Eleições gerais acirradas na Turquia fazem partidos buscarem voto curdo

Minoria étnica representa ao menos 15% da população e pode decidir pleito

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Esmirna

A promessa de eleições acirradas neste domingo (24) na Turquia levou tanto o governo do atual presidente, Recep Tayyip Erdogan, quanto a oposição a acenar a uma parcela inesperada do país: os curdos.

Essa minoria étnica, que constitui entre 15% e 20% da população, vive um embate histórico com as autoridades centrais turcas, exigindo mais autonomia. Há reivindicações semelhantes na Síria e no Iraque, onde também vivem os curdos —eles pedem ter um país apenas seu na região.

São pessoas como a família curda Gülmez, que há duas décadas fugiu dos conflitos no sudeste da Turquia e se mudou para Esmirna, na costa mediterrânea.

Eles moram em um gecekondu, o nome dado em turco para as favelas, nos arredores de um castelo da época de Alexandre, o Grande (século 4 a.C). No fim da tarde, reúnem-se em torno de fornos improvisados de barro e madeira para assar o pão.

O voto deles pode ser decisivo no pleito deste final de semana, quando a Turquia escolherá não só seu próximo presidente, mas também decidirá a composição do novo Parlamento.

Apesar de Erdogan ser favorito, ele enfrenta resistência.

Ele pode ser obrigado a ir ao segundo turno, algo que prefere evitar, pois o gradual colapso da economia diminui as suas chances a cada dia. Uma sondagem feita em 13 de junho com 2.460 pessoas prevê 44,5% dos votos para Erdogan e 29% para o social-democrata Muharrem Ince.

Daí a importância do voto curdo na balança em que cada ponto percentual pesa.

Essa população, concentrada no sudeste do país e com bolsões em grandes cidades como Istambul e Esmirna (a terceira maior do país, atrás ainda de Ancara), tradicionalmente se divide entre um eleitorado mais conservador e um mais voltado à esquerda.

Será especialmente difícil para Erdogan seduzir esses cidadãos enquanto segue em embate contra os curdos em seu território e também em países vizinhos, como a Síria e o Iraque. Seu governo costuma retratar a dita questão curda como crise existencial.

Havia uma trégua entre as autoridades centrais e os separatistas do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), considerados uma organização terrorista pela Turquia, pelos EUA e pela União Europeia. O acordo, porém, acabou em 2015, culminando em embates violentos e ataques terroristas.

 

"Hoje não temos democracia. Erdogan é um ditador", diz à Folha Sükrü Gülmez, 50, com uma foto do candidato de origem curda Selahattin Demirtas, detido pelo governo.

A sigla de Demirtas, a socialista HDP (Partido Democrático dos Povos), é uma das principais forças pró-curdas. Em 2015, tiveram 10% dos votos, algo que tentam repetir neste ano —uma van de campanha subiu à favela nesta terça-feira (19) para distribuir folhetos.

"A 'questão curda' é uma das principais pendências no país", diz Semra Uzunok, 52, uma líder regional do HDP em Esmirna, onde estima haver 1 milhão de curdos. "Sem resolver isso antes, nós não podemos falar sobre os direitos das mulheres ou sobre a proteção ao ambiente."

Esse discurso tem um apelo forte em regiões urbanas, mas uma importante parcela dos curdos interioranos vota no presidente, e é ali que a perda de apoio ao governo pode ser decisiva nestas eleições. "Erdogan atacou os curdos e quer o voto deles?", questiona Uzonok.

Sim, ele quer. Em um comício recente no leste do país, o presidente prometeu coesão social e coexistência entre as diversas etnias do país, dizendo que a questão curda já não existe —há apenas o combate contra o terrorismo, afirmou, culpando o movimento curdo PKK.

Seu principal rival à Presidência, o social-democrata Ince, promete por sua vez libertar os políticos curdos detidos e fomentar o ensino em língua curda nas regiões dessa minoria étnica.

Esses gestos de boa vontade são no entanto delicados e podem incomodar os eleitores em todo o espectro político, e não apenas entre os conservadores de Erdogan.

"Todos os partidos que reinaram na Turquia nestas últimas décadas são nacionalistas turcos, e não teriam votos se não o fossem", afirma a jornalista holandesa Frederike Geerdink, 48, que morou na Turquia e escreveu por anos sobre essa questão —até ser detida e expulsa em 2015, em uma das campanhas de perseguição a repórteres pelo governo turco.

"A diferença entre o AKP [sigla de Erdogan] e os outros partidos é que eles têm hoje o poder para demonstrar o seu nacionalismo com ações militares", diz sobre as incursões turcas na região.

Pessimista quanto a esse cenário, Geerdink não enxerga nenhuma solução imediata, independentemente do resultado do pleito de domingo.

"Não é tão difícil de resolver, mas requer coragem política, e não há vontade hoje na Turquia. Nem de Erdogan nem de ninguém."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.