Descrição de chapéu Donald Trump

Sem Donald Trump, jantar de jornalistas em Washington vira polêmica

Performance da humorista em evento da Associação de Correspondentes da Casa Branca atrai críticas

A comediante Michelle Wolf fala durante evento anual da Associação de Correspondentes da Casa Branca
A comediante Michelle Wolf fala durante evento anual da Associação de Correspondentes da Casa Branca - Aaron P. Bernstein - 28.abr.2018/Reuters
Estelita Hass Carazzai
Washington

A ocasião era nobre: o jantar dos correspondentes da Casa Branca, tradição quase centenária em celebração à liberdade de imprensa em Washington. Jornalistas, políticos e assessores em black-tie já estavam na sobremesa quando Michelle Wolf, humorista em ascensão nos talk-shows, subiu ao palco.

“Como diria uma estrela pornô prestes a transar com [Donald] Trump: vamos acabar logo com isso”, disparou a comediante de 32 anos na noite de sábado (28).

Foi a primeira de muitas piadas ácidas com republicanos e democratas, que atraíram de risos constrangidos a gargalhadas e “ooohs” e provocaram um debate sobre quão sustentável é a convivência da imprensa com Trump.

Alfinetar o presidente de turno e a mídia é a praxe entre os apresentadores do evento anual. Mas, nesta segunda (30), a performance ainda provocava reações exaltadas, com críticos exigindo um pedido de desculpas da Associação de Correspondentes da Casa Branca, que organiza o jantar.

“O objetivo era oferecer uma mensagem de união, e não dividir as pessoas. Infelizmente, o monólogo não captou o espírito”, afirmou Margaret Talev, presidente da associação.

“Foi um desastre total”, criticou o presidente, que não estava no evento —ao contrário de seus antecessores, ele nunca foi ao jantar, uma noite de gala do jornalismo político em que a disputa de prêmios é substituída pela disputa por celebridades nas mesas das publicações participantes.

Trump deixou de ouvir o silêncio constrangido da plateia quando Wolf afirmou que ela gostaria de tê-lo arrastado para o jantar, mas “o presidente é a única xoxota que você não pode agarrar” —alusão a um comentário de Trump sobre mulheres feito em 2005.

“Estamos em 2018 e sou mulher, vocês não podem me calar. A não ser que o Michael Cohen [advogado de Trump] me transfira US$ 130 mil”, disse, citando o pagamento feito à atriz pornô Stormy Daniels para que ela não revelasse um suposto caso com Trump.

O presidente, porém, não foi o único alvo de Wolf. Ela criticaria ainda os democratas (por sua inação), os grupos racistas organizados (“fascistas”), a obsessão da imprensa com Trump (“ajudaram a criar o monstro e agora lucram com ele”), as redes de TV CNN e Fox News e vários membros do governo, em especial a porta-voz, Sarah Huckabee Sanders.

“Gosto muito de Sarah, ela é muito engenhosa. Ela queima fatos e usa as cinzas para maquiar um olho esfumado perfeito. Como se tivesse nascido com aquilo. Mas provavelmente são mentiras”, disse.
Sanders observou calada. O comentário, contudo, provocou reações contundentes, inclusive entre jornalistas. 

Para muitos, Wolf cruzou a linha. “Foi impressionante ver Sanders tolerar críticas intensas sobre sua aparência, seu trabalho e outras coisas, em rede nacional, em vez de levantar e ir embora”, disse a jornalista Maggie Haberman, do New York Times, homenageada na mesma noite. 

Outros tantos ressaltaram que Wolf elogiou a maquiagem de Sanders, reservando a crítica apenas a sua forma de lidar com os fatos, e defenderam a falta de limite do humor. 

“O que torna esses jantares possíveis é uma ficção sobre a civilidade e a performance. Wolf rompeu essa bolha e expôs a obscenidade dessa ficção”, disse o jornalista Masha Gessen na revista New Yorker.

Wolf trabalhou com os humoristas Seth Meyers e Trevor Noah, que conduzem celebrados talk-shows na TV americana. Neste ano, ela foi estrela de um programa da HBO e vai estrear uma série de não ficção na Netflix no fim de maio.

“Eu estava lá, e algumas das piadas realmente deixaram as pessoas desconfortáveis”, afirmou o jornalista Dean Obeidallah. “Mas o humor político não deve ser sempre confortável; ele deve fazer rir ao mesmo tempo em que desafia pontos de vista.”

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