Eles vêm principalmente de São Paulo e Manaus, têm baixa escolaridade, levam pouco mais de 1 kg de droga na bagagem ou no estômago e, em cerca de 80% dos casos, não possuem antecedentes criminais. Esse é o perfil dos brasileiros e brasileiras presos como "mulas" de drogas em Hong Kong, segundo uma voluntária que os visita na prisão desde 2015.
A também brasileira Iza Rainbow, 64, mora há mais de 20 anos na região e se dedica a dar suporte logístico, emocional e espiritual aos detentos. Como a distância e os custos da viagem impedem as viagens de parentes durante a sentença, que gira em torno de dez anos, ela e alguns outros conterrâneos visitam as penitenciárias regularmente.
“Fazemos aquilo que a família deveria fazer, mas não pode porque está longe. Os prisioneiros não falam o idioma, têm que se adaptar a um sistema que existe muita disciplina. Eles sentem a necessidade de falar, então a gente dá suporte”, afirma Iza, que também trabalha como intérprete para a polícia de fronteiras.
A idade dos detentos varia. Dos que Iza auxilia, um foi preso quando era menor de idade e o mais velho tem 55 anos. Muitos fazem escala em regiões onde o tráfico internacional é punido com pena de morte, como Indonésia e alguns países do Oriente Médio.
“As ‘mulas’ não têm noção do risco que correm. Elas chegam sem saber de nada, são usadas e descartadas. Muitas vêm como ‘boi de piranha’, ou seja, são enviadas para serem presas e ocuparem a atenção da polícia enquanto outros passam”, diz ela.
Também morando há mais de 20 anos em Hong Kong, Marta Conceição, 48, faz visitas à penitenciária feminina ao menos duas vezes por mês e passa quatro horas por semana escrevendo cartas para as detentas brasileiras.
“Ajudo no que posso. Levo itens de higiene, faço a ponte na comunicação com familiares. E buscamos acalmá-las, porque não é fácil passar dez anos longe de tudo. Tentamos dar uma alegrada no coração.”
Ela diz que todas as brasileiras que estão lá foram presas por levar drogas. “Elas chegam à prisão desesperadas. Uma delas tentou se matar três vezes. Agora, depois de todo um trabalho, está melhor”, diz Marta, que também atua com evangelização.
“Não tem preço ver a evolução delas, ver que se sentem amadas. Estou fora e tenho que servir as pessoas do meu país que passam necessidade.”
Tanto Marta quanto Iza perceberam o aumento de brasileiros presos com drogas nos últimos dois anos. Segundo dados do Itamaraty, de 2015 para 2016 esse número dobrou: foi de oito para 16.
“Eles não param de chegar”, diz Marta. “E aqui não é igual no Brasil, que você paga fiança e sai da prisão. A pena é de oito, dez anos. Não tem jeitinho.”
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