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Detenção de Sarkozy mostra fim da era da inocência

Caso mostra a ligação comum de presidentes franceses com ditadores e criminosos 

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Tudo começou sob uma tenda beduína. Em dezembro de 2007 o presidente Nicolas Sarkozy, que tinha acabado de iniciar o seu único mandato de presidente da Republica (2007-2012), recebeu em Paris Muammar Gaddafi (1942-2011), que teve o privilégio tão exótico como inédito de instalar a sua tenda real no pátio do Hotel de Marigny, residência oficial das personalidades em visita de estado à França.

O tratamento de Sarkozy marcava uma nova etapa no processo de reabilitação do líder líbio.

O antigo herói do terceiro-mundo, apoiante decisivo do Congresso Nacional Africano de Nelson Mandela na luta contra o Apartheid sul-africano, tinha-se tornado um pária internacional nos anos 1990 por conta do seu envolvimento com movimentos terroristas.

Aproveitando o super-ciclo de commodities do começo dos anos 2000, Gaddafi começou uma campanha de redenção, trocando o acesso às suas imensas reservas de petróleo pela legitimação diplomática. 

Nicolas Sarkozy e o ditador líbio Muammar Gaddafi se encontram em Paris
Nicolas Sarkozy e o ditador líbio Muammar Gaddafi se encontram em Paris - Jacky Naegelen - 10.dez.2007/Reuters

No entanto, menos de quatro anos depois da sua luxuosa passagem por Paris, o Líder Fraternal e Guia de Revolução acabou selváticamente assassinado por uma população enfurecida com o apoio de tropas especiais da França, que liderou a invasão da Líbia sob o argumento duvidoso de um iminente massacre dos rebeldes pelo governo. 

Foi a rapidíssima ascensão e queda de Gaddafi que levantou suspeitas entre jornalistas e juízes franceses. Porque o governo de Nicolas Sarkozy se virou com tanta violência contra o seu principal aliado no Oriente Médio? A resposta estava nas relações muito pouco ortodoxas entre Sarkozy e Gaddafi . 

Nicolas Sarkozy tem uma presença conhecida e de longa data no submundo da politica francesa.

Ele entrou na politica pela mão de Charles Pasqua, de quem herdou a prefeitura do burguês subúrbio parisiense de Neuilly-sur-Seine. Foi através de Pasqua, peso pesado da direita francesa conhecido pelas suas relações com autocratas africanos, que Sarkozy conheceu os operadores que o ajudariam a chegar à presidência, entre eles Claude Guéant e Bernard Squarcini, peças-chaves na investigação sobre o caso Gaddafi . 

Os jornalistas investigativos do site Mediapart, criado pelo ex-diretor do Le Monde Edwy Plenel, com a colaboração de alguns juízes mais incisivos, vasculharam a galáxia Sarkozy até chegarem numa história de financiamento ilícito da campanha presidencial de 2007.

Seguiu-se uma investigação rocambolesca, que levou quase uma década e introduziu ao publico francês personagens tão caricatos como Ziad Takkiedine, milionário traficante de armas que desempenhava o papel de homem da mala, e Alexandre Djouhri, uma espécie de scarface que fazia a ponte entre o crime organizado e o aparelho do Estado.

Sarkozy sempre negou tudo, chegando a perguntar a um jornalista de um canal publico de televisão se ele “não tinha vergonha” de o questionar sobre o caso. Porém, a entrada em cena de novas testemunhas, sobretudo antigos membros do regime de Gaddafi que negociaram uma vida nova na França por depoimentos e provas, tornaram inevitável o avanço do inquérito contra Sarkozy, que teve no desdobramento desta terça-feira (20) o seu novo ponto mais alto. 

Explosivo, o caso Gaddafi é apenas um exemplo de como os regimes autoritários penetram o sistema politico-financeiro da Europa.

O dinheiro que financiou a campanha de Sarkozy também fui usado para comprar influencia no Reino Unido e na Itália. Até hoje, as autoridades líbias lutam para recuperar os bilhões de petrodólares espalhados pelo fundo de investimento “público” controlado pela família Gaddafi . 

Para a França, a queda de Sarkozy representa um ponto de virada na relação entre sociedade e poder político. Ainda muito apegados aos símbolos da monarquia, os franceses costumam tratar com distância e pudor o passado dos seus presidentes.

O socialista François Mitterand, que se relacionou com o regime colaboracionista de Pétain, teve uma posição ambígua sobre o colonialismo e participou ativamente na criação das redes criminosas entre França e África, continua sendo visto como um mito inabalável.

O predecessor de Sarkozy, o conservador Jacques Chirac, suspeito de possuir uma conta bancaria secreta no Japão, fazer votar os mortos em Paris, e viver às custas da família libanesa Hariri, ganhou uma sobrevida de ícone cult. Com o caso Sarkozy, termina a era da inocência dos presidentes franceses.  

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