, comprei um forno combinado, que assa, grelha, cozinha a vapor e frita. Passei a produzir 250 pratos por semana.

Na pandemia, meu freezer teve uma pane elétrica e perdi mais de R$ 4.000 em produtos. Nessa época, comecei a usar meus cartões de crédito para cobrir custos da empresa e não consegui pagar todas as faturas. O aluguel, os alimentos, tudo subiu.

Endividada, precisei fazer um empréstimo. Fui atrás de financiamento, mas desisti de linhas do governo. O dinheiro não podia ser usado para pagar dívidas. Optei pelo banco em que tenho conta jurídica. Peguei R$ 10 mil. Minha dívida total está em torno de R$ 16 mil, juntando empréstimo e cartão. Virou um jogo de cartões: cada mês pago um.

Penso em retomar as vendas por plataforma de delivery. Não vai pagar as dívidas, mas é uma renda extra.

'NÃO PEGARIA UM FINANCIAMENTO PARA PAGAR OUTRO'

Miriam Rossi, 62, idealizadora da Sexyhome

A primeira vez que peguei empréstimo no banco foi há quatro anos, quando montei a empresa, uma loja virtual de produtos eróticos. O dinheiro saiu pela conta jurídica. Foram R$ 17 mil que paguei em 36 vezes. Fiz o site, comprei estoque e investi em computadores.

Quando terminei de pagar, decidi dar um up no negócio. Em novembro de 2021, fiz um novo empréstimo: R$ 22 mil em 24 meses.

As prestações são altas, R$ 1.100, então preciso me organizar para pagar as parcelas. Sempre deixo uma reserva, nunca fico zerada não pegaria outro financiamento para pagar esse, senão vira uma bola de neve.
Depois de pegar o dinheiro, comprei computador, impressora, dois armários, paguei uma agência para atualizar o site e imprimi 3.000 cartões de visita.

Logo que fiz o financiamento já veio o Natal de 2021. Investi em novos produtos, como kits de presente, e o faturamento subiu em 30%. Tem que ficar inventando coisas. Meu plano agora é pegar mais R$ 22 mil no ano que vem, fazer outro check-up na empresa e aumentar o estoque.

'NÃO MISTURO O QUE É DA EMPRESA COM O QUE É MEU'

Décio Lessa, 59, dono da Afropé, marca de chinelos estampados

Somos uma empresa de chinelos com estampa afro que existe desde setembro de 2021. Começamos com a produção de 30 pares, na sala do meu apartamento. Minha filha deu R$ 800 para abrirmos o negócio.

No início, não tínhamos conta jurídica. Tínhamos só um perfil no Instagram. Começaram a aparecer convites para participar de eventos e fomos crescendo.

Em março de 2022, o Carrefour nos procurou querendo comprar 1.500 pares de chinelo. Foi quando nos vimos apertados. Tivemos que formalizar o negócio e buscar crédito. Mas não tem mágica. Sem histórico na conta jurídica, a empresa não tinha score e não consegui o dinheiro.

Tive que recorrer a um amigo, que me emprestou R$ 25 mil. Agora, nossos chinelos estão em dez lojas do Carrefour. Mas tenho medo de receber mais pedidos. Não tenho dinheiro para fazer mais chinelo. Hoje, não sobra nada para mim. Tudo que entra na conta da Afropé, invisto na empresa. Tenho contas separadas e não misturo o que é meu com o que é do negócio.

‘O SALÁRIO DO MEU EMPREGO FORMAL ERA MEU CAPITAL DE GIRO’

Ijiolá Motta, 37, criadora da Epahey Adornos

Até o início da pandemia, eu trabalhava em uma empresa fazendo suporte de sistemas enquanto tocava paralelamente meu negócio, a Epahey Adornos. Eu atuava desde 2017 no mercado de enfeites para cabelo e bijuterias. O salário do meu emprego formal era o capital de giro da minha empresa.

Depois de fazer cursos no Sebrae, em 2020, tive a ideia de expandir para outros setores, como o de costura. Para isso, precisava de uma máquina para fazer mochilas de pano. Também queria outra máquina para colocar miçangas no fio e otimizar o trabalho que eu já fazia.

Isso tudo só seria possível com financiamento. Então, em agosto de 2020, fui ao banco e peguei um empréstimo como pessoa física, pelo meu cartão de crédito. Foram R$ 5.165 em 25 meses. Tentei como pessoa jurídica, mas meu score era baixo, já que meu dinheiro pessoal e o da empresa ficavam misturados.

Quando fui demitida, em março de 2021, recebi o dinheiro da rescisão e quitei tudo. Se não pagasse, o valor que iria pagar em juros seria quase o dobro do que contratei inicialmente.

Com o empréstimo, comprei as máquinas, aumentei o valor dos produtos, tripliquei a produção, coloquei pessoas próximas para trabalhar comigo e consegui ampliar as vendas em 70%. Antes, usava materiais naturais e bem mais baratos, como madeira, sementes e miçangas. Agora, invisto em tecidos afro, que são mais caros.

Tenho uma demanda bem maior de pedidos do que consigo produzir, e estou à procura de mão de obra extra. Queria outro empréstimo para pagar cursos para mulheres desempregadas.

‘NÃO TINHA COMO PAGAR AS PARCELAS E VIROU UMA BOLA DE NEVE’

Daniela Lyra, 42, proprietária da Cidade da Festa

Criei a Cidade da Festa, casa de eventos e papelaria, em 2014 enquanto trabalhava como gerente de treinamento em uma empresa. O negócio funcionava aos finais de semana como uma forma de renda extra. Usava meu salário para tocar o empreendimento e, para começar, pedia metade do pagamento adiantado dos eventos que iria organizar.

Na pandemia, o fluxo de eventos diminuiu, e eu tive de devolver o dinheiro de festas que tinham sido pagas e não iam acontecer. Fui ficando sem reservas e acabei fechando o buffet, em julho de 2020.

Fiquei só com o outro braço da empresa, de papelaria personalizada. Fazemos convites, caixas para doces, cestas e sacolas de papel. Antes de fechar o buffet, o faturamento era de R$ 25 mil por mês e eu tinha 6 colaboradores. Hoje, é de R$ 8.000 e tenho duas pessoas comigo.

Para manter o ateliê, tinha que ter maquinário e precisei de dinheiro. Por isso, em junho de 2020, fiz um financiamento de R$ 30 mil em um banco para investir no negócio. Pago 48 parcelas de R$ 600 reais. Com os juros, vai chegar a R$ 40 mil. Contratei o crédito como pessoa física.

Como estava entrando menos dinheiro, não tinha como pagar as parcelas e virou uma bola de neve. Tive que pegar outros empréstimos. Em dezembro de 2020, peguei R$ 8.000 com um agiota, mas já acertei.

Eu fico bem mal, porque as contas não estão fechando. Um mês pago uma conta e deixo outras: três parcelas do financiamento estão atrasadas. Minhas contas particulares estão atrasadas, vira um efeito cascata.

Espero em 2023 resolver tudo isso.

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