Trump reluta em adotar medidas contra Rússia e perde disputa com assessores

Presidente crê que sanções o privam da chance de criar um relacionamento estreito com Vladimir Putin

O chanceler russo, Serguei Lavrov, fala com diplomatas russos expulsos de vários países, em Moscou - Kirill Kudryavtsev - 9.abr.2018/AFP
Washington Post

O presidente americano, Donald Trump, parecia desconcentrado, durante um briefing de seus assessores, em março, sobre o plano do governo dos EUA para expulsar 60 diplomatas e suspeitos de espionagem russos.

Eles explicaram que o número de russos que os EUA expulsariam seria semelhante ao de expulsões pelos aliados europeus do país, como parte de uma manobra coordenada para punir Moscou pelo envenenamento de um ex-espião russo e sua filha, em solo britânico.

"Acompanharemos os números deles", instruiu Trump, de acordo com um funcionário do governo. "Não estamos tomando a liderança. Vamos só acompanhar."

No dia seguinte, quando as expulsões foram anunciadas publicamente, Trump explodiu, de acordo com funcionários do governo. Para seu choque e consternação, Alemanha e França expulsariam cada qual apenas quatro representantes russos —muito menos que as 60 expulsões decididas por seu governo.

O presidente, que parecia acreditar que cada país igualaria individualmente o número de expulsões americanas, ficou furioso pelo fato de a posição de sua administração estar sendo descrita na mídia como a mais dura com relação à Rússia.

Os assessores tentaram reassegurá-lo de que o número total de expulsões europeias seria semelhante ao de expulsões pelos EUA.

"Não me importo com o total", teria gritado o presidente, de acordo com o funcionário, que, como outros, falou sob a condição de que seu nome não fosse revelado, por estar discutindo deliberações internas do governo.

A raiva de Trump cresceu, e ele insistiu em que seus assessores o haviam enganado quanto à magnitude das expulsões. "Houve palavrões", disse o funcionário. "Muitos palavrões".

O incidente reflete a tensão criada pelas posições cada vez mais duras adotadas pelo governo Trump com relação à Rússia. O presidente instintivamente se opõe a muitas das medidas punitivas propostas por seu gabinete, porque elas o privam da capacidade de criar um relacionamento estreito com o presidente Vladimir Putin.

Os últimos 30 dias, especialmente, representaram uma grande virada na posição do governo, de acordo com importantes funcionários americanos.

Houve expulsões em massa de diplomatas russos, sanções contra oligarcas que privaram a economia já enfraquecida da Rússia de bilhões de dólares em fundos e, pela primeira vez, uma mensagem de Trump no Twitter criticando Putin nominalmente por seu apoio ao líder sírio Bashar al-Assad.

Na noite de sexta-feira, os EUA, em companhia do Reino Unido e França, atacaram instalações relacionadas às armas químicas de Assad, como punição pelo que os três países entenderam como uso de agentes químicos contra civis. Nikki Haley, a embaixadora dos EUA na ONU, disse no domingo que o governo americano planeja anunciar novas sanções contra a Rússia em breve.

Um porta-voz da Casa Branca enfatizou que a política de Trump quanto à Rússia sempre foi "coerente e dura", desde que ele assumiu o cargo, e que as medidas mais recentes tinham o apoio do presidente.

"Embora tenhamos interesse em trabalhar com a Rússia, quando nos virmos diante de suas atividades malignas no cenário internacional, o presidente responsabilizará Moscou", disse Raj Shah.

Pessoas próximas a Trump dizem que as medidas recentes são produto de uma campanha continuada de pressão para fazer com que o presidente passe a encarar o líder russo com mais ceticismo.

"Se o diretor da Agência Central de Inteligência (CIA) o informa sobre essas coisas todos os dias, chega o dia em que, mesmo que você seja Donald Trump, a conclusão de que Putin é mesmo um mau sujeito se torna inevitável", disse Newt Gingrich, ex-presidente da Câmara dos Deputados americana e assessor informal de Trump.

Outros apontam para o incômodo de Trump com relação às novas políticas. Enquanto seu governo intensificava a pressão sobre o círculo íntimo de Putin, Trump continuava a buscar aproximação com o líder russo, nas últimas semanas, congratulando-o por sua reeleição e, em uma decisão que incomodou sua equipe de segurança nacional, convidando-o para visitar a Casa Branca.

"Creio que eu poderia ter um bom relacionamento com a Rússia e com o presidente Putin", disse Trump em entrevista coletiva poucos dias depois da maior expulsão de diplomatas russos na história dos EUA. "E se isso acontecesse, seria ótimo. Também existe a possibilidade de que não aconteça. Difícil saber."

