Descrição de chapéu The New York Times

Em fuga por 40 anos, 'assassino de Golden State' deixou rastro de horror

Caso foi resolvido na última quarta (25) com a prisão de Joseph James DeAngelo

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Dan Barry Tim Arango Richard A. Oppel Jr.
Sacramento (EUA) | The New York Times

Ao longo de 1977 os moradores apavorados do condado de Sacramento, na Califórnia, só queriam saber quando acabaria o filme de horror que parecia ter tomado conta de sua vida. Em fóruns comunitários lotados, manifestavam seu medo do predador sádico que a cada poucos dias vinha cometendo ataques sexuais em seus bairros antes tranquilos. Alguns o haviam apelidado de "estuprador da área leste".

Em uma reunião pública promovida na cantina de uma escola, a detetive Carol Daly, da polícia de Sacramento, deu uma aula breve sobre como defender-se contra o agressor. Antes de as poucas centenas de presentes se dispersarem na noite, um homem questionou se seria possível alguém estuprar uma mulher na presença de seu marido, que faria tudo para impedir a agressão.

Alguns meses mais tarde, o estuprador da área leste atacou esse mesmo homem e sua esposa, em um dos crimes mais brutais das dezenas que já havia cometido. Carol Daly, hoje aposentada, comentou na sexta-feira (27) que não tem dúvida: “O estuprador estava presente naquela reunião”.

Aquele momento lúgubre refletiu como o criminoso cuidadoso e detalhista –que os investigadores suspeitavam fortemente de ter ligações com a polícia— costumava provocar com audácia aqueles que o perseguiam. Parecia que ele estava ostentando seu poder, aparentemente dizendo a quem quisesse ouvir que ele conseguiria escapar para sempre.

Ele estava enganado.

Na manhã da terça-feira passada (24), Joseph James DeAngelo, 72 anos, era um aposentado e ex-policial conhecido por seus vizinhos como sendo resmungão e obcecado por cuidar de seu gramado. Na noite do mesmo dia ele estava preso, tendo sido detido por suspeita de ser o estuprador da área leste, também conhecido como "perseguidor noturno original", "assassino do diamond knot" (um tipo de nó) ou "assassino do Golden State" (estado Dourado, como é chamada a Califórnia).

Joseph James DeAngelo, 72, comparece a um tribunal em Sacramento após sua prisão
Joseph James DeAngelo, 72, comparece a um tribunal em Sacramento após sua prisão - Fred Greaves - 27.abr.2018/Reuters

A foto policial do DeAngelo mais velho, já calvo, ao lado do retrato falado feito pela polícia décadas antes de um suspeito jovem com cabelos longos com risca ao meio, lançou uma ponte entre o passado distante e o agora imediato.

Fora de Sacramento, muita coisa estava acontecendo naquele ano de 1977: um novo presidente, Jimmy Carter; um filme de enorme sucesso chamado “Star Wars”; a morte de Elvis Presley. Mas na capital da Califórnia e seus arredores, relatos sobre mais um ataque hediondo cometido pelo Assassino da Área Leste lançavam uma sombra sobre o cotidiano das pessoas e se tornavam alvos de atenção obsessiva de Daly, entre muitas outras pessoas.

O primeiro ataque ocorreu em junho de 1976. Houve outro em julho, depois em agosto e em setembro. Após vários outros crimes em outubro, a polícia anunciou que estava procurando um só perpetrador que seria responsável por todos os ataques.

Os ataques eram devastadores para as mulheres e suas famílias. Mas Linda O’Dell, uma das vítimas, falou da habilidade de Carol Daly em uma época em que mulheres estupradas frequentemente voltavam a ser vitimadas pelos procedimentos policiais que se seguiam aos ataques. “Ela foi pioneira”, disse O’Dell. “Ela me deu muito apoio.”

Os investigadores não demoraram a traçar um quadro do suspeito: um homem jovem e ágil, com quase 1,80 metro de altura, que calçava tamanho 40 e cuja precisão tática os levava a supor que tivesse experiência militar ou policial. E era extremamente audaz: depois de um jornal local ter observado que ele costumava estuprar suas vítimas quando não havia homens na casa, recordou Daly, ele começou a violentar as mulheres depois de ter imobilizado seus maridos.

“Ele estava sempre a par do que estávamos fazendo e do que saía na mídia”, comentou Daly. “Toda vez que dizíamos ‘bem, ele não fez tal coisa’, era como se tivesse respondido ‘haha, peguei vocês. Consegui fazer, sim’.”

Essa audácia calculada alimentou a suspeita de que o perpetrador devia no mínimo ter feito treinamento policial.

“Na época”, disse Daly, “a suspeita de que ele pudesse fazer parte da comunidade policial era tão forte que todos os homens de nosso departamento que correspondiam à descrição dele se apresentaram para ser eliminados como suspeitos” através de exames de sangue, que foram comparados a uma amostra do sangue do estuprador.

