Descrição de chapéu

Tenho o direito de mostrar o dedo do meio a Trump

Mulher que perdeu o emprego por crítica ao presidente processa antigo empregador

Juli Briskman mostra o dedo do meio para a carreata de Trump perto de Sterling, Virgínia
Juli Briskman mostra o dedo do meio para a carreata de Trump perto de Sterling, Virgínia - Brendan Smialowski - 28.out.2017/AFP
Juli Briskman
Sterling, Virgínia (EUA) | Washington Post

Em um sábado de sol em outubro do ano passado, subi na minha bicicleta e fui dar uma volta perto da minha casa no estado da Virgínia (EUA). O presidente Donald Trump decidiu ficar ao ar livre naquele dia também, no campo de golfe de sua propriedade, que fica perto da minha rota de bicicleta.

Nossos caminhos se cruzaram e, quando sua carreata passou ao meu lado, eu mostrei meu dedo do meio em um gesto rápido e quase espontâneo que expressava minha frustração com sua política pobre de espírito e limitada.

Três dias depois, perdi meu emprego

Um fotógrafo de uma agência de notícias capturou o gesto e um repórter do Voice of America postou a foto em rede social. A foto viralizou. Na noite seguinte, eu usei a imagem como foto de fundo em minhas contas pessoais no Facebook e no Twitter, nenhuma das quais mencionava onde eu trabalhava. Mas, depois do final de semana, eu informei a meu empregador, a Akima, que eu era a ciclista na foto.

Apesar de concordar que a Primeira Emenda protege meu direito de mostrar o dedo do meio, meu chefe disse que a "proteção corporativa" ditava que ele tinha que me demitir com base na política de mídias sociais da empresa, que proibia conteúdo "obsceno" ou "impróprio". 

A Akima tem contratos com o governo, e a companhia obviamente tinha medo de que a administração Trump (inconstitucionalmente) a punisse pelo meu gesto. Então, na terça-feira, eles me demitiram.

A Primeira Emenda proíbe a retaliação contra a minha pessoa por Trump. Mas Trump não precisa me punir pelo meu gesto se o medo dele faz a empresa agir assim. E um empregador privado não pode suprimir meu direito à livre expressão em meu tempo livre por medo de retaliação ilegal do governo sem ferir a lei de emprego da Virgínia; é por isso que entrei com um processo contra minha antiga empregadora nesta semana.

Não estou sozinha em ter meus meios de vida ameaçados pelo meu desejo de exercer minha liberdade de expressão. Ninguém que acompanha futebol americano acha que os 50 quarterbacks que fecharam contratos com times da NFL (liga do esporte) são mais talentosos que Colin Kaepernick. Os ataques incessantes do presidente ao fato de Kaepernick se recusar a ficar de pé pelo hino nacional criaram um ambiente em que muitos times ficaram relutantes em contratar o atleta e se arriscar a uma polêmica que possa reduzir seus luvros. Agora, Eric Reid, um dos primeiros a acompanhar Kaepernick, também pode ter seu salário reduzido porque participou de dissidência política.

​Essas histórias chegaram à mídia, mas essa facilidade de suprimir o direito à livre expressão está se espalhando pelo setor privado. Por exemplo, a organização sem fins lucrativos Protect Democracy, que não é ligada a partidos, me ajudou a abrir meu processo. Membros do grupo me disseram que sua missão de prevenir um governo autoritário tem dificultado que eles consigam alugar escritórios em Cambridge, Massachusetts: os proprietários de imóveis temem retaliações do governo federal.

Esse tipo de comportamento é familiar a pessoas que vivem no Egito, na Hungria, na Tailândia, na Turquia e na Rússia, onde a possibilidade de fazer negócios depende cada vez mais de ser favorável ao regime. Como resultado, empresas desses países não contratam nem fazem negócios com dissidentes. E essa pressão —fazer cidadãos escolherem entre suas carteiras e seus princípios— faz começar uma espiral que eventualmente desmantela a democracia.

Podemos chamar isso de "captura autocrática". Ela não é novidade para o mundo, mas é novidade neste país, e cabe a todos nós evitar que ela se solidifique. Nossa democracia depende disso. Como James Madison avisou nos primeiros dias dos Estados Unidos, o "valor e eficácia" das eleições livres depende da liberdade igualitária de examinar os méritos e deméritos dos candidatos. Mas se os americanos só podem manter seus empregos se não criticarem o presidente, essa liberdade se foi. E uma vez que a liberdade de falar seja perdida, o resto dos nossos direitos constitucionais não demorará a ir também.

Juli Briskman é uma profissional de marketing e relações públicas de Sterling, Virgínia (EUA)

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