Trump chegou à Casa Branca acreditando que seu relacionamento pessoal com outros líderes seria central para a solução dos mais espinhosos problemas de relações internacionais do planeta, disseram funcionários do governo. Na cabeça de Trump, nenhum outro líder era mais importante ou poderoso que Putin, eles disseram.

Um relacionamento cooperativo com o líder russo poderia ajudar Trump a encontrar soluções para problemas que atormentaram seu predecessor em lugares como a Ucrânia, Síria e Coreia do Norte.

O ex-presidente Barack Obama tinha um relacionamento tenso com Putin. Trump disse que se sairia melhor, mas se sente restringido pela mídia, pelo Congresso e pelo inquérito do procurador especial Robert Mueller sobre a interferência russa na eleição de 2016.

Qualquer abordagem conciliatória que ele adote com relação a Putin sofre pesado escrutínio. "Quando todos os haters e tolos por aí perceberão que ter um bom relacionamento é boa coisa?", postou Trump no Twitter em novembro. "Eles estão sempre fazendo política —mau para o país".

Em foro privado, ele se queixou a assessores de que a fixação da mídia quanto ao inquérito de Mueller estava prejudicando seus esforços para cortejar Putin. "Não tenho como ligar o charme", o presidente disse diversas vezes, de acordo com um de seus assessores. "Não posso ser presidente por causa da caça às bruxas."

Com a passagem dos meses, as opções do presidente para melhorar o relacionamento com a Rússia se estreitaram. No final de julho, o Congresso aprovou por maioria esmagadora novas sanções contra Moscou, vistas por muitos como uma reprovação aos esforços de Trump para se aproximar de Putin. Os assessores precisaram de quatro dias para persuadir Trump a assinar a lei, que havia sido aprovada por maioria suficiente para derrubar qualquer veto.

Os assessores de Trump relutavam até em mencionar o assunto da interferência russa na eleição, que aos olhos de Trump é sinônimo do esforço democrata para solapar sua vitória. "É uma coisa com vida própria", disse um importante funcionário da área de segurança nacional. "E isso é constante, desde a posse."

Gingrich e outros assessores de Trump dizem que Mike Pompeo, diretor da CIA posteriormente indicado para o posto de secretário de Estado, era um dos poucos assessores de Trump que conseguia falar da Rússia sem despertar a ira do presidente.

Em janeiro, Pompeo disse à BBC que tinha "toda expectativa" de que a Rússia buscasse agir para perturbar as eleições legislativas de 2018. Sua preferência pessoal sempre foi a de que Trump adotasse linha dura contra Moscou.

Uma área quanto à qual os assessores trabalharam para levar o presidente a mudar de ideia foi uma proposta de vender mísseis antitanque à Ucrânia. Obama havia rejeitado a ideia por medo de irritar Moscou e provocar uma escalada da presença russa.

Trump também relutou inicialmente em aprovar a proposta, que tinha apoio do Departamento de Defesa e do Departamento de Estado. "Ele perguntava por que isso deveria ser nosso problema, e por que não deixarmos os europeus lidar com a Ucrânia", disse um funcionário americano.

Assessores descreveram um esforço de lobby por Pompeo, Haley e pelo secretário da Defesa Jim Mattis em apoio à assistência bélica. "Eu só quero a paz", dizia Trump, quando pressionado sobre a Ucrânia.

Os assessores rebatiam que as armas ajudariam a conseguir paz, ao dissuadir a Rússia de novas agressões.

Para convencer o presidente, os assessores argumentaram que o pacote de assistência militar de US$ 47 milhões poderia beneficiar os contribuintes americanos, se Kiev no futuro resolver seus problemas financeiros e se tornar compradora confiável de hardware militar americano.

Para surpresa até mesmo de seus assessores mais próximos, o presidente concordou com a transferência das armas, no final do ano passado, sob a condição de que ela acontecesse discretamente e sem anúncio formal.

Os assessores tentaram alertá-lo de que não havia jeito de impedir que a notícia vazasse.

Quando isso aconteceu, a linha dura quanto à Rússia no Congresso elogiou o presidente. "Outro passo significativo na direção certa", disse o senador John McCain, republicano do Arizona, frequente crítico de Trump. Mas Trump mesmo assim ficou furioso, disse um funcionário do governo.

"Por algum motivo, quando a Rússia está envolvida, ele não consegue ouvir os elogios", disse um importante funcionário do governo. "Em termos políticos, a melhor coisa para ele é adotar a linha dura... mas quanto a essa questão, ele é incapaz de ouvir os elogios."

