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Trump aponta contradição europeia, mas meta de gasto militar é irreal

Apesar de hostilidade, americano não tem alternativa ao arranjo diplomático do Ocidente

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O presidente americano Donald Trump e outros líderes durante a cúpula da Otan
O presidente americano Donald Trump e outros líderes durante a cúpula da Otan - Brendan Smialowski/AFP
Moscou

Com os exageros retóricos de sempre e um pedido irrealista de mais gasto militar, Donald Trump foi preciso ao apontar a contradição central na relação da Europa com a Rússia.

A diplomacia dos membros europeus da Otan, a aliança militar criada em 1949 para defender o continente da União Soviética, é francamente hostil ao Kremlin.

Não sem motivo, após ver Moscou intervir militarmente na Ucrânia em 2014. A ação foi cortesia do imperativo geopolítico russo de evitar a expansão crescente da Otan ao leste.

Isso remete à acusação de Trump sobre a aliança ser obsoleta, mas não deixa de configurar uma ameaça aos olhos ocidentais. 

A questão é que as suas economias dependem de recursos energéticos russos: 30% do gás e 28% do petróleo consumidos pela União Europeia vêm da terra de Vladimir Putin. 

Trump não escolheu o caso alemão por acaso para seu tradicional “bullying” de vendedor que despreza o cliente na primeira conversa.

Para começar, militarmente a Alemanha está no seu momento mais depauperado no pós-guerra, como é consenso entre analistas. 

Economicamente, a Rússia é a maior fornecedora do gás (35%), petróleo (40%) e carvão (32%) dos alemães. E Berlim está desativando sua matriz nuclear, que responde por 6,1% de seu consumo. 

Assim, aprovou neste ano a passagem do megagasoduto Nord Stream 2, da russa Gazprom, por suas águas territoriais. Cerca de 80% do gás russo passará por ele, evitando rotas vulneráveis pela Ucrânia.

 A Alemanha não está sozinha. A França, usualmente menos dura com Moscou, é sócia do projeto que está tornando a Rússia uma potência em gás liquefeito, na península ártica de Iamal. 

Como o produto é transportado por navios, isso ampliará o acesso russo ao mercado europeu.

Mesmo o sempre feroz Reino Unido é relativamente manso quando o bolso está em questão. A britânica BP é acionista importante da Rosneft, a principal petroleira estatal russa. 

São todos dados da realidade, que Trump usou a seu favor quando pediu mais investimento dos europeus em defesa.

A meta sugerida de 4% do PIB em gasto militar para os aliados é só uma bravata. Apenas cinco países da Otan, EUA incluídos (3,57% do PIB) já cumprem a meta prevista para 2024, de 2% do PIB. A pressão novamente mira os alemães, com apenas 1,24% de gasto em defesa em 2017. 

Nesse capítulo, o presidente americano manipulou os números. Mentiu ao dizer, por exemplo, que os EUA respondem por 90% do gasto militar da aliança. 

São astronômicos 67% dos US$ 918 bilhões (R$ 3,5 trilhões) estimados em 2017. Mas os EUA mantêm uma rede inigualável de projeção global de força, comprometida em várias frentes de seu próprio interesse.

Uma conta do IISS (Instituto Internacional para Estudos Estratégicos) é reveladora disso. Em 2017, os EUA executaram segundo o IISS US$ 602 bilhões (R$ 2,3 trilhões) em gastos militares.

Desses, US$ 30,7 bilhões (R$ 118 bilhões) foram aplicados em operações na Europa, contra US$ 239 bilhões (R$ 924 bilhões) gastos pelos países da Otan no continente. Isso coloca as críticas em perspectiva. 

O americano também tentou caracterizar o gasto abaixo da meta como uma dívida dos aliados com os EUA. Está errado, já que operações conjuntas têm orçamentos proporcionais aprovados e não há notícia de calotes. 

Já um dado mais próximo da realidade é desfavorável aos europeus: só 14 dos 29 membros da Otan gastam 20% ou mais do seu orçamento militar em equipamento, como estabelecido.

Politicamente, está em curso o desastre antecipado após a rumorosa saída de Trump da reunião do G7, no Canadá, em junho. Naquele momento, espinafrou os aliados e foi se encontrar com o ditador norte-coreano, Kim Jong-un. O roteiro simbólico se repete.

Trump já cumpriu a parte da ofensa aos amigos. Parece improvável que abandone Bruxelas, mas na próxima segunda (16) estará em Helsinque com o vilão preferido da Otan: Vladimir Putin.

Se lograr qualquer coisa parecida com uma concessão russa, terá muito a vender na eleição parlamentar de novembro. Trump o fará às expensas de sete décadas de arranjo diplomático do Ocidente, e não parece haver um plano B à mão.  ​

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