Hatun al-Fassi não celebrou seus 18 anos como os amigos, que puseram a mão no volante assim que chegaram à maioridade. Por ser mulher na Arábia Saudita, ela era proibida de dirigir.
Foi só na semana passada, aos 53 anos, que a veterana ativista recebeu sua carteira de motorista oficial. "Finalmente consegui algo real", diz à Folha. "É um documento que me foi negado a vida toda."
Em 24 de junho, deixará de ser crime que uma mulher dirija pelas ruas e desertos do país, no que foi recebido pelo restante do mundo como uma revolução social e um sinal de que a monarquia dos Saud (dinastia que dá nome à nação) está se modernizando.
"Por meio século, fomos discriminadas, marginalizadas e subaproveitadas. Agora, o país está mudando", diz Fassi.
Há outros indícios de modernização, como a reabertura das salas de cinema e a permissão para que as mulheres assistam a partidas de futebol.
Em paralelo, no entanto, os críticos da monarquia insistem em que as mudanças são superficiais e que o país segue sendo o principal bastião do conservadorismo no Oriente Médio.
No caso das motoristas, por exemplo, há reservas pelo fato de que só um grupo seleto recebeu as carteiras na semana passada. A permissão por ora só vale para quem tem habilitação emitida por outro país (a de Fassi é do Reino Unido).
Em paralelo, outras ativistas foram detidas em junho justamente por protestar pelo direito de dirigir —algo recebido com bastante ironia, ou como uma marcha a ré.
A abertura saudita parece ser, a esta altura, um complicado processo com idas e vindas, incluindo concessões feitas aos setores mais religiosos.
Os reformistas enfrentam a resistência de quem prefere que o país siga sendo aquela antiga monarquia unificada em 1932, ensimesmada. A classe religiosa, em especial, tem receio de abrir mão dos privilégios que acumulou nos últimos séculos.
As reformas sauditas são associadas à figura do carismático príncipe-herdeiro Mohammed bin Salman, conhecido pelas iniciais MBS.
Foi sua ascensão na corte, coincidindo com o declínio do rei Salman, que colocou a chave na ignição das celebradas transformações sociais.
Mas as reformas não são apenas boa vontade. De um ponto de vista estratégico, a monarquia pode estar implementando um modelo semelhante ao de Dubai: o de oferecer algum nível de abertura social para compensar a ausência de liberdades políticas.
Em um nível mais pragmático, MBS e seus seguidores também acreditam que a modernização seja a única maneira de reverter o declínio econômico do país, que sofreu na última década com a queda do preço do seu principal produto, o petróleo.
A crise da cotação da commodity está intimamente ligada à estabilidade da região, já que a Arábia Saudita utiliza a renda do petróleo para oferecer subsídios à população —e, dessa maneira, evitar sua insatisfação.
São muitos os desafios que o príncipe-herdeiro tem pela frente, para além da direção feminina ou das salas de cinema.
As mulheres exigem também a extinção do sistema de guardiões, pelo qual elas precisam da autorização de um homem para tomar decisões como viajar para o exterior.
Lentas, reformas sauditas são vistas com desconfiança
Para críticos, mudanças como permissão para mulher dirigir são superficiais
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