O envenenamento do ex-espião russo Serguei Skripal e sua filha Iulia, em março no Reino Unido, agravou a tensão entre Trump e seus assessores.

Inicialmente, o presidente relutou em acreditar na informação de que a Rússia estivesse por trás do ataque, realizado com um agente tóxico que afeta o sistema nervoso. Alguns assessores atribuem essa descrença ao presidente ser do contra e à sua tendência de buscar conspirações mais profundas.

Para persuadi-lo, os assessores alertaram de que seria massacrado na imprensa se agisse em descompasso com os aliados dos EUA, disseram funcionários.

"Havia uma sensação de que não podíamos ser os únicos a não admitir a realidade", disse o assessor de Trump.

A próxima tarefa foi convencer Trump de que ele deveria punir Putin agindo de maneira coordenada com os europeus. "Por que você está me pedindo para fazer isso?", teria perguntado Trump em uma conversa telefônica com a primeira-ministra britânica Theresa May, de acordo com um importante funcionário da Casa Branca. "O que a Alemanha vai fazer? E a França?"

Ele insistiu em que o envenenamento, que aconteceu na cidade inglesa de Salisbury, era um problema basicamente europeu, e que os aliados deveriam tomar a liderança, nas medidas contra a Rússia.

Trump disse a assessores, em conversa no Salão Oval em 23 de março, que estava confiante em que o presidente francês, Emmanuel Macron, cumpriria a promessa de expulsar representantes russos, mas que estava preocupado com a chanceler [primeira-ministra] alemã, Angela Merkel, cujo país depende do petróleo e gás natural russos.

No dia seguinte, em Mar-a-Lago, os assessores de Trump lhe entregaram o memorando final com o número exato de expulsões pelos EUA.

O presidente assinou a ordem no avião, a caminho de Washington.

Trump ficou furioso quando jornais descreveram o expurgo como o maior na história dos EUA, e destacaram a grande diferença no número de expulsões entre os EUA e seus aliados. "Se vocês tivessem me contado que França e Alemanha expulsariam só [quatro], teríamos feito o mesmo", um funcionário recorda tê-lo ouvido dizer.

Alguns assessores classificam o caso como simples mal entendido. Outros dizem que a causa foi o relacionamento desgastado entre o presidente e seus principais assessores, entre os quais H.R. McMaster, ex-assessor de segurança nacional de Trump.

"Sempre que McMaster fazia uma recomendação, o presidente achava que era demais", disse o assessor de Trump. "Eles eram como óleo e água, sobre todos os assuntos. Assim, o impulso natural do presidente era acreditar que, se a recomendação de McMaster era aquela, certamente ia longe demais."

Nos dias posteriores às expulsões, Trump continuou a tomar medidas duras para punir a Rússia. No começo deste mês, o governo impôs sanções contra 17 funcionários do governo russo e sete oligarcas e suas empresas, levando o Ministério do Exterior russo a ameaçar "represálias duras".

As sanções foram seguidas por um suposto ataque com gás tóxico que matou dezenas de pessoas em Duma, uma cidade ocupada pelos rebeldes a leste da capital síria, Damasco. "O presidente Putin, Rússia e Irã são responsáveis por apoiar o Animal Assad", afirmou Trump no Twitter em sua primeira critica nominal ao líder russo. "Pagarão caro."

Os ataques aéreos relativamente modestos que Trump ordenou na sexta-feira foram concebidos para pressionar Assad sem causar um conflito militar mais amplo com a Rússia.

Alguns diplomatas europeus em Washington questionam se as medidas duras contam com apoio completo de Trump. "Essa não seria a política se Trump não a apoiasse... certo?", perguntou um embaixador.

Os analistas de questões russas parecem igualmente perplexos. "Temos aqui um homem que, se pudesse fazer o que quer, teria uma política muito mais aberta e amistosa para com a Rússia", disse Angela Stent, antiga funcionária da Casa Branca e professora da Universidade de Georgetown. "Os EUA na verdade têm três políticas diferentes quanto à Rússia: a do presidente, a do Executivo e a do Congresso."

Menos de um mês depois de Trump chocar seus assessores de política externa ao convidar Putin para uma visita à Casa Branca, as perspectivas de que isso aconteça no futuro previsível são remotas. Não há data marcada, disseram funcionários da Casa Branca.

"Não vamos correr para marcar esse encontro", disse um importante funcionário do governo. "Nossa equipe não ficou muito entusiasmada com a ideia".

Tradução: PAULO MIGLIACCI

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