Militares americanos revelam dados sensíveis quando correm e usam app

Crédito: Massoud Hossaini/Associated Press
Militar americano em base dos EUA em Kandahar, no Afeganistão

LIZ SLY
DO "WASHINGTON POST", EM BEIRUTE (LÍBANO)

Um mapa interativo postado na internet que mostra a localização de pessoas que usam monitores de fitness como o Fitbit também revela informações altamente sensíveis como a localização e atividades de soldados em bases militares americanas. Trata-se, aparentemente, de um grande descuido de segurança.

O Mapa de Calor Global publicado pela empresa de rastreamento de GPS Strava utiliza informações de satélites para mapear a localização e os movimentos de assinantes do serviço de fitness da empresa ao longo de um período de dois anos, iluminando áreas de atividade.

A Strava diz que tem 27 milhões de usuários em todo o mundo, incluindo pessoas que usam pulseiras de fitness amplamente disponíveis como Fitbit, Jawbone e Vitofit, além de usuários diretos de seu aplicativo de celular. O mapa não é traçado ao vivo —ele mostra um padrão de atividade acumulada entre 2015 e setembro do ano passado.

A maior parte dos Estados Unidos e da Europa, onde milhões de pessoas utilizam algum tipo de rastreador de fitness, aparece no mapa como fortemente iluminado, por conter tanta atividade.

Em zonas de guerra ou desertos como Iraque e Síria, o mapa de calor é quase inteiramente escuro, com a exceção de alguns pontos espalhados de atividade. Quando se faz um zoom sobre esses pontos, destacam-se em foco os locais e contornos de bases militares americanas conhecidas, além de outros locais desconhecidos e potencialmente sensíveis. Presume-se que isso ocorra porque militares e outros funcionários dos EUA utilizem pulseiras de fitness quando se movimentam por esses locais.

O coronel da Força Aérea John Thomas, porta-voz do Comando Central dos EUA, disse no domingo (28) que as Forças Armadas americanas estão analisando as implicações do mapa.

O Mapa Global de Calor foi postado on-line em novembro de 2017, mas a informação que contém só foi divulgada no último sábado (27), quando um estudante australiano de 20 anos topou com ela por acaso.

Nathan Ruser, que estuda segurança internacional e Oriente Médio, tomou conhecimento da existência do mapa graças a um blog sobre mapeamento e decidiu pesquisar o assunto mais a fundo depois de ouvir um comentário casual de seu pai, para quem o mapa proporciona uma visão de "onde estão as pessoas ricas e brancas" no mundo.

"Será que o mapa mostra militares americanos?", disse Ruser, e imediatamente fez zoom sobre a Síria. "Ela se iluminou como uma árvore de Natal."

Ele começou a tuitar sobre o que tinha descoberto, e a internet também se iluminou, com analistas de dados, especialistas militares e ex-militares começando a vasculhar o mapa em busca de evidências de atividades em suas áreas de interesse.

O jornalista Andrew Rawnsley, do site Daily Beast, notou muita atividade de corrida na praia perto de uma base suspeita da CIA em Mogadício.

Outro usuário disse que localizou uma plataforma de mísseis Patriot no Iêmen.

Ben Taub, jornalista da "New Yorker", identificou a localização de uma base americana de operações especiais no Sahel.

O site não identifica os usuários do aplicativo e mostra muitos locais que podem pertencer a organizações humanitárias, instalações da ONU e bases militares de outros países —ou qualquer outra organização cujos funcionários possam usar pulseiras de fitness, disse Tobias Schneider, analista de segurança internacional baseado na Alemanha.

Mas, segundo ele, não é difícil mapear a atividade e identificar sua correspondência com bases militares americanas conhecidas, ou cuja localização é aproximadamente conhecida, e a partir disso buscar mais informações.

A localização da maioria dos pontos destacados no mapa já é do conhecimento público. É o caso da grande base aérea americana de Kandahar, no Afeganistão.

O Pentágono já reconheceu publicamente que tropas de operações especiais americanas mantêm uma pequena base em Tanf, no deserto sírio, perto da fronteira do Iraque. O lugar aparece no mapa como um quadrilongo perfeitamente delineado, provavelmente porque soldados americanos usando Fitbits ou aparelhos semelhantes patrulham o perímetro ou correm em volta dele.

Mas os dados também oferecem um manancial de informações a possíveis interessados em atacar ou emboscar tropas americanas nas bases ou em suas proximidades, disse Schneider, incluindo indicações sobre padrões de atividade no interior das bases.

Linhas de atividade que se estendem para fora das bases e depois voltam podem indicar as trajetórias seguidas por patrulhas militares. O mapa do Afeganistão aparece como uma teia de linhas que interligam as bases americanas, mostrando as rotas de aprovisionamento. O mesmo acontece no nordeste da Síria, onde os Estados Unidos mantêm uma rede de bases em sua maioria não divulgadas.

Concentrações de luz dentro de uma base podem indicar onde grupos de soldados se alojam, se alimentam ou trabalham, sugerindo alvos possíveis para a ação de inimigos que quisessem atacar a base.

Num local no norte da Síria próximo a uma barragem, onde analistas suspeitavam que as forças americanas estariam construindo uma base, o mapa mostra uma pequena mancha de atividade acompanhada por uma linha intensa ao longo da barragem, sugerindo que os militares e outros do local correm regularmente ao lado da barragem, disse Schneider.

"É um risco evidente à segurança", ele disse. "É possível discernir um padrão de vida. Dá para ver onde uma pessoa que vive na base corre para se exercitar. Em uma das bases americanas em Tanf, dá para ver que as pessoas correm em círculos."

"Grande falha de segurança operacional e de pessoal", tuitou Nick Waters, ex-oficial do Exército britânico que localizou sua antiga base no Afeganistão usando o mapa. "Rotas seguidas por patrulhas, bases isoladas de patrulhas, são muitas informações que podem ser utilizadas."

Segundo Schneider, nem toda a atividade descoberta é americana, de maneira alguma. O perímetro da principal base russa na Síria, a de Hmeimim, é claramente visível, além de várias rotas saindo da base que, presume-se, são seguidas por patrulhas.

Outras bases russas também aparecem no mapa, mas, segundo Schneider, os iranianos ou não usam pulseiras de fitness ou tomam o cuidado de desligá-las.

Os aplicativos e aparelhos da Strava contêm a opção de desligar o serviço de transmissão de dados, disse Ruser, de modo que é responsabilidade do usuário impedir riscos de segurança. "Parece ter sido um descuido muito grande", ele opinou.

As Forças Armadas não responderam a uma pergunta sobre quais são os regulamentos relativos ao uso de aplicativos de fitness. Mas o Pentágono vem incentivando o uso de Fitbits por militares e em 2013 distribuiu 2.500 das pulseiras, como parte de um programa piloto para combater a obesidade.

A Strava não respondeu a um pedido de declarações.

Tradução de CLARA ALLAIN

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