O criminoso deu mostras de sua ousadia novamente após o fórum comunitário em que um dos presentes havia dito que duvidava que uma mulher pudesse ser atacada quando havia um homem presente na casa. E, recordou Daly, o ataque subsequente à esposa do homem em questão foi marcado por selvageria especial.

“Todos os ataques foram brutais”, ela disse. “Mas parece que ele passou mais tempo na casa daquele casa e que os atacou repetidas vezes. Acho que ele estava dando uma banana para todo o mundo.”

Nessa época DeAngelo era policial em Auburn, uma comunidade do norte da Califórnia, a pouca distância de onde ele fizera seus estudos secundários. Ele usava o uniforme azul claro, patrulhava as ruazinhas pitorescas e atendia chamados de rotina –ao mesmo tempo em que os moradores de Auburn se assustavam com as notícias de agressões cometidas pelo estuprador da área leste.

Nicholas Willick, um policial de Auburn que trabalhou ao lado de DeAngelo e mais tarde se tornou chefe de polícia, recordou o clima de medo dominante na época, que levou as pessoas a instalar alarmes, comprar cães de guarda e andar armadas.

“Estávamos sendo inundados de telefonemas, com pessoas pedindo que um policial fosse à casa delas fazer uma vistoria de segurança e oferecer sugestões de como poderiam melhorar a segurança de suas casas”, ele recordou. “Porque elas estavam com medo.”

Em fevereiro de 1978, Brian e Katie Maggiore, casados, foram mortos a tiros enquanto passeavam com seu cachorro na cidade de Rancho Cordova, no condado de Sacramento. Seria o primeiro homicídio ligado ao estuprador da área leste.

No ano seguinte, no início de julho, Willick demitiu DeAngelo da polícia. Ele tinha sido detido por tentar roubar um martelo e uma lata de repelente de cães de uma loja Pay ‘n Save, escondendo os objetos em suas calças.

Três meses mais tarde, o estuprador em série amarrou um casal em Goleta, cidade do condado de Santa Barbara, quase 650 quilômetros ao sul de Sacramento. Ele fugiu de bicicleta quando uma mulher começou a gritar.

Em novembro, o mês seguinte, DeAngelo negou em um tribunal que tivesse tentado roubar os objetos com que foi encontrado. Condenado, teve que pagar multa de US$ 100 (R$ 347) e passou seis meses em liberdade condicional.

Os estupros e homicídios continuaram por anos em pontos da Califórnia distantes do condado de Sacramento. Durante todo o tempo, Carol Daly conservou uma grande pasta vermelha em que guardava todos os relatórios, boletins de ocorrência, fotos e entrevistas, que ela frequentemente compartilhava com investigadores que a procuravam.

“Depois que você passou por uma coisa dessas, não a esquece mais”, ela explicou.

Os 12 anos de invasões domiciliares, violência e homicídios cometidos pelo predador pararam em 1986 –pelo menos na Califórnia, ao que parece. Doze pessoas tinham sido mortas, pelo menos 50 mulheres estupradas e mais de 120 casas haviam sido assaltadas.

A razão por que os crimes pararam ainda não está clara. Daly imaginou que o assassino pudesse ter perdido a agilidade necessária para fugir da polícia ou que talvez tivesse chegado tão perto de ser pego que decidira parar. “Senti que alguma coisa teria acontecido que o impossibilitara de continuar a cometer aqueles crimes”, ela disse.

No final do ano passado, policiais carregaram o perfil de DNA do suspeito, obtido do local de um duplo homicídio no condado de Ventura em 1980, em um site de genealogia. Foi uma última tentativa de identificar o assassino feita pelo investigador Paul Holes, da promotoria pública do condado de Contra Costa, que trabalhara sobre o caso durante 24 anos e estava prestes a se aposentar.

Quatro meses de investigações no site de genealogia conduziram a polícia a parentes distantes de DeAngelo, e a partir deles os genealogistas ajudaram a identificar o próprio DeAngelo. Seu DNA, obtido de objetos que ele jogara no lixo diante de sua casa, correspondia ao do assassino, segundo a polícia.

Na tarde da sexta-feira, DeAngelo foi conduzido a um tribunal do condado de Sacramento, com os pulsos acorrentados à cadeira de rodas fornecida pelo governo. Usava uniforme alaranjado da prisão, com as palavras “Detento do Condado de Sacramento” estampadas nas costas.

Após alguma dificuldade, o juiz Michael W. Sweet confirmou que o nome do réu era Joseph James DeAngelo. Ele apresentou as acusações, incluindo o assassinato de Katie Maggioe –“um ser humano”—e de Brian Maggiore –“um ser humano”.

O ex-policial olhou para o juiz, piscando devagar e com a boca parcialmente aberta, como se não houvesse palavras. E foi levado embora em sua cadeira de rodas.

Tradução de Clara Allain

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