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estados unidos kim jong un

Oferta de Kim pode ser vitória para ambos os lados, mas é preciso ter cautela

Coreia do Norte já suspendeu atividades em acordo anterior, só para explodir a bomba depois

Igor Gielow
São Paulo

O anúncio de que Kim Jong-un aceita congelar seu programa nuclear em troca iniciar negociações de paz com os EUA precisa ser visto com reserva, dado o histórico desse tipo de abertura por parte da ditadura comunista da Coreia do Norte.

O ditador norte-coreano, Kim Jong-un, abraça militar após o teste do míssil intercontinental Hwasong-14, em julho de 2017
Kim Jong-un abraça militar após teste do míssil intercontinental Hwasong-14, em julho de 2017 - AFP/CKNA via KNS - 4.jul.2017

A oferta pode significar, por outro lado, uma vitória a se cantada tanto pelo "homem do foguete" quanto por seu antípoda norte-americano, o presidente Donald Trump.

A cautela se faz necessária. Em 1994, nos estertores do reinado do avô do atual ditador, Kim Il-sung, as atividades nucleares norte-coreanas preocupavam o Ocidente. O governo do democrata Bill  Clinton negociou, já com o novo dono do regime, Kim Jong-il, um acordo para suspender a produção de material atômico e o programa de testes de mísseis do país.

Em troca, Washington forneceu 500 mil toneladas de petróleo por ano a Pyongyang. Deu tudo errado, basicamente porque o acordo previa poucas salvaguardas e inspeções detalhadas —como, por exemplo, o texto negociado entre EUA e Irã em 2015. Os norte-coreanos enriqueceram plutônio e urânio o suficiente para deixar o acordo em 2002 e, quatro anos depois, detonar sua primeira bomba atômica.

A impressão generalizada entre analistas é de que Clinton foi enganado pelo pai do atual ditador.

Se as negociações se mostrarem para valer, contudo, será uma questão de gosto do cliente dizer quem se deu melhor. A variável central para a avaliação será o fato de a Coreia do Norte ser aceita à mesa como uma potência nuclear estabelecida ou não.

Sem novos testes, será impossível aos americanos determinarem de fato as capacidades alegadas por Pyongyang, que diz poder atingir qualquer cidade americana (bem provável) com uma arma nuclear (ainda não tão certo). Parece claro que Kim não aceitaria quaisquer verificações de seu arsenal antes de ter um pré-acordo que evite ações militares contra si à mão.

Assim, se for tratada na prática como uma potência nuclear, a ditadura poderá dizer que venceu a disputa com os americanos e esticar o quanto for possível seu bizarro misto de dinastia absolutista com regime comunista.

Já Trump, caso as conversas aconteçam e ele consiga driblar a aceitação de Pyongyang como potência, terá como enfrentar os críticos de sua retórica militarista febril desde que assumiu o cargo em 2017. O presidente americano literalmente cercou a Coreia do Norte de armas sofisticadas, elevando a tensão na região a níveis sem precedentes desde a guerra que dividiu a península entre comunistas e capitalistas ao sul.

A pressão, é possível alegar, pode ter dado resultado afinal. Ainda falta determinar o peso da China de Xi Jinping, fiadora do regime de Kim, no atual momento da crise. Ao longo de 2017, Pequim foi pressionada por Trump a dissuadir os norte-coreanos, que responderam com uma série sem precedente de testes de mísseis e com a mais potente detonação nuclear que já promoveu.

Já o papel da Coreia do Sul está mais claro. O país foi o interlocutor preferencial de Kim e aproximou-se de Pyongyang, não menos pelo motivo mais óbvio: na eventualidade de qualquer conflito, sua capital, Seul, acabaria obliterada mesmo que o norte não usasse armas nucleares.

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