Artesãos que trabalham com palmeira amazônica buscam selo de qualidade

Designers de Abaetetuba, no Pará, querem aproveitar visibilidade da COP30 para ganhar reconhecimento

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Vanessa Monteiro
Belém (PA)

"Eu não acredito em Papai Noel, porque ele nunca levou brinquedo para mim." A lembrança ainda da infância levou o paraense Ivan Teixeira Leal, aos 8 anos, a começar a produzir seus próprios brinquedos. E não era qualquer brinquedo, a matéria-prima era o miriti, palmeira bem conhecida na região amazônica.

De formato leve e com textura semelhante ao do isopor, parte das folhas do miriti davam origem a barcos, casas, animais, pessoas e o que a imaginação permitia. "Foi quando percebi que poderia continuar brincando, mas ganhar dinheiro com isso também", diz Leal, que há 40 anos é um dos artesãos de Abaetetuba, município do Pará formado por 72 ilhas.

Ivan Teixeira Leal produz brinquedos de miriti de diversos formatos
O paraense Ivan Teixeira Leal produz brinquedos de miriti de diversos formatos - Laís Teixeira/Folhapress

Os brinquedos de miriti de Abaetetuba são patrimônio cultural imaterial do Pará e fonte de renda de muitas famílias do município. "Eu vivo exclusivamente da renda do miriti. Trabalhamos todos os dias, de domingo a domingo, para entregar encomendas para todo o Brasil", conta ele, que produz com a família lembrancinhas que podem custar R$ 4 ou projetos mais elaborados que chegam a valer R$ 15 mil.

Hoje os artesãos integram diferentes associações no município, que compartilham a busca pelo selo de Indicação Geográfica (IG) para os brinquedos. O primeiro passo foi justamente criar uma entidade que reúna todas as outras.

O IG é outorgado pelo Instituto Nacional da Propriedade Privada Industrial (Inpi) e concedido a produtos ou serviços característicos de um determinado local de origem. O apelo pelo selo existe desde 2004. Com a escolha da capital Belém para sediar a COP30, no fim de 2025, o tema voltou à tona.

"O IG dá status ao município, agrega valor ao produto e fortalece a cultura. Também é importante termos um selo que certifique que nosso produto não derruba palmeiras, não desmata nem usa trabalho infantil", explica Valdeci Costa, presidente da Associação Arte Miriti de Abaetetuba (Miritong). "Vários de nós já tivemos problemas na exportação por falta de uma certificação", completa.

"Tenho uma cliente francesa que todos os anos compra cerca de 4.000 passarinhos de miriti. Dá muito retorno, é barato, fácil de transportar, tem mercado... Falta só o artesão ser empreendedor", afirma Costa, corroborando o potencial no mercado internacional do produto.

O Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) acompanha de perto o processo. Até o momento, foram realizados dois seminários e consultorias, nos quais artesãos puderam esclarecer dúvidas.

"Todos têm consciência da importância de conseguirmos [o selo], mas, para isso, eles precisam ter um olhar e um comportamento empreendedor. Nós queremos incentivar que esse artesão volte sua atenção para o meio ambiente e a cadeia produtiva do miriti, do plantio e extração até o resíduo", explica Milena Silva Neri, analista técnica do Sebrae Baixo Tocantins.

Ela conta que é preciso muito trabalho para fazer os artesãos atuarem de forma associativa e fomentar o cooperativismo. "Eles são concorrentes entre si, mas podem ser parceiros também", afirma.

Desde 1989 o Sebrae realiza feiras para que os artesãos divulguem e escoem seus produtos durante o Círio de Nazaré, festa tradicional católica que ocorre na capital paraense durante o mês de outubro. Na última edição, a feira reuniu 130 estandes, com 35 famílias que trabalham exclusivamente com os brinquedos de miriti e que já possuem registro de microempreendedor individual.

"É um trabalho continuado, que vai desde a melhoria da produção e do design de produtos até a área de gestão e formação de preços", afirma a analista.

"A feira abriu na quinta-feira pela manhã e à tarde eu cancelei a entrega de produtos porque o estande já estava vazio. Comecei a negociar com os clientes para que eles deixassem os produtos até o último dia, só para poder expor. Consegui uma rede de contatos para expor, para fornecer a lojas no shopping e a centros de artesanato", diz o designer Marcelo Vaz.

Entre os artesãos, existe atualmente um receio de que a palmeira de miriti deixe de existir. O miritizeiro, também conhecido como buriti, cresce em áreas de várzea, sofrendo influência direta dos rios.

A retirada acontece de forma extrativista, ou seja, é feita a partir do corte de folhas. Essa extração é feita a partir de manejo, quando a planta tem em torno de seis anos e seu caule ainda está submerso.

"A planta tem de 12 a 15 folhas. No manejo adequado, os artesãos tiram três folhas, então nascem novas. Seis meses depois, tiram mais três. Dessa forma, a planta nunca fica com menos de seis folhas", explica a pesquisadora Gracialda Ferreira, da Universidade Federal Rural da Amazônia, que atua desde 2005 junto aos artesãos para incentivar o manejo adequado.

Também existem pesquisas e testes de resistência e qualidade mostrando possibilidades de uso do miriti até na construção civil.

"O miolo do pecíolo da folha possui alta capacidade de isolamento acústico e térmico, que não deixa a desejar ao isopor ou gesso", explica a pesquisadora. E a indústria de cosméticos vem usando ainda o óleo do fruto.

Além disso, a matéria-prima serve como alimento e as flores ainda têm sido utilizadas para a fabricação de licores.

Mesmo com tanto potencial, a concorrência com a palmeira do açaí ainda é preocupante na região. "O que nós vemos é que está cada vez mais difícil de encontrar miriti. Além dos empresários, os próprios ribeirinhos estão derrubando os miritizeiros para plantar açaí", afirma Vaz.

Para não ficar sem a matéria-prima, Leal investiu em 2013 em uma área de dois hectares e fez o plantio consorciado do miriti com outras culturas, incluindo o temido concorrente açaí.

"Eu quis provar que é possível ter o miriti junto ao açaí, não precisa derrubar um para ter o outro. O miritizeiro demora de cinco a sete anos para começar a ter tamanho suficiente para o manejo", afirma. No local, há aproximadamente 70 palmeiras de miriti.

Esta reportagem foi produzida durante o Lab Tereos + Folha - 2º Programa de Jornalismo Especializado em Agroindústria Sustentável

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