Bush sabia que havia presos inocentes em Guantánamo, diz jornal
O ex-presidente americano George W. Bush (2001-2009) e os principais nomes de seu governo sabiam que na prisão para suspeitos de terrorismo de Guantánamo, em Cuba, havia presos inocentes, segundo um documento revelado nesta sexta-feira pelo jornal britânico "The Times".
Segundo o jornal Bush, seu então vice, Dick Cheney, e seu então secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, encobriram a informação de que havia "centenas" de inocentes em guantánamo, com medo de que a libertação deles prejudicaria a Guerra no Iraque e a "guerra ao terror".
Eduardo Munoz/Reuters |
George W. Bush sabia da inocência dos presos, diz "Times" |
O documento é uma declaração assinada pelo coronel Lawrence Wilkerson, assessor do ex-secretário de Estado americano Colin Powell.
Ele assinou o texto para apoiar um processo judicial apresentado por Adel Hassan Hamad, sudanês que esteve preso em Guantánamo entre março de 2003 e dezembro de 2007 e que denunciou o governo dos EUA pelas torturas que teria sofrido.
É o primeiro depoimento por escrito de um alto funcionário do governo Bush que reconhece que Washington manteve vários detentos na base naval da ilha de Cuba com pleno conhecimento de que não pertenciam a grupos terroristas.
A prisão de Guantánamo foi improvisada pelo governo Bush em 2002, com as primeiras prisões de supostos terroristas, capturados na "guerra ao terror" decretada os ataques de 11 de Setembro.
A maioria dos detentos de Guantánamo passou anos sem acusação formal ou julgamento, graças à estratégia do governo Bush de criar um "buraco negro legal". Pelo entendimento do antigo governo, os suspeitos não podiam recorrer às garantias da Constituição americana --por não estarem nos EUA-- e não precisavam ser tratados de acordo com a Convenção de Genebra --por não serem considerados prisioneiros de guerra, já que não combatiam legalmente por nenhum país.
Vendidos
Wilkerson é especialmente crítico no documento a Cheney e Rumsfeld. Segundo ele, ambos rejeitaram libertar os prisioneiros de inocência comprovada.
No testemunho, Wilkerson afirma que a Casa Branca teve a certeza de que a maioria dos 742 prisioneiros enviados inicialmente a Guantánamo, em 2002, era inocente, "mas era politicamente impossível libertá-los".
O coronel diz que, se os inocentes fossem libertados, ficaria claro como a "guerra ao terror" estava sendo mal operada e ameaçaria a liderança de Rumsfeld no Departamento de Defesa.
O militar, muito crítico nos últimos anos à política antiterrorista e militar da Administração Bush, explica que os prisioneiros nunca viram um soldado dos EUA quando foram detidos e que muitos foram "vendidos" pelo Afeganistão e Paquistão por US$ 5 mil cada.
O coronel Wilkerson afirma que o ex-vice-presidente não se preocupava com o fato de que a grande maioria dos detidos de Guantánamo fosse inocente.
"Se centenas de indivíduos inocentes tinham que sofrer para deter alguns terroristas destacados, que assim fosse", diz no texto.
O militar, que serviu durante 31 anos nas Forças Armadas dos EUA, explica que discutiu o assunto com Powell e comprovou que "sua visão era de que não só o vice-presidente Cheney e o secretário Rumsfeld, mas também o presidente Bush, estavam envolvidos em todas as decisões relacionadas com Guantánamo".
Guantánamo
A base naval dos EUA em Guantánamo foi fundada em 1898, durante a guerra Hispano-Americana. Um tratado de 1934 determina que ela só pode ser devolvida a Cuba por acordo mútuo ou uma saída unilateral dos EUA.
O regime comunista de Cuba, que subiu ao poder em 1959, pede a devolução do território, de 115 km², e não aceita os pagamentos feitos pelos EUA pela utilização da base.
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